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Prisão de Lula não provocou clamor popular

Faz uma semana que Lula foi preso. O noticiário informa que, à frente da carceragem da Polícia Federal, lá em Curitiba, há um acampamento. São manifestantes que defendem a libertação do ex-presidente e, até o momento, pré-candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência da República. Anunciam que só saem de lá quando for concedida a liberdade. Ao longo da semana, em várias partes do Brasil, outras manifestações ocorreram.
Aqui na Feira de Santana, por exemplo, houve pelo menos dois atos. O primeiro deles foi na véspera da prisão, na Praça de Alimentação. O segundo foi uma caminhada na BR 116 Norte, em direção ao centro da cidade. Ambos os eventos, basicamente, mobilizaram lideranças políticas e militantes petistas e de partidos aliados.
Foi comum também a interdição de rodovias, com a queima de pneus que desprenderam imensos rolos de fumaça, provocando engarrafamentos quilométricos. Esses atos, dispersos por diversos estados, reuniram dezenas ou centenas de militantes: nada das multidões encolerizadas que exigiriam a libertação de Lula, conforme estimavam alguns.
A polêmica frase da presidente do petê, Gleisi Hoffmann – “para prender o Lula, vai ter que matar muita gente” –, não se confirmou: descontando umas poucas altercações entre militantes, reguladas por sopapos, ninguém foi arriscar a pele pelo ex-presidente petista, a despeito de sua indiscutível popularidade. Daí as manifestações se limitarem à tradicional militância.
Tudo indica que, com o tempo, o movimento vai perder fôlego. E, à medida que as notícias sobre Lula se limitem à rotina no cárcere, ele vai mergulhar em relativo ostracismo. Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Antônio Palocci e outros menos cotados viveram experiência semelhante. Embora Lula, inegavelmente, seja Lula.

Voz das Ruas

Parece que o clamor popular – a voz rouca das ruas – não vai se erguer cobrando a libertação de Lula ou pressionando a Justiça. Isso fazia parte do roteiro que previa a liberdade do líder petista: intensas manifestações populares encurralando os guardiões do cárcere, forçando o judiciário a fazer meia-volta. Lideranças da legenda tentam fustigar essas reações desde o domingo, sem sucesso até aqui.
O brasileiro não foi às ruas quando estriparam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nem quando foi imposto o teto de gastos para despesas correntes ou quando se aprofundou o sucateamento de serviços públicos essenciais. Se ele não se mexeu para lutar pelo que afeta diretamente sua vida, como imaginar que arriscaria a pele encorpando manifestações pela libertação de Lula?
Há, também, um detalhe irônico. Enquanto permaneceu no poder o petismo desencorajou manifestações, greves, contestações a seus governos. Cordatos, refestelando-se com as benesses, os sindicatos perderam a prática da luta, desmobilizaram suas bases. O resultado não podia ser outro: no momento em que o petismo mais depende de mobilização, reúne, no máximo, magotes de gatos-pingados.

Revezes

Resta ao PT a via judicial para tentar a libertação de Lula e assegurar uma sobrevida à sua candidatura. Caso seja libertado – hipótese que, aos poucos, vai se tornando remota – ele resgata a condição de favorito na disputa. Caso contrário, será necessário escalar um poste que, amparado em sua popularidade e num subjetivo poder de transferência de votos, tentará retomar o poder.
Linear, esse roteiro encobre as imensas incertezas, dramas e eventuais tragédias que movimentarão a narrativa. Até aqui, nenhum lance dramático manchou o roteiro, mas isso, obviamente, não está descartado. Afinal, os ânimos estão exaltados e, com o acirramento da campanha eleitoral, a tendência é que se intensifiquem os conflitos.
Hoje o cenário para Lula é funesto. A liberdade imediata, no horizonte curto, começa a virar miragem, pelo que sinalizam os humores do Judiciário. E há diversos outros processos na fila para julgamento, o que pode encrencá-lo por um longo período. Sem o mítico clamor popular - alguns previram reações apocalípticas - tudo se torna mais difícil. Por enquanto, esse enredo paralelo é o que há de mais dramático na sucessão presidencial.

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