"(...)
Se eu perder a eleição de deputada federal (...) No dia seguinte, eu perco a
secretaria. No outro dia, vocês perdem o emprego. Só tem importância na
política quem tem mandato. Só tem mandato quem tem voto. Só tem voto quem tem
pessoas como vocês que estão na ponta ajudando a gente pedir e propagar o voto.
Do contrário, não funciona".
As frases
acima são atribuídas a Cristiane Brasil (PTB-RJ), captadas num áudio de 2014,
quando ela tentava a eleição para a Câmara dos Deputados. O programa
“Fantástico”, da Rede Globo, divulgou a gravação no domingo (04). Quem
acompanha o noticiário político sabe que Cristiane Brasil foi indicada pelo
pai, Roberto Jeférson (PTB-RJ) – aquele que denunciou o “mensalão” e que
cumpriu pena por corrupção – para o Ministério do Trabalho no governo Michel
Temer (MDB-SP).
A controversa
indicação esta sub judice e, pelo
jeito, não vai vingar. Afinal, não faltaram polêmicas cercando a hipotética
ex-futura ministra: quiproquós trabalhistas, críticas à Justiça do Trabalho,
vídeo ladeada por amigos descamisados numa lancha e até suspeitas de associação
com o tráfico de drogas, segundo apura a Polícia Civil carioca.
Tudo isso,
porém, não ofusca o brilho da frase lapidar atribuída pela reportagem à estrela
ascendente da política brasileira. Pelo contrário: em frases curtas, Cristiane Brasil
conseguiu traduzir a lógica que rege a ocupação dos milhares (seriam milhões?)
de cargos de confiança Brasil afora e que, mais que retratar o presente,
provavelmente sinaliza para o futuro que vai sendo construído pelo emedebismo e
seus aliados de hoje e de ontem.
Desgraça
Desde a
ascensão do MDB – pavimentada pela traiçoeira rasteira no petismo – que
servidor público caiu em desgraça: ganha muito, se aposenta cedo, não trabalha,
desfruta de privilégios inacessíveis aos demais trabalhadores. É o que diz a
abjeta propaganda que o governo vem martelando, de maneira vil, para impor a lesiva
reforma da Previdência.
Projetam os
nababescos benefícios concedidos à parcela privilegiada do funcionalismo – na
qual se inclui, ironicamente, Michel Temer – sobre o conjunto dos servidores
públicos. A campanha sórdida não é gratuita: busca fragilizar, desgastar e
aviltar o serviço público para viabilizar a adoção de um novo modelo: aquele
que Cristiane Brasil descreveu com precisão ímpar.
Nesse modelo
“ideal” – aquele que todo candidato em campanha sonha – servidor público é
espécime em extinção. Quem vence a eleição leva o butim recheado por
incontáveis cargos de confiança e outras modalidades precárias de contratação.
Lançando mão delas, ajeitam a vida dos cabos eleitorais que, lá adiante, vão
brigar para sustentar o butim na mão do padrinho, perpetuando o ciclo.
É exatamente
o que Cristiane Brasil descreveu: quem vence a eleição tem voto e se credencia a
postos apetitosos no Executivo; se não chegar lá, indica muito apadrinhado,
normalmente quem o ajuda na eleição; no próximo pleito, o felizardo sai
novamente à cata de votos, buscando sustentar a prazerosa espiral. Só quando o
padrinho naufraga na eleição é que o ciclo se interrompe, conforme advertiu
Brasil, com autoridade. Mas, o que é revés para uns se torna êxito e júbilo
para outros. E assim vai caminhando a brasilidade.
Terceirização parceira
Talvez o
leitor, a essas alturas, indague sobre a oferta de serviços públicos à
população, sobre o funcionamento da máquina estatal. Isso é o menos relevante: como
vertente complementar à ocupação do Estado existe a terceirização e a
contratação das Ongs parceiras; são elas – sob o discurso da eficiência
gerencial privada – que começam, cada vez mais, a tocar os serviços que o
Estado repassa, sobretudo na área da saúde, recrutando para seus quadros os
apadrinhados dos políticos.
O bote sobre
a educação, porém, já vem sendo ensaiado. Até uma expressão matreira criaram:
educação sem Estado. Note-se que é, supostamente, “sem Estado”, mas com
recursos públicos, como não poderia deixar de ser. Esses novíssimos modelos de
gestão vem servindo como instrumento adicional para atender a lógica do
apadrinhamento na ocupação de cargos.
Por enquanto, a sociedade
não vem reagindo: engole o discurso hipócrita da pretensa redução da máquina
pública e outras tapeações. No universo partidário ninguém reclama: à esquerda
e à direita todos aguardam, sequiosos, sua vez na fila. Isso quando não estão
lá, usufruindo as confortáveis benesses que a engenhosa concertação que foi
sendo construída ao longo dos últimos anos...
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