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Derrubada de boxes marca fim de uma era no Centro de Abastecimento

No sábado, 15 de dezembro, transitava ali pela praça do Tropeiro, em direção ao Centro de Abastecimento. Quase na esquina da Olímpio Vital, onde funcionaram durante décadas os boxes de artesanato, alguns transeuntes retardavam o passo: assistiam, silenciosos, à demolição daquele setor do entreposto comercial, que vai ceder lugar ao polêmico Shopping Popular. Uma retroescavadeira amarela manobrava e, com sua pá, fragmentava os blocos de concreto, reduzindo-os a vergalhões retorcidos. Uma camada de poeira fina, pálida, se desprendia dos destroços.
Alguns boxes ainda estavam de pé. Num deles, alguns produtos estavam sendo removidos por comerciantes resignados. Percebia-se, claramente, o cheiro suave do incenso, que se misturava a outros produtos aromáticos. Pelo chão, destroços dos outros boxes já desocupados: jornais sujos e amassados, um ventilador despedaçado, bastões de madeira, hastes metálicas, papelão rasgado, pedras, garrafas e copos plásticos que transeuntes descartavam pela rua.
Só quem resistia era um boxe que exibia artigos de couro: chapéus, gibões, selas, pastas e mochilas: uma infinidade de artigos que trazem a memória do visitante lembranças da chamada “civilização do couro”. Àquelas alturas, já não se viam os fascinantes apetrechos que barro que contam parte da História da civilização sertaneja.
O abandono e os destroços contrastavam com o avanço das obras do Shopping Popular. Colunas metálicas, sustentadas por sapatas de concreto, apontam para o céu, prontas, à espera da finalização. O ruído das máquinas e as vozes dos operários advertiam os transeuntes que restava pouco tempo para remoer as antigas recordações. Estavam silenciosos: um estirava o beiço, numa interjeição de espanto; outro apreciava a retroescavadeira, que seguia desmanchando os antigos boxes.

Contraste

Quem percorre toda a extensão da obra em direção à avenida de Canal observa o vivo contraste: lá adiante existe uma sujeira frequente – que se avoluma com toneladas de entulho abandonada ali – e uma infinidade de dejetos descartados do próprio Centro de Abastecimento: frutas, verduras e legumes que vão se decompondo aos poucos. Cavalos ocasionais pastam aquele refugo, cujo odor desencoraja o trânsito pelas imediações.
Circular por aquele trecho é trabalhoso: a calçada – composta por enormes placas de concreto – está escangalhada. Em alguns pontos, defronte ao Beira-Riacho, é necessário circular pela avenida Canal, enfrentando os automóveis que fazem a curva velozmente. Ali há um aspecto de abandono, desolação e insegurança que não é gratuito: assaltos são constantes e não faltam registros de assassinatos naquelas imediações.
Na área interna também são visíveis muitas deficiências: faltam calçadas para o trânsito de pedestres, a limpeza sempre deixou a desejar e os banheiros, sujos, exalam intenso mau cheiro. O abandono do Centro de Abastecimento é histórico, mas a progressiva deterioração vem deixando a situação ainda pior. Nas cercanias dos boxes atacadistas, o odor de urina é nauseante e, seguramente, transmite uma péssima sensação para eventuais visitantes.
Ironicamente, na área do entreposto degradado, está se erguendo o badalado Shopping Popular para o qual se promete conforto, segurança e comodidade. Não se fala em revitalização do Centro de Abastecimento: será difícil garantir essas condições com as cercanias tão maltratadas. Isso, claro, se o histórico entreposto não for removido nos próximos anos...

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