Outubro
estertora, escaldante. Mais uns poucos dias e novembro desabrocha, com suas
promessas de dezembro: verão, calor e – sobretudo – férias. Vá lá que as férias
escolares ainda estão distantes; e que a faina da compra-e-venda na Feira de
Santana ainda vai alcançar seu clímax, antes que, oficialmente, muitos
feirenses entrem em férias. Mas, como já é tradição, vai se consumindo o verão
a conta-gotas: assim, num final de semana sim e noutro talvez, o feirense dá
uma escapulida em direção ao litoral.
Vai
rever o mar, mergulhar nas ondas frias, aquecer o corpo nas areias ainda
desertas, matar as saudades acumuladas desde fevereiro. Dezembro e janeiro
costumam testemunhar uma espécie de diáspora transitória: nela, muitos partem
para retornar devidamente bronzeados no pós-Carnaval; outros somam inúmeras
diásporas no mesmo verão, alcançando Cabuçu, mas retornando a tempo de abrir a
loja, sobretudo nesses tempos de faturamento incerto.
Na
Feira de Santana habita gente rigidamente sertaneja, que desdenha o mar, as
areias e seus mistérios. Preferem o sertão inóspito, a caatinga áspera. Mas boa
parte da população se rende aos irrefreáveis instintos litorâneos: quando o
estio se descortina e os feriadões e finais de semana se avolumam, partem em
ruidosas caravanas em direção às praias que recortam a baía de Todos os Santos.
Aqueles
mais abastados, evidentemente, pousam nos elegantes chalés do Litoral Norte. Ou
vão mais para o sul, circundando o Recôncavo. Ali, as excursões são mais raras
e os magotes de pobres – com sua farofa, sua caipirinha, seus colchões
infláveis improvisados como boias, sua barulhenta alegria e seus enxames
infantis – se dispersam pelas areias intermináveis. Há, portanto, mais privacidade.
Democrático
As
incursões litorâneas, portanto, são relativamente democráticas: uns vão em possantes
camionetes para Guarajuba, Itacimirim ou Praia do Forte; mas a maioria também
veraneia em Cabuçu, em Bom Jesus dos Pobres ou em Saubara, partindo em animadas
viagens em antigos ônibus fretados. Lá, desfrutam das águas tépidas do fundo da
Baía de Todos os Santos, prenunciando o auge que coincide com o réveillon.
A
diáspora feirense replica as incursões litorâneas de parte dos brasileiros que
reside no interior do país. É uma inquietação coletiva que, talvez, tenha suas
raízes na lógica de povoamento do país, lá na segunda metade do século XVI.
Afinal – ainda hoje – a vida e a cultura pulsam mais no Brasil atlântico, para
onde todos querem acorrer.
Nos
próximos dias, o verão deve ocupar espaço crescente na mídia – com a propaganda
da cerveja, do corpo perfeito, dos destinos mais badalados, dos cosméticos da
estação – e as incursões em direção às praias devem se amiudar. Cabem em todos
os bolsos e costumam se ajustar a todos os calendários, mesmo aos daqueles que
folgam pouco ou que enfrentam as agruras do dinheiro curto.
Embora corriqueiro, é tema
pouco estudado na Feira de Santana, sobretudo sob a perspectiva econômica.
Afinal, quanto recurso deve ser mobilizado com esse intenso ir-e-vir durante o
prolongado verão baiano? Quanto de trabalho temporário é gerado? São questões
interessantes que deveriam ser respondidas. Até para aprimorar nossa folclórica
diáspora anual.
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