Dias
atrás escrevi a crônica dos escritores-jornalistas, aqueles que migraram das
redações para o universo literário. Mas são inspiradores também aqueles que
exerceram o jornalismo com tanto talento que, com justiça, poderiam ser
enquadrados como jornalistas-escritores. Até mencionei dois deles no texto
anterior: John Reed e Truman Capote. Ambos norte-americanos. Aqui no Brasil menos
gente trilhou o mesmo caminho, até pelas condições de trabalho muito mais
adversas.
Mesmo
assim, não nos faltam destaques. É o caso, por exemplo, de Euclides da Cunha.
Jornalista-escritor ou escritor-jornalista? Até hoje é tarefa complicada
definir o autor do monumental “Os Sertões”. A epopeia de Antônio Conselheiro e
de Canudos, óbvio, foi um episódio histórico e Euclides da Cunha acompanhou-o
como jornalista. A questão é que a obra vai muito além de um mero relato.
Lê-lo,
a propósito, não é tarefa das mais fáceis. Percorrer aqueles sertões,
familiares para quem é nordestino, – o texto é intricado feito a caatinga e o
vocabulário é amplo como as campinas sertanejas – exige dedicação, impõe disciplina.
Aproveitei a quietude de um Carnaval na Feira de Santana para enfronhar-me na
leitura. Na terça-feira de Carnaval, eletrizado pela luta heroica dos
sertanejos e por aquela narrativa grandiosa, conclui a leitura. Mas sigo
relendo trechos sempre, aprendendo ali a escrever.
A
série de reportagens para o “Estado de São Paulo”, em 1897, originou a obra.
Magnetizado pela experiência, Euclides da Cunha expandiu o escopo, e uma
pesquisa minuciosa originou o livro. A caracterização da “Terra” e do “Homem”
integram as duas partes iniciais, que são coroadas pela narrativa da “Luta”,
que é a descrição do covarde massacre conduzido pelo Exército brasileiro.
O
jornalista norte-americano John Reed não escreveu como Euclides da Cunha, mas
testemunhou fatos marcantes nas duas primeiras décadas do século XX. Ele estava
na revolução mexicana do lendário Pancho Vila na década de 1910, acompanhou, percorrendo
diversos países da Europa, o começo da Primeira Guerra Mundial em 1914 e, em
1917, já estava na Rússia testemunhando a revolução que originou o império
soviético.
As
três experiências renderam livros: “México Rebelde”, “Guerra dos Balcãs” e “Dez
dias que abalaram o mundo”, respectivamente. Em todas elas, ele esteve no campo
de batalha, expondo-se aos riscos. Os relatos são intensos, vívidos,
impressionantes. E, em todos eles, estão lá os requisitos dos bons textos
jornalísticos: a clareza, a concisão, a objetividade e, sobretudo, a precisão.
Suas
descrições das paisagens, das personagens, dos contextos dos episódios
dramáticos que testemunhou, são magistrais. Aqui comigo, reputo John Reed como
o maior jornalista que já existiu. Quem lê, nas obras, suas peripécias, sua
obstinação em sempre estar no palco dos grandes acontecimentos, mesmo com a
própria vida em risco permanente, nota seu singular faro jornalístico.
Truman
Capote não acompanhou nenhum episódio dessa dimensão, mas a qualidade impressionante
dos seus textos – assim como sua indiscutível capacidade jornalística – o
alçaram à condição de celebridade. “A Sangue Frio”, uma de suas obras mais
notáveis, narra com minúcias o massacre de uma família no interior dos Estados
Unidos. A obra é extensa, mas o estilo é tão atraente que quem se agarra ao
livro só consegue abandoná-lo no fim da leitura.
Conforme
observei em texto anterior, fui lendo essa gente ao longo da vida, sem
planejamento ou disciplina, mas com muita constância. Sem dúvida, foram
experiências marcantes. E que tipo de parâmetro se usa para dimensionar essa
importância? É subjetivo, óbvio, mas é muito cristalino: é quando fica aquela
sensação de que não se é mais o mesmo, após a conclusão da leitura...
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