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Natal morno mostra profundidade da crise

O Natal está encantando pouco o feirense em 2017. É o que se deduz observando a decoração natalina pelas ruas da cidade. A profusão de enfeites, adereços e lâmpadas elétricas está bem mais modesta em relação aos anos anteriores. Quem circula pela Feira de Santana não enxerga a decoração chamativa, vívida, que emprestava ânimo à opaca iluminação pública. Mesmo os estabelecimentos comerciais, normalmente interessados em instigar a fraternidade de mercado típica do período, fizeram investimentos sóbrios para a época. Luzes aqui ou ali, mas tudo muito discreto.
O fervor consumista também está mais contido, mesmo depois do pagamento da primeira parcela do décimo terceiro salário no final de novembro. Nas propagandas de tevê, nas reportagens características da época, há menos fervor nos apelos às compras. Pesquisas indicam que o brasileiro está mais preocupado em quitar dívidas e fazer uma reserva modesta para ir enfrentando esses tempos atrozes.
Sorridentes, otimistas, entusiasmados, o controverso presidente da República, Michel Temer (PMDB) – o mandatário de Tietê – e seu ministro da Fazenda e pré-candidato à presidência da República, Henrique Meirelles (PSD), anunciam que a recessão findou e que, daqui pra frente, está aberta a vereda da prosperidade. Embora acatada sem críticas pela imprensa, a versão vem convencendo pouca gente. É o que demonstra o clima comercialmente morno em mais um Natal magro.
Brasileiros e feirenses estão calejados com as renitentes promessas de prosperidade próxima desde que a crise eclodiu, em meados de 2014. Muitos perderam seus empregos, eventuais reservas foram diluídas com as urgências acumuladas, padrões de consumo foram ajustados para baixo e nada de se chegar à prometida retomada. Mesmo assim, ano que vem, com as eleições presidenciais, esse discurso tende a se intensificar.

Escassez rotineira

Provavelmente a postura contida em relação ao Natal se deva ao aprendizado dos anos anteriores – sobretudo 2016 – quando se dizia, com ênfase, que a retomada estava no alvorecer do ano seguinte. Não foi o que se verificou neste amargo 2017. Daí a sobriedade, a atenção maior com as despesas e – quem sabe – certo desencanto que se traduz no desinteresse em montar até mesmo uma singela árvore natalina.
Ano que vem, governo e a parcela da imprensa que o vocaliza martelarão, renitentes, os grandes avanços alcançados na economia. E o brasileiro, perplexo, vai se perguntar a que país se referem. Afinal, o desemprego, o subemprego intermitente – com salário de R$ 178 – os reajustes estratosféricos do gás de cozinha, da energia elétrica e dos combustíveis estão aí para desfazer qualquer engodo.
Como mazelas adicionais, há o desmanche contínuo de direitos – a Previdência Social está agora na alça de mira –, o teto de gastos para saúde e educação e a lipoaspiração em programas sociais como o Bolsa Família. Permanente, o arrocho sufocou a euforia natalina de outrora, quando programas sociais vitaminados, desemprego em baixa e salário mínimo em alta permitiram uma inédita sensação de prosperidade entre os mais pobres.
Propício à reflexão, o período natalino traz, em 2017, um incentivo adicional para se pensar sobre o futuro: em 2018 ocorrerão eleições gerais e, nelas, estará em jogo o destino do país no médio prazo. A continuidade da crise política que fragmenta o Brasil vai tornar ainda mais improvável a recuperação econômica. Sem perspectiva de superação dessas crises, o país tenderá, quem sabe, a uma cisão irreversível na próxima década.

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