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Mostrando postagens de 2012

Lembranças de Havana (XI)

A exemplo do que acontece em cidades antigas do Brasil e de outros países latino-americanas, La Habana Vieja apresenta um descuidado aspecto de abandono. Prédios vistosos em ruínas, outros se decompondo em múltiplas cores de pinturas superpostas, outros ainda sustentados por precárias escoras de madeira que denotam um esforço de preservação. Durante a manhã a luz alegre do sol choca-se frontalmente com as fachadas e, em alguma medida, atenua os efeitos do tempo e da escassez de recursos para a preservação; à tarde, porém, a luz alaranjada e débil empresta um tom melancólico aos antigos casarões, projetando sombras reais e imaginárias. É constrangedor examinar esses imóveis antigos. Centros históricos com manutenção precária lembram mulheres que um dia foram belas, mas que perderam a formosura da juventude. Que dizer? Recuperarão, um dia, a beleza de outrora num desses milagres científicos? É improvável que ocorra. Enquanto a palavra adequada de conforto doideja na mente,

O silêncio dos (in)decentes

                        O Poder Legislativo é essencial em qualquer sociedade minimamente democrática. Esse é um consenso fácil alcançado pela classe política, pelos estudiosos do tema nos meios acadêmicos e pela imprensa. Isso para não falar na percepção da sociedade em geral, apesar da morosidade parlamentar, da eventual sujeição aos caprichos do Executivo e à natureza bizantina de muitos debates travados nas tribunas.             No Brasil, por exemplo, os refluxos ditatoriais necessariamente envolveram o sufocamento do Legislativo. Foi assim em 1937, quando Getúlio Vargas aplicou o golpe que o manteve no poder nos oito anos seguintes; foi assim também com a Ditadura Militar que se estendeu por 21 anos e na qual, mais uma vez, as restrições às atividades legislativas foram muito evidentes. Não há dúvidas, portanto, que o Legislativo constitui uma instituição indispensável para qualquer democracia.             Porém, igualmente consensual é a convicção que os representantes

As trovoadas lavam a memória da seca

O fenômeno das secas foi registrado pelos colonizadores portugueses pouco tempo depois de aportarem no Brasil. Foi ainda na primeira metade do século XVI, por volta de 1532. Àquela época era mais difícil perceber, já que as incursões sertões adentro ainda eram raras. Mas os lusitanos foram informados pelos indígenas, que precisaram se deslocar até o litoral em função da escassez de água devida à severa estiagem. Com o tempo, as sucessivas viagens e o conhecimento acumulado sobre o interior inóspito do Nordeste possibilitaram reconhecer que o fenômeno era constante. Alguns escribas que se aventuraram entre os espinhos da caatinga, além de observarem o fenômeno, conversaram com os nativos, que faziam alusão à sua recorrência; lusitanos sem pendores literários também conheceram a inclemência das secas, nas investidas em busca de metais preciosos ou de eventuais oportunidades econômicas. Quando o gado começou a ser criado de maneira extensiva pelos sertões, os colonizadores já

Transporte coletivo: o calo eleitoral

  Uma das grandes questões em debate nas eleições 2012 em Feira de Santana foi o sistema de transporte coletivo. Não é para menos: há muito tempo o feirense sofre sacolejando em veículos velhos e mal-conservados, muitas vezes mofando nos pontos em função de um sistema integrado muito mal-planejado, exposto ao sol e à chuva, já que os abrigos são raros. Isso para falar no valor da tarifa, que é dos mais elevados entre as cidades nordestinas, só perdendo para Salvador.             O atual prefeito, Tarcízio Pimenta e o deputado estadual, Zé Neto foram os candidatos que trouxeram as novidades mais significativas em relação ao transporte público propondo, respectivamente, a adoção do BRT e o Tri-Via. Essas propostas, a propósito, trouxeram grande dose de audácia.             É desejável, realmente, alguma mudança drástica no transporte coletivo local. Caduco, o sistema envolve preços absurdamente elevados, nenhum conforto para o usuário e um infindável acúmulo de transtornos. Não

Uma leitura das eleições 2012

            O resultado das eleições em Feira de Santana, decididas no primeiro turno domingo passado, trouxe pelo menos um fato curioso: a pulverização da composição da Câmara Municipal numa impressionante mistureba de partidos. Foram eleitos 21 parlamentares, representando nada menos que 15 legendas diferentes. O próprio partido do prefeito eleito não fez mais que dois parlamentares, o que representa somente cerca de 10% do Legislativo.             Com base nos resultados, dois partidos saíram mais fortalecidos: o PT e o até outro dia nanico PTN, com três vereadores cada; o DEM e o PSC vem na seqüência, com dois parlamentares eleitos; e o restante das onze vagas se distribui num emaranhado de siglas detentoras de um único assento na Câmara Municipal.             Embora o candidato petista Zé Neto não tenha conseguido forçar o segundo turno, o PT numericamente sai maior dessas eleições, com três vereadores eleitos. É o melhor desempenho do partido nas disputas legislativo fe

Feira pode perder distritos com enxurrada municipalista

                                   Em breve os brasileiros podem voltar a conviver com uma enxurrada de novos municípios. É que, conforme noticiou a imprensa, a presidente Dilma Rousseff concordou em devolver às Assembléias Legislativas estaduais a prerrogativa de criar novos municípios, o que vinha sendo responsabilidade do Congresso Nacional desde 1996, por decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Apesar de alguns critérios pretensamente limitarem as emancipações, certamente o recurso vai servir para a tradicional barganha por apoios nos períodos eleitorais.             Conforme a imprensa, a Bahia vai sair na frente com a possibilidade de se criar, pelo menos, mais 100 municípios, que se somarão aos 417 já existentes. Assim, ao invés de se racionalizar a estrutura federativa, extinguindo municípios economicamente insustentáveis que vivem com o pires na mão – como é o caso de muitos municípios baianos – novos serão criados, para escorchar ainda mais o contribu

Olhos d’água que secam, soterrados

                          Poucas coisas ajudam a definir e a caracterizar a Feira de Santana tão bem quanto os olhos d’água. Certamente só as feiras-livres, que nasceram e se expandiram junto com a recém-declarada metrópole, podem rivalizar em relevância e identidade, já que o próprio nome da cidade decorre dessa inspiração. Afinal, no cáustico sertão baiano, a existência de reservatórios de água à flor da terra, acessíveis aos animais – gado sobretudo – fatigados por extensas caminhadas configuravam significativo conforto. Recompostos pelos pastos e pela água abundantes, seguiam para os abatedouros de Salvador, destinados a alimentar a população da capital baiana.             A modesta feira-livre inicial multiplicou-se, ganhando praças e vielas; estendeu-se, mudou de lugar, mobilizou milhares de comerciantes e consumidores; atraiu visitantes de lugarejos distantes, sua pujança fez fama de boca em boca sertões afora; depois se diluiu em diversas feiras-livres nos bairros que

Lembranças de Havana (X)

Estive em Havana para apresentar dois trabalhos: um deles referia-se ao Plano Plurianual Participativo (PPA-P) que a Bahia implementou em 2007. Uma experiência interessante da qual participei e cujas lembranças resultaram num artigo apresentado no Palacio de Convenciones de La Habana. Na mesa, uma miscelânea de expositores: o mais exótico era um boliviano com cara de índio que fazia doutorado no Canadá e que conduziu uma discussão bastante lúdica sobre a terra e a relação dos povos andinos com a terra. Na plateia havia um debatedor grisalho que, horas depois, revi no hotel em um programa de tevê discutindo aspectos políticos do embargo promovido pelos norte-americanos à ilha. O espaço era amplo, havia tradução simultânea e, imagino, deve abrigar discussões inclusive com chefes de Estado. A exposição despertou interesse entre a plateia: mais pelo tema político que chamava atenção que, propriamente, pelo expositor. Notei que uns jovens estudantes cubanos acompanhavam com inte

O Sonho e o Feijão

                                      Crescimento econômico não necessariamente apresenta uma correlação direta com desenvolvimento e redução das desigualdades: é um dos seus determinantes, mas não é o único e, dadas as transformações em curso na economia mundial, talvez nem seja mais o mais importante. Embora o raciocínio seja objeto de inúmeras controvérsias e apaixonados debates, pensar nesses termos é desejável para desconstruir mitos que vão se solidificando aos poucos e que, com o passar do tempo, se tornam verdades incontestáveis.             No Brasil, por exemplo, ainda prevalece uma mentalidade há muito sepultada nos países desenvolvidos: o mito de que a riqueza e a pujança de uma sociedade se devem, principalmente, à expansão das atividades industriais. Essa ideia surgiu para sepultar um raciocínio ainda mais antigo: o de que só o setor agropecuário é o responsável pela geração da riqueza. Isso foi lá no século XVII.             A origem desse embate está na tran

Temas prosaicos em grandes e médias cidades

                Nas esquinas, nas mesas dos bares e restaurantes, nos intervalos para o café no ambiente de trabalho e até mesmo nas salas de jantar há temas que, vira e mexe, dominam as conversas. Nas grandes e médias cidades prevalece nas conversas, há alguns anos já, os problemas de trânsito e os engarrafamentos gigantescos que atrapalham a vida dos cidadãos. Não há quem não tenha experimentado a sensação de ver a vida escorrendo, monótona e inútil, das janelas dos carros, respirando a fumaça tóxica dos escapamentos.             A insegurança também é tema recorrente, já incorporado à rotina. Afinal, não é toda hora que se pode sair de casa (as madrugadas são proibitivas) e, caso se possa fazê-lo, nem todo lugar é recomendável. Há, também, que se ter cuidado com os transeuntes: um ou outro, aqui ou ali, mal-vestido ou com comportamento estranho, torna-se automaticamente objeto de suspeitas. E tome advertências nos serões familiares, principalmente para os mais jovens.   

Nova ameaça de privatização da Embasa?

                                   Uma intensa boataria circulou há alguns dias sobre a possibilidade de privatização da Empresa Baiana de Águas e Saneamento, a Embasa. Sonho acalentado pelo finado PFL na virada dos anos 1990 para os anos 2000, a história ressurge num momento pouco oportuno para os privatistas de plantão: exatamente quando uma seca rigorosa castiga os sertões baianos e a importância do acesso à água ocupa papel central no noticiário. A direção da estatal imediatamente desmentiu, negando que pretenda abrir o capital da empresa, conforme foi noticiado.             A luta contra a privatização da Embasa foi um dos momentos mais marcantes da história recente dos movimentos sociais na Bahia e também na Feira de Santana. No âmbito estadual, o processo foi tocado com a truculência característica do coronelismo de anos atrás: covardemente, a Assembléia Legislativa aprovou a desestatização da empresa em meados de 1999.             Depois, constrangeu prefeituras ali

Lembranças de Havana (IX)

                        Há muitos anos, num desses debates de mesa de botequim, quando ainda militava no movimento estudantil, formulei uma ideia que considerei, de imediato, brilhante e original: a devoção ao socialismo, entre muitos, não se diferencia enormemente da devoção religiosa. Muda apenas a natureza da veneração: abandona-se o abstrato e se recai sobre o real; saem de cena os anjos e os santos e entram os sisudos profetas do socialismo: Lênin para todos, Stálin para alguns e – pairando como vértice principal da Santíssima Trindade profana – o velho Marx.             É óbvio que a ideia não foi bem recebida: houve rejeição sob protestos veementes, gestos encolerizados, dúvidas sobre minhas convicções socialistas. É óbvio, também, que a formulação não tinha nada de original: estava atrasada em algumas décadas, para meu pesar, conforme descobri depois. Essa imagem, no entanto, nunca me saiu da cabeça.               Reencontrei-a quando contornei o Museu da Revolução,

Lembranças de Havana (VIII)

            Quando criança escutava, horrorizado, os relatos de que Fidel Castro mandava fuzilar, incontinenti , quem se dedicasse a rituais religiosos na ilha que governava com mão de ferro. Ás vezes, lá pela década de oitenta, via no noticiário que um padre ou um frade fora preso porque falava mal do regime; ou porque denunciava torturas de presos políticos a mando dos comunistas que controlavam Cuba.             Nas andanças por Havana, pude observar que prevalece um sincretismo religioso semelhante àquilo que se pratica na Bahia e em outros lugares Brasil afora. Batistas, católicos, os chamados neo-pentecostais e religiões de matriz africana coexistem na ilha embora, aparentemente, não haja enorme entusiasmo pelas igrejas.             Na Havana antiga existem muitas edificações religiosas: conventos católicos que atraem cliques dos turistas; igrejas suntuosas erguidas no apogeu da dominação espanhola; e, mais recentes, templos batistas provavelmente legados pelos norte-

Caos no sistema de transportes brasileiro

                                    Nas últimas duas semanas algumas das principais cidades brasileiras mergulharam no caos com uma onda de greves no transporte público. Em São Paulo, mais de quatro milhões de paulistanos enfrentaram dificuldades para chegar ao trabalho com a paralisação no metrô; em Salvador, os sindicalistas atropelaram uma determinação judicial e mantiveram 100% dos ônibus nas garagens, o que praticamente inviabilizou a locomoção dos soteropolitanos numa cidade habitualmente marcada por problemas de mobilidade e que, sequer, dispõe de um metrô calça-curta de meia-dúzia de quilômetros.             As greves, muito bem orquestradas para os padrões tradicionais, levantaram a suspeita que a classe patronal associou-se aos rodoviários para instituir um jogo de ganha-ganha: os rodoviários recebem aumento salarial, os sindicalistas se cacifam para as eleições municipais e os patrões abocanham um suculento reajuste apontando as inevitáveis dificuldades de caixa.

Jornalismo “Mundo-Cão” ganha espaço

  Embora pouco se fale atualmente, o fato é que o surgimento e a expansão da Internet mudaram o perfil dos telespectadores brasileiros e, provavelmente, de boa parte do mundo. A principal mudança é o tempo de permanência à frente dos aparelhos de televisão: antes – quando ainda não havia Internet – eram mais de quatro horas diárias, em média; hoje esse número caiu para pouco mais de duas horas. E, sem dúvida, a tendência é que permaneça caindo. É mais do que óbvio que boa parte dos jovens pouco recorre à televisão, optando pela tela do computador e por suas infinitas possibilidades. Isso também é aplicável às pessoas com nível cultural mais elevado e por aqueles segmentos da população com maior poder aquisitivo. Até aí, nenhuma novidade. O que há de novo na televisão são as mudanças na programação, que constituem, inclusive, tendências que vão se consolidando. Como quem permanece à frente da tevê, provavelmente, tem mais idade, menor nível de escolaridade e pertence às classes

Dados sobre a pobreza rural na Feira de Santana

                       Algumas informações referentes ao Censo 2010 na Feira de Santana vem sendo divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e sinalizam para intervenções necessárias para elevar a qualidade de vida da população. Algumas inferências são quase intuitivas e, a rigor, não trazem grandes novidades, à exceção da quantificação do tamanho de determinados problemas. É o caso, por exemplo, da correlação que existe entre nível educacional e renda: numa cidade com 38 mil analfabetos em 2010 e baixa escolaridade, a renda média domiciliar não passava de R$ 514 em 2010. Algo bastante previsível, diga-se de passagem. O Censo, no entanto, ajudou a evidenciar determinados problemas enfrentados pelos feirenses. É o caso da desigualdade na distribuição de rendimentos entre homens e mulheres: enquanto o rendimento médio masculino alcançava R$ 550, o feminino não ia além dos R$ 510, em valores do ano de 2010. As tão comentadas desigualdades verificada

O aeroporto e a reconfiguração logística da Bahia

                        Há alguns dias a prolongada novela da reativação do aeroporto de Feira de Santana ganhou mais um capítulo. E, pela sinalização, um capítulo que pode entrar no rol dos decisivos, já que até mesmo o nome de uma companhia aérea interessada em operar no aeroporto feirense foi divulgado sem grandes tergiversações. O próprio governador em exercício e secretário da Infraestrutura, Otto Alencar, compareceu à audiência que praticamente definiu a reativação do equipamento.             Desde os anos 1980, quando foi inaugurado, que o aeroporto carrega a triste sina de servir apenas para o pouso eventual de aeronaves de pequeno porte. Entre os usuários figuram políticos em trânsito – governadores que visitavam a Feira de Santana, principalmente – e um ou outro empresário. Assim, durante mais de um quarto de século, o equipamento ostentou a condição de “elefante branco”, embora permanecesse pouco visível na periferia da cidade.             Em parte, o contexto econ