Pular para o conteúdo principal

E aquele encanto que Salvador exercia sobre o feirense?

Posso estar enganado, mas parece que Salvador perdeu parte do encanto que exercia sobre o feirense. Isso era comum em outras épocas, décadas atrás. As viagens eram mais difíceis, mais raras, configurando-se verdadeira aventura até o início da segunda metade do século passado. Hoje o serviço de ônibus entre as duas cidades se profissionalizou, há farta oferta de transporte clandestino – ou alternativo, segundo preferem alguns – mas, sobretudo, a frota particular se expandiu de maneira formidável, tornando mais cômodo vencer os 108 quilômetros que separam a Feira de Santana de Salvador.
Noutras épocas aqui havia pouca disponibilidade de serviços: a oferta de saúde era limitada e a educação – principalmente de nível superior – era demanda que exigia fixar residência na capital, aventurar-se uns quantos anos por lá, até adquirir a desejada formação; muitos nem retornavam, rendendo-se aos encantos da capital.
Emprego também era artigo raro por aqui, embora, hoje, não haja exatamente grande fartura. Daí muita gente se aventurar em direção à capital, sobretudo a partir de meados dos anos 1980, quando as possibilidades no Sudeste se esgotaram. Obviamente que, nesse quesito, o grande eldorado sempre foi São Paulo, com suas chaminés, suas avenidas largas, seus edifícios imponentes e suas oportunidades para quem buscava emprego e salário.
É indiscutível que a Feira de Santana evoluiu, ofertando hoje uma gama ampla e diversificada de serviços. A cidade, inclusive, galgou a condição de polo de saúde e de educação, absorvendo a demanda de dezenas de municípios do entorno. Mas não foi só isso que reduziu o fascínio pretérito que Salvador exercia sobre o feirense.

Mudanças

Há apenas umas poucas décadas Salvador se circunscrevia ao centro antigo, à região da Península de Itapagipe, aos bairros elegantes e aristocráticos contíguos – como a Graça e a Vitória – e à larga faixa litorânea que foi se estendendo da Barra em direção a Itapuã, incluindo aí Ondina, Rio Vermelho e Pituba.
Os bairros populares – que foram surgindo a partir desses núcleos mais abastados – ainda não constituíam o imenso e impressionante cinturão de pobreza que vai do Engenho Velho da Federação a Águas Claras ou do Calabar a São Cristóvão. O “miolo” de Salvador era, ainda, inteiramente despovoado: uma imensa porção de Mata Atlântica com sombras generosas e impressionante beleza.
Era, portanto, uma capital provinciana com atrativos muito evidentes: a orla imensa com o mar azul espumejando na infindável faixa branca de areia, que coqueirais, vívidos, animavam; e, no entorno, a exuberância da mata nativa que os imperativos do progresso foram revogando, palmo a palmo, ao longo das décadas.

Cidade Comum?

O surto civilizatório aproximou Salvador de uma cidade comum: largas avenidas, vias congestionadas, intensa verticalização, expansão urbana descontrolada – cujas favelas são o principal desdobramento – e vertiginosa expansão populacional a partir dos anos 1990. Aquele centro antigo, charmoso, foi tragado pela insignificância territorial e pelo abandono.
Ergueram-se os muros dos condomínios, dos espaços privados de festas, dos shoppings que atraem consumistas ávidos e intimidados pela violência. Decaiu, a partir de então, a capital hospitaleira, com ritmo próprio, cultura pujante, gente extrovertida e cartões portais que incendeiam o imaginário do brasileiro. As noites frenéticas de outros tempos converteram-se em madrugadas vazias, com esparsos núcleos de animação, como o Rio Vermelho.
É claro que cenários do gênero mudam, transformam-se a partir da intervenção articulada do Estado e da iniciativa privada. Mesmo assim, Salvador despencou relativamente mais que o restante do País. Daí o esforço adicional para reerguê-la, resgatá-la. Daí, também, a sensação que a cidade perdeu aquele encanto sobre o feirense. No passado remoto falava-se com muito entusiasmo sobre a “Cidade da Bahia” e, mais recentemente, sobre Salvador.
Tomara que, no médio prazo, a capital recupere aquele encanto perdido e volte a entusiasmar os feirenses.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express