Pular para o conteúdo principal

Lembranças do Mercado Agrícola de Montevidéu

Mercado Agricola de Montevideo. À primeira vista, para um eventual desavisado, o nome remete a um desses entrepostos maltratados, cujos equipamentos se degradam pelo uso intenso, com lixo espalhado pelas vias e se acumulando pelos cantos, mau cheiro, sujeira e aspecto de abandono. Pelas cercanias – projetará uma mente mais criativa – pontuam bêbados que dormem ou vociferam, vagabundos que proseiam em magotes e ladrões que espreitam, aguardando a oportunidade conveniente.
Nada mais falso: o Mercado Agrícola da capital uruguaia é um equipamento que associa modernidade e tradição. Por um lado, expõe produtos de qualidade, manuseados por trabalhadores qualificados, alojados em boxes bem-conservados e que atendem a todas as exigências da higiene e do asseio. Tudo temperado pela tradição: o mercado funciona em instalações construídas há mais de 100 anos – precisamente 1913 –, mas reformadas recentemente, estando muito bem conservadas.
Quem envereda por um dos portões – é mais impactante chegar pela entrada principal, imponente, em cujas cercanias manobram-se pequenos caminhões na faina da carga e da descarga de produtos – tem, de imediato, excelente impressão: morangos, pêssegos, maçãs e cerejas – típicas do clima temperado – mas também tangerinas, bananas, abacaxis, melões e mamões costumeiros em regiões tropicais. Esses produtos se exibem, convidativos, em gôndolas cuidadosamente arrumadas.
À medida que a incursão prossegue, o visitante enxerga mais produtos comuns no Brasil: chuchu, cebola, batatas, milho, alfaces folhudas, impressionantes pés de cebolinha, couves bojudas, além de um amplo sortimento de pepino, nabo, espinafre, brócolis ou salsa. A exposição dos produtos não passa por aquela pujante fartura que orgulha o business brasileiro. Mas lá é natural o zelo e o cuidado que só se enxergam nos sofisticados mercados dedicados aos produtos orgânicos por aqui.

Condimentos

Impressionante é o tom no qual se mercadeja nos corredores do Mercado Agrícola: nada dos pregões, dos gritos, das negociações aos berros, comuns nas feiras-livres brasileiras. Os uruguaios se comunicam com discrição e os funcionários – antíteses do feirante brasileiro – mostram-se educados, qualificados e preocupados com a higiene. Luvas plásticas são instrumentos comuns na pesagem e na embalagem dos produtos.
Verduras e legumes corriqueiros no Brasil tornam-se especiarias no Uruguai – pequeno país meridional de clima temperado – como é o caso do tomate, vendido em conserva; da banana, anunciada pela origem brasileira; do pimentão, tão comum nas feiras-livres nacionais; e até o gengibre, condimento habitual por aqui, mas especiaria no país vizinho.
Circulando pelos corredores, é possível encontrar mais opções: chocolate, cacau, mel, marmeladas e doces variados. Nesses boxes – que exibem o tom sofisticados dos shoppings brasileiros – a degustação constitui parte do ritual de aquisição. Turistas deslumbrados provam os produtos, fazem encomendas, circulam encantados examinando as prateleiras.

Instalações

O silêncio dos corredores, a polidez natural dos vendedores e a qualidade dos produtos se somam a uma elogiável virtude do Mercado Agricola de Montevideo: a estrutura sóbria, sem a sofisticação que se costuma incorporar aos empreendimentos no Brasil. Numa parte, o piso é de paralelepípedo, limpo lustroso, sem aquelas incrustações de sujeira que se veem por aqui; o teto, alto, exibe laterais envidraçadas que filtram a luz natural, reduzindo a dependência das lâmpadas elétricas.
Mais intensidade na energia elétrica só se vê nos aparelhos refrigeradores que conservam o principal produto dos vizinhos platinos: a carne bovina e os seus derivados. As afamadas peças de carne, inteiriças, que abrilhantam churrascos, estão penduradas, à vista dos consumidores, em espaçosos balcões frigoríficos.
Não faltam a linguiça e o salame – obras de mestres artesãos – que encantam o paladar dos turistas. Também se exibem frangos – o “pollo” – e uma sortida variedade de pescados que o Prata supre com generosidade, mas também a fria costa marítima uruguaia. Plaquetas exibem preços, prometendo-se como atrativos para os consumidores.

Restaurantes

O Mercado Agricola de Montevideo apresenta um atrativo adicional para os visitantes: restaurantes que oferecem as tentações da culinária local e, também, os elogiados vinhos uruguaios. Aqui ou ali um garçom aborda um transeunte, oferecendo a entrada, o prato principal e a sobremesa. Grades metálicas delimitam os restaurantes, assegurando conforto adicional à clientela.
Também funciona no entreposto uma praça de alimentação que se conecta a uma área infantil onde crianças álacres se divertem. Os banheiros – costumeiramente ignominiosos nos mercados brasileiros – são bem equipados e contam com limpeza contínua. Na saída, quem desejar, pode adquirir recuerdos – pequenas lembranças – para manter o país platino vivo na memória.
Chegar ao bairro Goes – aonde fica o mercado – é muito agradável a pé: mesmo no verão as temperaturas costumam ser agradáveis e, pelas ruas das cercanias, o transeunte conta com as sombras cálidas dos plátanos que filtram a luz do sol, tornando-a esverdeada. Apesar do vaivém dos carros, Montevidéu é extremamente atrativa para quem circula a pé.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

O futuro das feiras-livres

Os rumos das atividades comerciais são ditados pelos hábitos dos consumidores. A constatação, que é óbvia, se aplica até mesmo aos gêneros de primeira necessidade, como os alimentos. As mudanças no comportamento dos indivíduos favorecem o surgimento de novas atividades comerciais, assim como põem em xeque antigas estratégias de comercialização. A maioria dessas mudanças, porém, ocorre de forma lenta, diluindo a percepção sobre a profundidade e a extensão. Atualmente, por exemplo, vivemos a prolongada transição que tirou as feiras-livres do centro das atividades comerciais. A origem das feiras-livres como estratégia de comercialização surgiu na Idade Média, quando as cidades começavam a florescer. Algumas das maiores cidades européias modernas são frutos das feiras que se organizavam com o propósito de permitir que produtores de distintas localidades comercializassem seus produtos. As distâncias, as dificuldades de locomoção e a intermitência das safras exigiam uma solução que as feiras...