Pular para o conteúdo principal

A epidemia dos alimentos processados

Nem é preciso muito espaço: oito ou dez metros quadrados – às vezes muito menos – são suficientes para abrigar uma infinidade de produtos. Quem circula pela cidade cinza – do concreto dos viadutos, dos prédios impregnados de fuligem, do céu sempre encoberto por densas camadas de nuvens cor de chumbo – logo nota que, em São Paulo, estão virando epidemia as pequenas lojas que vendem do salgadinho ao biscoito recheado, da pastilha ao refrigerante.
Assemelham-se àquelas antigas bombonieres, mas não costumam vender no atacado; distinguem-se também dos mercadinhos, já que estes disponibilizam, no seu repertório, frutas, legumes, carnes e produtos de higiene; estão longe das modernas bancas de revista, porque não vendem notícia, não recarregam celulares, nem exibem providenciais fotocopiadoras.
São estabelecimentos singulares: disponibilizam somente alimentos processados, no varejo, para aqueles clientes apressados. São vastas as opções: salgadinhos com formatos e cores de embalagem variados; waffers; biscoitos recheados; bolos prontos, embalados. Isso para não mencionar embalagens com jujuba, amendoim processado ou pingos de chocolate.
Quem sentir sede tem à disposição amplas opções: sucos processados; refrigerantes; energéticos; achocolatados; chás artificiais; até mesmo prosaicas garrafas de água, pouco visíveis nos refrigeradores. Os tamanhos variam, conforme a sede do cliente. Não é difícil um solitário qualquer sair enlaçando refrigerante de um litro e engolindo salgadinhos com voracidade glutona.
Nas prateleiras estão disponíveis produtos de, praticamente, toda a indústria alimentícia transnacional. Os preços costumam ser atrativos mesmo para quem anda com dinheiro curto para uma refeição; e ajustam-se às urgências do tempo da megalópole, que oferece escassos intervalos de trabalho. É fácil ver gente comendo nos ônibus ou nos vagões dos trens e metrôs, distraídos, com o olhar perdido.
Esses estabelecimentos são recentes: se ampliaram extraordinariamente a partir da crise que produziu milhões de desempregados Brasil afora, mas, especialmente, em São Paulo. E vem arrebanhando antigos clientes das lanchonetes e padarias, cujos preços são mais elevados. O sanduíche, a coxinha e o pastel não competem com os preços do salgadinho ou do biscoito recheado.
Sucessivas pesquisas mostram que a população brasileira vem se ganhando peso nas últimas décadas. Pelas ruas de São Paulo – com sua pressa e seu sedentarismo – o fenômeno é muito visível; mas é muito mais amplo, estendendo-se por todas as regiões do país. Pelas ruas estreitas de Salvador e pelo centro comercial da Feira de Santana também se veem obesos em profusão, sobretudo pobres.
As distâncias são mais curtas, os orçamentos mais apertados, mas a comodidade desses alimentos processados constitui enorme atrativo. É possível que, nos próximos anos, essas lojas surjam e se proliferem também na Feira de Santana. Sobretudo em função do preço e – atrativo adicional – do fato de não implicar nenhum tipo de trabalho: come-se e descarta-se numa lixeira qualquer. Para além de uma mera questão alimentar, constitui grave problema de saúde pública.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

O futuro das feiras-livres

Os rumos das atividades comerciais são ditados pelos hábitos dos consumidores. A constatação, que é óbvia, se aplica até mesmo aos gêneros de primeira necessidade, como os alimentos. As mudanças no comportamento dos indivíduos favorecem o surgimento de novas atividades comerciais, assim como põem em xeque antigas estratégias de comercialização. A maioria dessas mudanças, porém, ocorre de forma lenta, diluindo a percepção sobre a profundidade e a extensão. Atualmente, por exemplo, vivemos a prolongada transição que tirou as feiras-livres do centro das atividades comerciais. A origem das feiras-livres como estratégia de comercialização surgiu na Idade Média, quando as cidades começavam a florescer. Algumas das maiores cidades européias modernas são frutos das feiras que se organizavam com o propósito de permitir que produtores de distintas localidades comercializassem seus produtos. As distâncias, as dificuldades de locomoção e a intermitência das safras exigiam uma solução que as feiras...