Albert
Camus estreou na literatura mundial com o curto – mas magistral – romance “O
Estrangeiro”. Nele, a personagem principal, Meursault, transita por Argel, a
portuária capital da Argélia. Leva uma vida medíocre: trabalha num escritório
comercial, mora só, folga aos domingos, tem uma amante, a mãe morre
causando-lhe nenhuma comoção. O tédio e o calor perpassam todo o curto – mas
denso – romance. A vida da personagem emerge da rotina mesquinha quando ele
mata um árabe na praia, numa trama que envolvia um amigo.
Meursault
estarrece todo mundo quando declara, no tribunal, que o calor e a luminosidade
interferiram na sua decisão de apertar o gatilho várias vezes contra o árabe,
que ele conhecia só de vista. Não há, ali, uma causa aparente para o ato
extremo: o calor influenciou o gesto radical, encarado pela personagem como um
gesto banal.
Aqui
pela Feira de Santana – aonde, inclusive, se mata em escala industrial –
ninguém atribuiu, ainda, nenhum ato do gênero aos dias escaldantes e às noites
em que sopra um bafo quente. Mas o calor se tornou insuportável nos últimos
dias. Com potencial, inclusive, para justificar atitudes impensadas de quem
circula pela cidade.
Como
não embarcar no primeiro “ligeirinho” se o ônibus demora a passar no ponto
castigado pelo sol implacável? Como não interditar a passagem do pedestre,
atrapalhando-o, se a nesga de sombra é curta para dois e a pele arde
dramaticamente a qualquer exposição ao sol? Como não se arriscar atravessando a
rua entre automóveis se a permanência sob a calçada descoberta é insuportável?
Previsões
Desde
janeiro se fala sobre hipotéticas trovoadas na Feira de Santana. Mas, até aqui,
tudo não passou de precipitações até encorpadas, mas efêmeras, que sequer
contribuíram para atenuar o calor. Quem vem do sertão agreste traz notícia de
trovoadas, de rios que recomeçaram a correr, de trégua na seca implacável que
se arrasta desde 2012.
No
máximo, ao norte, o horizonte fica azulado. Nuvens ameaçam avançar até o alto
do céu, mas ficam apenas na insinuação. Uma barreira invisível parece reter as
trovoadas lá pelos limites de Tanquinho e Riachão do Jacuípe. Inclusive já
houve um espetáculo de raios numa noite recente de sexta-feira, que apenas reforçou
o calor por aqui. Ontem, novamente, a encenação se repetiu. Mas nada de chuva.
Pela
cidade e por suas cercanias a vegetação definha, se esturrica. Até as árvores
catingueiras perderam aquela imponência habitual – sisuda, sóbria, como é típico
da vida no sertão – e exibem um aspecto maltratado, carecendo de água. É triste
ver se esvair o verde festivo da vegetação que perde a cor, o viço, a vida.
Dizem que, nos próximos
dias, são esperadas chuvas intensas. É a esperança que muita gente alimenta de uma
trégua no calor. Talvez até infundada, mas, de qualquer maneira, aproxima-se o
19 de março, dia consagrado a São José no calendário católico. Caso chova nesse
dia mítico, o inverno promete ser bom, conforme rezam as tradições sertanejas.
E ainda resta a esperança nas águas de março que, tradicionalmente, fecham o
verão nos anos bons...
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