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Mostrando postagens de 2020

A canção alegre no Natal enlutado

  Foi no meio da tarde de terça-feira (15). Na esquina da Senhor dos Passos com a Getúlio Vargas, bem do lado da igreja, os autofalantes – instalados no centro da cidade para embalar as compras neste período natalino – começaram a tocar Girls Just Want To Have Fun , grande sucesso dos anos 1980 na voz da cantora norte-americana Cyndi Lauper. Ia andando e a canção vibrante – nostálgica para quem viveu aqueles anos – soava, familiar, resgatando remotas recordações. Nem é preciso mencionar o calor que fazia sob o céu azul pálido, esbranquiçado. Não soprava nenhuma brisa e as copas dos oitis no estacionamento da prefeitura permaneciam quase imóveis sob aquele bafo ardente. Nem os pardais piavam e, no ar, havia uma luminosidade faiscante. Naquele cenário abrasador até os roncos dos motores eram menos ferozes; e apitos longínquos soavam frágeis, exangues. Talvez por isso a canção viva, pulsante, destoava tanto daquela tarde incandescente, sufocante. Enquanto a voz de Cyndi Lauper irradia

As múltiplas feições da morte

É bizarro o quiproquó envolvendo a vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Ocupado por um general lerdo, o Ministério da Saúde retarda decisões, se omite, polemiza, arrota valentia, mas não encaminha soluções. Enquanto vários países já se preparam para começar a vacinação, lá no Planalto Central apenas se rascunham planos vagos. O pior é que nada disso surpreende os mais atentos. A vacinação é uma opção pela vida. E o Brasil, em 2018, selou nas urnas um pacto com a morte. Portanto, os dois últimos anos, por aqui, foram de exaltação à morte, em suas múltiplas dimensões. As ostensivas medidas de rearmamento da população são a face mais visível. Mas há outras, muito claras. É o caso do “excludente de ilicitude”, aquela carta branca para as polícias apertarem o gatilho sem empecilhos. A tentativa de taxar livros e isentar de impostos a importação de armas bem que resumiria, sinteticamente, essa época tormentosa. A destruição da Amazônia e do Pantanal também são manifestações desta mesma

O enigma no trem em Porto Alegre

O rapaz de cabelos e olhos claros entrou e sentou bem defronte a mim.   O trem estava vazio – era metade de uma manhã cinzenta de fim de inverno e o sol e as nuvens alternavam-se no céu – e, ali na Estação do Mercado, havia uma quietude profanada por poucos passageiros apressados. Lá de fora – distantes – chegavam sons distorcidos, indefiníveis. Mas no vagão prevalecia um silêncio tênue, que uma tosse persistente, passos abafados ou o incessante vasculhar de sacolas fragmentavam. Então, depois do aviso sonoro, as portas se fecharam e o trem avançou em direção a Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Entretive-me tentando enxergar o Guaíba – eriçado com o vento daquele fim de inverno e seus múltiplos tons, ora cor de aço, ora acobreados –meio encoberto pela vegetação e pelas construções cinzentas. À medida que as estações foram se sucedendo – Rodoviária, São Pedro, Farrapos – começou a subir mais gente. Subiam também os ambulantes que ofereciam suas bugigangas. Do l

O medonho ofício de escrever

  Há um quarto de século mergulhado no ofício da escrita, pouco me aventurei a conjecturar sobre o que é essa labuta, o que é o escrever. A longa pandemia, porém, despertou alguns impulsos que, depois, foram se convertendo em ideias vagas; adiante, transfiguraram-se numas frases soltas, que não se conectavam; por fim, surgiu um plano, um fio condutor, que foi amadurecendo. Agora, neste sufocante e ensolarado dezembro, venço uns resquícios de insegurança e preciosismo e me arrojo neste exercício breve, mas inóspito. E delicado, porque escrever vai além de um ofício, de uma ocupação. Diria que se mistura à própria essência do indivíduo. E é difícil lidar com si mesmo. Escrever é, sobretudo, um exercício solitário. Mesmo que se esteja numa redação, numa repartição, num escritório, até num local público, com gente em volta. Com a experiência, aprendi que, às vezes, os textos fluem, prazerosos. Outros empacam, supliciam, castigam, flagelam. É quando as ideias se embaralham, confusas, ou

Pré-candidatura de Otto Alencar embaralha sucessão baiana

As eleições de 2022 na Bahia começaram assim que terminou a apuração dos votos do segundo turno para prefeito na Feira de Santana e em Vitória da Conquista. Fiador da vitória nas duas cidades – em ambas, o MDB virou contra candidatos do PT – o atual prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), deixou a cautela de lado na comemoração e anunciou a possibilidade de se candidatar a governador daqui a dois anos. Badalado como gestor, emprestou sua popularidade a dois candidatos que patinaram no primeiro turno – Colbert Martins Filho e Herzem Gusmão – e alavancou a virada. O principal triunfo do prefeito de Salvador, porém, foi a esmagadora vitória na própria capital – Bruno Reis (DEM), o atual vice-prefeito, vai sucedê-lo – num pleito sem grandes emoções. As candidaturas concorrentes entusiasmaram pouco o eleitor soteropolitano, que apostou firme no candidato de ACM Neto, que recebeu cerca de dois terços dos votos válidos no primeiro turno e encurtou o embate. Alarmado com a desenvolta movimen

A trilha sonora do verão feirense

  Quem presta atenção já ouve o canto majestático dos sabiás nas copas das árvores feirenses. Ainda bem. É desta ave a trilha sonora dos verões tropicais. Que seria dos dezembros sem o seu canto que aproxima o homem comum – mortificado pelas aporrinhações da vida cotidiana – do Divino? O canto do sabiá é o prenúncio sonoro do paraíso. Não esse que muitos espertalhões vendem nos púlpitos, mas o que é estado de espírito, imersão profunda no Todo. Dezembro é mês daqueles inevitáveis balanços – não apenas os empresariais – que todo mundo faz do ano que passou. Projeta-se, também, o futuro, cultivam-se esperanças de dias melhores. Em 2020 o exercício vai ser ainda mais oportuno, porque a pandemia da Covid-19 desarranjou as rotinas e instituiu um inquietante “novo normal”. O momento, portanto, é adequado para refletir. Dezembro também é mês do Natal e das celebrações de Ano Novo. Tudo indica que este vai ser o mais estranho dos natais. A crise econômica na praça nem é algo novo, pois arr

O choro da confraria dos sem-voto

Originalmente publicado em Nov/2020 Neste Brasil de pouca inteligência e de muita truculência dos últimos tempos, virou moda candidato derrotado contestar resultado de eleição. A Feira de Santana não fica atrás: aqui a confraria dos sem-voto chora e range os dentes desde a eleição municipal passada. O que se vê, Brasil afora, são infundadas suspeitas sobre as urnas eletrônicas, sobre o sistema de totalização, sobre a lisura do processo. Os mais anacrônicos querem voto impresso para conferência – ou para controle dos amigos milicianos – como se faz, por exemplo, no jogo do bicho. Tudo choro de perdedor. O sujeito esfalfa-se distribuindo dezenas de milhares de “santinhos”; desperdiça litros de saliva catequizando eleitor reticente; gasta fortunas bancando diárias para panfleteiros, financiando bandeiraços; e o despropósito investindo em combustível, marmita, água, material de campanha? Muitos enxergam que esse esforço hercúleo tem que ser, necessariamente, recompensado. De preferência,

As vibrantes eleições de 1996 em Feira (2)

  Como mencionei no texto anterior, em 1996 as urnas eletrônicas estrearam aqui na Feira de Santana. Boa parte dos eleitores utilizou o novo recurso, mas as cédulas de papel foram necessárias nas seções em que o equipamento não funcionou. Houve, então, a coexistência dos dois modos de apuração: a totalização acelerada e impessoal do sistema eletrônico e a contagem manual, que retardou o resultado final do primeiro turno em dois dias. Os votos foram contados no Feira Tênis Clube, o FTC. Nas mesas de apuração, dezenas de voluntários, recrutados pela Justiça Eleitoral, empenhavam-se na tarefa. Em volta, ansiosos, circulavam vereadores, candidatos a vereador, fiscais dos partidos e os profissionais da imprensa. Tensos, feições contraídas, alguns aguardavam o milagre de uma reviravolta. Outros – igualmente inquietos –, eleitos até ali, torciam contra qualquer mudança. A tensão cresceu no fim da manhã da sexta-feira. Aguardava-se para, dali a alguns minutos, a divulgação do resultado fin

Eleitor feirense ‘pulou fogueira’ da Covid-19 para votar

Originalmente publicado em Nov/2020 Aqui na Feira de Santana longos silêncios e cautela com a Covid-19 marcaram o dia incandescente de eleições municipais. Às vezes, de ruído, só havia o do vento varrendo os milhares de “santinhos” de candidatos a prefeito e vereador espalhados defronte às seções eleitorais. Descontando este farto conteúdo que compunha um tapete escorregadio, pouca gente demonstrou mais entusiasmo, ostentando adesivos. Discretamente, algumas figuras arriscavam uma ‘boca-de-urna’ nas esquinas próximas aos locais de votação. Nalgumas seções, o eleitor penou. Foi o caso do colégio Assis Chateaubriand, ali no Sobradinho, aonde votam milhares de feirenses. Quem se arriscou pela manhã, enfrentou um longo calvário: filas extensas, que avançavam preguiçosamente, sob o calor mortificante. Na entrada do pavilhão em que se concentrou a votação, aglomerações constantes, com muito eleitor aflito, consultando seção. Gente com nariz fora da máscara, com a máscara no queixo, com a

As vibrantes eleições de 1996 em Feira (1)

Originalmente publicado em Nov/2020 Todo mundo já sabe que a Feira de Santana voltará a ter eleições municipais em dois turnos depois de 24 anos. Todo já sabe, também, que o atual prefeito Colbert Martins Filho (MDB) e o deputado federal José Neto (PT), debutavam naquele longínquo 1996 como postulantes ao Executivo. Nenhum dos dois chegou ao segundo turno, disputado por José Falcão (PPB, o atual PP) e Josué Melo (PFL, o DEM). O que nem todo mundo sabe ou lembra – boa parte do eleitorado nem tinha nascido à época – é que aquela disputa vibrante marcou a estreia das urnas eletrônicas no Brasil e também na Feira de Santana. Acompanhei tudo de perto, como repórter do extinto jornal Feira Hoje . Dedicamos muita atenção à tecnologia que se incorporava ao pleito. Naquele ano, entrevistei parte dos nove candidatos ao longo da campanha eleitoral. Lembro de um episódio marcante: uma rápida conversa com o então candidato José Falcão da Silva – vitorioso no final pela diferença de cinco mil vo

A peleja do “mito” contra o imperialismo ianque

Originalmente publicado em Nov/2020 Chegou a hora dessas milícias bronzeadas mostrar seu valor. Essa semana Jair Bolsonaro, o “mito”, manifestou disposição para um conflito armado com os Estados Unidos. É isso mesmo: antes de instituir por aqui um califado bíblico, vamos nos apossar da América. Nem o mais entusiasmado acólito do “mito” pensaria que, num intervalo tão curto, o Brasil se converteria num portento militar. Bastou um ano e pouco de mandato. Imagino que estejam afoitos por aí, desejando mostrar serviço.   Muita gente apostava que o “mito”, com seu histórico de atleta, não teria constrangimento em curvar-se para Joe Biden, o democrata eleito presidente dos Estados Unidos. Afinal, ele demonstrou ampla flexibilidade na espinha com Donald Trump, o presidente republicano derrotado.   Não foi bem assim, pelo menos até agora. O “mito”, estoico, sustenta sua subserviente lealdade ao herói destronado. Então o que os bravos patriotas estão esperando para organizar seções de recrut

O feirense sem máscara na pandemia de insanidade

Originalmente publicado em Nov/2020 É cada vez mais comum ver gente sem máscara pelas ruas da Feira de Santana. Até grávidas, idosos e crianças circulam tranquilas, sem o equipamento. Em determinadas regiões da cidade – as artérias que concentram o comércio de autopeças e oficinas mecânicas são o melhor exemplo – a máscara constitui exceção. Alguns levam na mão, outros penduram no queixo e não falta quem, sequer, carregue alguma delas. Parece que a pandemia da Covid-19 acabou. O pior é que o problema permanece aí. Até ontem (10), a Feira de Santana tinha alcançado a marca dos 328 óbitos confirmados – ou sob suspeita – da doença desde o começo do ano. O dado é do Centro de Informações de Registro Civil – CRC Nacional e pode ser consultado no endereço eletrônico www.transparenciaregistrocivil.org.br/especial-covid . Por enquanto, a prefeitura confirmou 259 mortes. Ontem também foram confirmados mais 219 novos casos da doença pela Secretaria Municipal da Saúde. Mesmo assim, os bares p

Domingo de carreatas em Feira

Originalmente publicado em Nov/2020 O final de semana foi repleto de carreatas aqui na Feira de Santana. Sobretudo no domingo: foram tantas que, em alguns lugares, houve congestionamento. Testemunhei um deles, à distância, ali nas imediações das Baraúnas. Os dois grupos se encontraram – marchavam em sentido contrário – e, por alguns instantes, se estudaram, com suas bandeiras sacudindo ao vento. Depois, tomaram rumos diferentes, porque é impensável um candidato a vereador encorpar carreata de concorrente. À distância já se sabia que as carreatas se aproximavam: o espocar de fogos, as buzinas e, sobretudo, o martelar incessante dos jingles , sinalizavam para a chegada de mais um postulante à Câmara Municipal, com sua militância empolgada, suas promessas e seus slogans . Quem abandonou os afazeres para acompanhar a passagem dos candidatos colheu impressões bem interessantes. À frente há, sempre, um séquito motorizado sobre duas rodas. Buzinam, fazem manobras e, quando a carreata se r

Os cheiros do verão baiano

  Num ano remoto, bem no começo da adolescência, passei parte do verão em Salvador. No sítio amplo conheci familiares, fiz muitas amizades e, até hoje, guardo ternas e inesquecíveis recordações daqueles dias. Foi lá que se fixaram, para mim, os cheiros do verão. Cheiros tropicais, intensos, sensuais até: das mangas maduras, convidativas, nas inúmeras mangueiras; das jacas moles, cor de ouro, partidas e consumidas com voracidade; e dos cajus vermelhos e amarelos, de sabor suave, que pendem graciosamente dos cajueiros. Desde então, à medida que o verão se aproxima, as lembranças desses cheiros se ativam nas circunstâncias mais inesperadas. Nesta semana de trovoadas que apenas se insinuam aqui na Feira de Santana – mas que caem rijas, caudalosas, Bahia afora – a nebulosidade, a brisa úmida e a expectativa muda que dança na atmosfera despertaram, mais uma vez, essas recordações. Peguei-me matutando: será que os cajueiros já floriram no rural feirense? Soube que sim. Nos janeiros fartos

É candidato, mas não conhece as funções do vereador

  Originalmente publicado em Nov/2020 Se fossem fazer concurso para selecionar os candidatos à Câmara Municipal feirense, sobrariam poucos nomes para o eleitor escolher. É sofrível o nível de boa parte dos postulantes. Nem precisaria fazer uma prova muito exigente, não: bastariam umas poucas questões objetivas relacionadas às atribuições do vereador. Boa parte ficaria pelo caminho. Quem quiser constatar, só precisa acompanhar a propaganda eleitoral. Antes das novas regras eleitorais, uns 400 nomes se arriscavam à vereança aqui na Feira de Santana a cada pleito. Agora, segundo levantamento do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, são mais de 600. As bizarrices, que já eram abundantes no passado, agora foram alçadas quase à condição de regra. Classificar muito candidato de palhaço é até uma ofensa aos bravos profissionais do riso. Além da bizarrice, há promessa para todos os gostos nestas eleições. Há candidato a vereador, por exemplo, que planeja construir hospital, escola, creche, re

O vale da sombra da morte juvenil

Originalmente publicado em Nov/2020 Amanhã, 2 de novembro, é dia de Finados. Imagino que a pandemia e o feriado prolongado vão reduzir a frequência aos cemitérios feirenses. Quem for, porém, poderá observar algo que notei há tempos nas necrópoles da cidade. Trata-se da mudança no perfil de quem é sepultado. No passado – décadas atrás – os mortos quase sempre se limitavam aos mais velhos, vitimados por causas naturais. Hoje, quem examina nomes, datas e rostos nos retratos opacos das molduras, percebe como a morte alveja bastante os mais jovens. Deduzo que, em grande medida, o fenômeno se deve à violência urbana. O medo da criminalidade mudou os costumes da população pelas ruas das cidades. Afetou até mesmo os hábitos domésticos. E os incessantes assassinatos – uma guerra a conta-gotas – mudaram, também, o perfil de quem é sepultado. Rostos juvenis em molduras chamativas e a baixíssima faixa etária – muitos, sequer, completaram 18 anos – tornaram-se corriqueiros. Por razões familiare

O preço salgado da carne suína no Centro de Abastecimento

Originalmente publicado em Out/2020 – Antes eu ‘matava’ seis porcos. Agora só dois e olhe lá. A situação começou a piorar depois da pandemia. Mas acho que, lá para janeiro, o preço começa a baixar. Não, não há nenhum engano na frase. A demanda por carne suína caiu, mas os preços dispararam. A lição é de um antigo comerciante ali do Centro de Abastecimento e das feiras-livres da Feira de Santana. Antes da pandemia, o preço da linguiça de porco ou da salpresa, a carne suína salgada, estava em R$ 22. Agora, não sai por menos de R$ 30. Ele explica que o produto vem de Minas Gerais. Além de atender mercados Brasil afora, os fornecedores exportam. E encontraram na China um lucrativo mercado em 2020. É que lá uma doença exigiu o sacrifício de parte do efetivo no começo do ano. Assim, os chineses foram forçados a importar o produto, inclusive do Brasil. Como a oferta não se ampliou, os preços explodiram. Pior para quem compra em real. Nosso interlocutor, porém, não domina esses detalhes.

As eleições e os servidores públicos municipais

Originalmente publicado em Out/2020 28 de outubro é dia do Servidor Público. O que os candidatos à prefeitura da Feira de Santana pensam sobre os servidores do quadro efetivo? Consultei os programas de governo que estão disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Há poucas pistas. E quase tudo que consta lá se resume a frases curtas, que esclarecem pouco sobre as verdadeiras intenções. É provável que, até o final da campanha, siga-se discutindo pouco a questão. Afinal, quem faz concurso mergulhou numa fase de franca demonização no País. Quem consulta o quadro de pessoal da prefeitura da Feira de Santana percebe que restam poucas carreiras estruturadas. Basicamente, só aquelas cuja legislação dificulta a terceirização, como a Guarda Municipal ou os agentes de trânsito. Professores e agentes comunitários de saúde até sobrevivem como carreira, mas enfrentam há muito o flagelo da terceirização, do contrato temporário e de outras modalidades de contratação. Como estrutura

Quem é contra o aumento para a elite política feirense?

Originalmente publicado em Out/2020 Será que algum dos candidatos à prefeitura da Feira de Santana é contra o reajuste salarial aprovado para o chefe do Executivo ano passado? Cultivo a dúvida desde o começo da campanha. Quem vencer a peleja de novembro vai entrar em 2021 com o bolso turbinado: R$ 26,7 mil mensais, bem mais que os R$ 18 mil pagos atualmente ao prefeito. Percentualmente, é um salto de 44,4%. O aumento foi aprovado em junho do ano passado – às vésperas do São João – para antecipar o desgaste, incinerá-lo nas fogueiras juninas. Não é só o prefeito que vai se dar bem, não: os vereadores também serão agraciados com remuneração maior, embora com percentual mais modesto. Passarão dos atuais R$ 15 mil para R$ 18,9 mil. A farra, obviamente, não se encerra aí: os secretários municipais morderão os mesmos R$ 18,9 mil. Nem a pandemia da Covid-19 constrangeu as excelências a revogar a excrescência. Quem acompanha o horário eleitoral fica até desnorteado com tanta proposta dos a

Os partidos favoritos nas eleições baianas

Originalmente publicado em Set/2020 Que partido deve sair como um dos grandes vitoriosos nas eleições 2020 aqui na Bahia? Não é difícil adivinhar: entre eles, certamente estará o PSD do senador Otto Alencar. Os números da legenda no estado impressionam: são 240 candidatos a prefeito e 151 candidatos a vice-prefeito. Isso significa que o partido está representado em mais de 300 municípios baianos na eleição majoritária. Nenhuma outra legenda, sequer, chega perto disso. Os números em relação ao legislativo também espantam: são 4.682 candidatos a vereador. Os dados são oficiais, do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Um novo êxito eleitoral – e tudo sinaliza para isso – vai aumentar o cacife do senador e ex-governador nas concertações para as eleições gerais de 2022. Quem tenta fazer sombra à legenda é o PP do vice-governador João Leão. O partido também tem números bem robustos: 175 candidatos a prefeito e outros 124 disputando como vice. O exército que se bate por vagas no Legislativ

Campanha eleitoral começa junto com os primeiros sinais do verão

Originalmente publicado em Set/2020 Sábado e domingo o sol se pôs com céu limpo na Feira de Santana. Bancando esfera incandescente, o astro mergulhou sob um silêncio solene que só os pios dos pardais, às vezes, profanavam. Pelos sertões, como aqui, o espetáculo é sempre soberbo. Sobretudo a partir da primavera, quando o verão vai se avizinhando. Sons de verão, a propósito, já há por aí: sábado ouvi o canto aflito, mas breve, de uma cigarra numa palmeira imperial; no silencioso começo da tarde de domingo, foi a vez de um sabiá saudar o azul e o sol num galho de mangueira. O final de semana, porém, não foi marcado só pelos primeiros sinais do verão. Buzinas, bandeiras, músicas, carreatas e discursos marcaram o começo da campanha eleitoral na Feira de Santana. Candidatos à prefeitura e à Câmara Municipal lançaram-se às ruas, afugentando por instantes o silêncio e a quietude comuns nesses tempos de pandemia da Covid-19. “Mudança”, pelo jeito, vai ser palavra-chave nas eleições 2020 por

Os carcarás singrando o céu da Feira

  Às vezes chego à janela e me deparo com um carcará pousado no topo do prédio que fica defronte. É uma ave soberba, imponente, altaneira. Aprecio-o mais nos finais de tarde – com a primavera, já avisto daqui o sol de pondo, espalhando uma mancha vívida, esbraseada, lá para os lados de Jaguara – quando se lança em manobras ousadas na direção do poente. Antes do “novo normal”, via-o, às vezes, nos finais de semana, navegando com elegância pelos ares, mas o corre-corre, as agonias cotidianas, embotavam a observação. Agora vejo-o sempre. E descubro que não vive só: noutro dia, vi quatro carcarás emergindo do prédio fronteiro, sobrevoando-o, equilibrando-se ao vento, sob o céu encardido pelas nuvens de chuva. Aquele que sempre vejo – presumo – estava entre eles. Talvez tenha sido ele próprio que pousou, com familiaridade, no lugar habitual, o cimo de uma imensa caixa-d’água. Confesso meu contentamento pueril com vizinhança tão imponente. Às vezes, depois de descrever uma curva precisa,

Ato une camelôs e professores no centro da Feira

Originalmente publicado em Set/2020 O centro da Feira de Santana foi palco hoje (22) de um protesto ímpar que uniu duas categorias com demandas bem diferentes: os professores da rede municipal, com seus salários cortados, e os camelôs e os ambulantes que estão para ser relocados para o shopping popular construído ali do lado do maltratado Centro de Abastecimento. Há, porém, um elemento que une as pelejas das duas categorias: a dificuldade da prefeitura em dialogar e costurar acordos, sobretudo agora, no excepcional contexto da pandemia do novo coronavírus. Os camelôs estão sendo relocados no meio da pandemia da Covid-19. As perspectivas para a economia brasileira só são promissoras nos discursos do Ministério da Economia. País afora, o que se vê é desemprego, corte salarial, falências e incertezas sobre o futuro. É natural, portanto, o temor com o que vem aí pela frente. Sobretudo porque ninguém sabe quando a pandemia acaba. Os valores cobrados no shopping popular assustam os traba

A crônica da fotografia à mesa do restaurante

  A placa branca anuncia o suco a 6 reais: abacaxi, laranja, goiaba. Mas o sabor regional está é nos sucos de murici, bacuri, graviola, cupuaçu. A letra trêmula, rabiscada com pincel atômico, também anuncia tamarindo, cajá, maracujá. Logo do lado, o título “cardápio” se anuncia numa letra verde, ondulada, noutra tabuleta. Nela – os pratos vão se renovando e são anotados a giz – estão as opções disponíveis por faixa de preço. Mocotó, cozido de porco ou de boi, assado de porco ou de boi, bife acebolado – aquele habitual da cozinha nordestina – sai por R$ 18. É o mesmo preço do peixe serra, do cação ou da torta de camarão. Os bolsos mais recheados pagam R$ 20 pela tainha, pelo peixe pedra ou pelo exótico amor-sem-olho. A coisa vai se sofisticando: carne do sol, picanha, bode ao coco e pescada custam um pouco mais: R$ 25. O camarão ao alho e óleo – frescos e robustos, pescados no litoral próximo – sai por R$ 36. É iguaria para turista extasiado que transita deslumbrado pelas vias estre

É necessário respeitar os camelôs e os ambulantes da Feira

Originalmente publicado em Set/2020 Uma liminar concedida em segunda instância, no Tribunal de Justiça da Bahia, suspendeu hoje (18) a remoção de camelôs do centro comercial da Feira de Santana. A medida, desejável, permite que os dois lados ganhem tempo: os trabalhadores dispõem de uma trégua para reforçar a necessidade de diálogo; e a prefeitura, por sua vez, pode adotar uma postura razoável e buscar uma mediação que, até aqui, não houve. É a intransigência da prefeitura, aliás, que conduziu a este impasse. Quem trabalha pelas ruas feirenses é gente pobre, de poucos recursos. Nem é preciso tanta sensibilidade para perceber. É evidente que não têm condições de bancar aluguel e taxas do festejado shopping popular, ali anexo ao depauperado Centro de Abastecimento. Sobretudo num momento de crise na economia, na saúde pública, na governança do Brasil. A “generosa” isenção – oito meses de carência nas taxas – não é garantia de coisa nenhuma. Caso fique inadimplente, o trabalhador perde