Surpreendeu
todo mundo o anúncio da intervenção federal no Rio de Janeiro. As primeiras
análises indicavam que a medida foi uma manobra para que o governo de Michel
Temer (MDB-SP), o mandatário de Tietê, tangenciasse a provável derrota na
votação da contrarreforma da Previdência. É que, caso qualquer dos estados
esteja sob intervenção, são vedadas mudanças na Constituição, como é o caso da
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência.
No
mesmo dia o controverso presidente anunciou que poderia suspender a vigência da
intervenção para votar a reforma. Isso mesmo: vota-se num dia a intervenção na
Câmara dos Deputados e no Senado para, logo adiante, suspendê-la, colocando em
votação, também em dois turnos, a nociva reforma da Previdência.
A
afirmação soou a casuísmo e ampliou, por um lado, a suspeita – colocada desde o
anúncio da medida – que tudo não passa de cortina de fumaça, mera encenação
para produzir um fato positivo para o governo; por outro lado, açulou as
desconfianças que, além do noticiário positivo, pretende-se conquistar a
simpatia do eleitorado. Mas para quem? Para Michel Temer que, discretamente,
vai limpando terreno para consolidar uma candidatura que, até aqui, não passa
de delírio.
A
intervenção é uma medida de força, cobrada pela população acossada pelo crime
organizado num Rio de Janeiro que vive em guerra. Potencialmente, pode render
dividendos eleitorais. E – o que é mais importante – acontece no reduto eleitoral
de dois potenciais aspirantes à presidência da República: Jair Bolsonaro (PSC)
e Rodrigo Maia (DEM). Bolsonaro, a propósito, pode ser duplamente atingido:
além da intervenção ocorrer no seu Rio de Janeiro, mexe com o tema que é a
ponta-de-lança de sua campanha: a segurança pública.
Riscos à
democracia
Lá
fora, a imprensa estrangeira observou que a medida jamais foi tomada desde a
promulgação da Constituição, em 1988; e que se soma ao controverso impeachment de Dilma Rousseff (PT),
ampliando as sombras sobre a cambaleante democracia brasileira. Por aqui, o
noticiário privilegiou a abordagem que mais interessa o governo: o de ação
enérgica voltada para o combate à criminalidade.
As
Forças Armadas permaneciam em seus quarteis – apesar das preocupantes
declarações de um ou outro militar sobre o protagonismo político dessas
instituições – e, agora, vão ocupar o centro da cena no Rio de Janeiro. O
interventor, um comandante militar, assumirá a condução integral da Segurança
Pública no estado. É o vexatório epílogo da era Sérgio Cabral, hoje um badalado
presidiário que indicou o canhestro Luiz Fernando Pezão para sucedê-lo.
Especulações
sobre a extensão da medida a outros estados começaram a fervilhar. É
preocupante: assemelha-se – e muito – à costura de um regime de exceção que,
aos poucos, pode se disseminar pelo País. A Bahia, com seus sete mil
assassinatos anuais e seu amplo colégio eleitoral controlado pela oposição,
figura entre os estados expostos à medida.
Até
aqui, a intervenção assemelha-se à tentativa de virar o jogo no noticiário
exibindo uma agenda positiva. Mas e se não surgirem resistências à ampliação da
medida, que pode alcançar outros estados? A intervenção pode desconfigurar o
cenário eleitoral, inclusive favorecendo algum dos lados em disputa. O Brasil,
desde sempre, possui uma sólida cultura autoritária e a tentação de se
perpetuar no poder, para quem dispuser da prerrogativa de distribuir
intervenções, é imensa.
Por
enquanto, isso é cogitação: o futuro confirmará – ou não – essas hipóteses. Mas
vale lembrar, sempre, como começou o regime militar em 1964. Uma intervenção
breve – uns poucos meses – que se estendeu por 21 anos.
Facções
Por
fim, é necessária a referência às facções que se enfrentam pelos morros,
periferias e bolsões de pobreza no encantador estado do Rio de Janeiro. O
Comando Vermelho (CV) – principal organização criminosa daquele estado – tende
a ser sufocado: o acesso a armas e drogas provavelmente será dificultado; ações
armadas que, em parte, financiam essas organizações vão diminuir; e as conexões
com as facções espalhadas pelo país tendem a se enfraquecer.
Qual
vai ser o resultado imediato? O fortalecimento do Primeiro Comando da Capital
(PCC), de São Paulo, que conduz, desde o ano passado, uma guerra contra o rival
CV. Esse conflito está nos presídios e nas ruas de estados como Amazonas,
Rondônia, Acre, Ceará, Rio Grande do Norte e, mais recentemente, Goiás. É
estarrecedor que o governo não emita uma única palavra sobre esse fato óbvio
que especialistas na área apontam desde o anúncio da medida.
Já
hegemônico em boa parte do País, o PCC tende a ampliar seu poder, caminhando
para adquirir o status de máfia
estruturada que atua não apenas no Brasil, mas em países vizinhos fornecedores
de drogas, como a Colômbia, o Paraguai e a Bolívia. Até em Portugal a facção já
planejou assaltar banco.
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