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Mostrando postagens de setembro, 2020

A Pátria das “Boquinhas”

  Foi aplaudido com efusão o envio da reforma administrativa pelo Executivo para o Congresso Nacional em meados da semana. O projeto vinha sendo cobrado com veemência pelos ventríloquos do “deus mercado” e por aquela parcela da imprensa que vocaliza o liberalismo pueril que viceja por aqui. Não pretendo entrar nos detalhes da proposta – mesmo porque muita gente já o fez – mas alguns aspectos que passaram despercebidos precisam ser ressaltados. Só os ingênuos foram surpreendidos pela decisão de Jair Bolsonaro, o “mito”, de poupar a elite do Judiciário, os amigos militares – esta casta altamente privilegiada – e os parlamentares. Muitos ainda não perceberam, mas a “modernização” do Estado pretendida pelos histriônicos liberais tupiniquins, no fundo, não passa de um vexatório retorno à República Velha, aquela que vigorou sob a tutela militar até 1930. A sabedoria encastelada no Planalto Central pretende “flexibilizar” a estabilidade dos servidores, acrescentando novos regimes jurídico

Lojas fechadas e 4,2 mil desempregados

Publicado originalmente em Agosto/2020 Não são poucas as lojas fechadas no centro da Feira de Santana. Ontem (24), sob o teto baixo de nuvens acinzentadas, aventurei-me numa caminhada por algumas artérias do outrora pulsante coração comercial da Princesa do Sertão. Nas cercanias do Fórum reina a confusão de máquinas, operários atarefados, ordens e contraordens aos berros, buzinas estridentes, lama ou poeira, – conforme caem as chuvas ou não – transeuntes se arriscando entre os carros, motociclistas em manobras temerárias. Em contraste, há silêncio e melancolia nas portas corrediças, metálicas, que mantém muitas lojas fechadas e as calçadas vazias. Em algumas, já se observa um vívido anúncio de “Aluga-se”. Noutras – abertas antes da pandemia – o mistério permanece, porque não há sinais exteriores sobre seu destino. Estão fechadas em definitivo? Isso só os próximos dias dirão. Em algumas, noto que não há sinais de sujeira ou abandono. Talvez seja um bom sinal. Pelos bairros feirenses

Apesar da pandemia, debate eleitoral se amplifica pelas ruas feirenses

Publicada originalmente em Agosto/2020 A tarde caiu castanha ontem (21). Não prevaleceu nem o chumbo das nuvens cinzas, nem o rubro do poente límpido. As chuvas vão escasseando, porque já é agosto. O sol ganha vigor: o suor escorre pelos semblantes da gente atribulada pelas ruas. O frio de julho, a garoa prateada de julho, a efêmera sensação de inverno de julho se foram. As noites surpreendem com um sopro morno que já anuncia setembro. Com ele – tudo indica – virão manhãs e tardes quentes, mas com aquela luminosidade fantástica que prenuncia a primavera e a promessa de flores brotando nos jardins feirenses. As noites de julho foram vazias. Sem traquejo para termômetros abaixo dos 20 graus, o feirense ficou em casa. Mas mesmo os noctívagos incorrigíveis – aqueles que não abdicam das sombras noturnas – ostentavam agasalhos. Via-os andando apressados, pisando firme as padras róseas do azulado calçamento feirense. Um ou outro praguejava, indignado com aquela eventual sensação de 17 graus

Final de semana movimentado na política feirense

Publicado originalmente em Agosto/2020 O final de semana político na Feira de Santana foi movimentado. Na sexta-feira (14) o ex-prefeito José Ronaldo de Carvalho (DEM) finalmente anunciou seu apoio à reeleição do atual prefeito, Colbert Martins Filho (MDB). O anúncio – aguardado com ansiedade pela gente que acompanha a política local – aconteceu numa transmissão por uma rede social. Não foram poucas as especulações, ao longo do ano, de que o ex-prefeito poderia não chancelar a recandidatura do atual prefeito. Hoje (16) pela manhã, o deputado federal José Neto (PT) lançou o seu Programa de Governo Participativo. Com a iniciativa, imagina-se que o candidato pretende, além de consultar a sociedade para elaborar o plano, mobilizar a militância petista e os simpatizantes de sua candidatura. O senador Jaques Wagner (PT) e o governador Rui Costa (PT) prestigiaram o evento virtual. Também pré-candidato à prefeitura e vereador por sete mandatos, Roberto Tourinho (PSB) anunciou em meados da

Bancas de jornais se reconfiguram na Feira

  Quase não se vê mais bancas de revistas no centro da Feira de Santana. Nos bairros, então, nem se fala: praticamente foram extintas. Jornais e revistas tornaram-se artigos secundários nas bancas que sobrevivem. Capa para celular, água mineral, refrigerante, – até lanches – brinquedos, artigos de papelaria, bibelôs chineses e prosaicos chaveiros tornaram-se os principais produtos. E, claro, há também jornais e revistas para aqueles que teimam em não se desapegar do papel. Vê-se também livros – religiosos ou de autoajuda – disponíveis nas prateleiras. As livrarias sempre foram escassas aqui na Feira de Santana. Só em décadas mais recentes é que surgiram algumas pela cidade, quase sempre nos shoppings. Portanto, durante muito tempo, as bancas de revistas eram as únicas mediadoras entre leitores e livros de literatura ou filosofia, por exemplo. Isso quando eram lançadas aquelas séries – “Os Pensadores”, “Mestres da Literatura Universal”, “Os Economistas” e por aí vai –, acessíveis a qu

Feira pode ter superado os 200 óbitos por Covid-19

Publicado originalmente em Agosto/2020 A Feira de Santana já pode ter superado a marca dos 200 óbitos por Covid-19. Até hoje (11), o total pode ter alcançado, exatamente, 205 mortes decorrentes da doença. A informação é da Central de Informações de Registro Civil – CRC Nacional e abrange o período de 16 de março de 2020 a 11 de agosto, ou seja, hoje. Até o relatório divulgado ontem (10) à noite, a Secretaria Municipal de Saúde havia confirmado 155 óbitos. Deduz-se que há, portanto, 50 casos adicionais pendentes de confirmação. Quem consulta as informações no endereço eletrônico tem acesso a um gráfico, que “apresenta o crescimento do número de registro e óbitos com suspeita ou confirmação de COVID-19 desde o início de 2020”. O levantamento envolve, portanto, os 155 casos confirmados até aqui e mais 50 que aguardam uma posição definitiva. Nos próximos dias, ao que tudo indica, haverá a confirmação – ou não – dos números.   O mesmo gráfico oferece a média móvel de óbitos na Feira de

É tempo de pipa nos céus da Feira

  É tempo de pipa nos céus da Feira de Santana. Aqui, da janela de isolado social, acompanho o balé destes brinquedos no céu da Queimadinha. É melhor vê-los nas tardes de sol: multicoloridos, produzem um contraste vivo com a amplidão e o azul da amplidão. Mas tem chovido muito e, em boa parte dos dias, o céu é um teto baixo de nuvens cor de chumbo, com seus crepúsculos castanhos. Até quando o sol aparece, muitas vezes, há nuvens – pardacentas, encardidas – que diminuem a visibilidade do espetáculo. Mas, mesmo assim, acompanho-o nos momentos de ócio. Noutros tempo existia a raia – artefato semelhante, mas quadrangular – e, o que vejo, à distância, assemelhe-se muito àquelas pipas graúdas que se empinam nos céus encardidos das grandes metrópoles. São até mais belas e imponentes e, sob o balanço do vento, bailem com a mesma graça. As caudas – o termo “técnico” dos tempos de infância escapou-me aqui – que auxiliam na navegação aérea são portentosos e dançam, elegantes, com o sopro da bri

O currículo do operário no exemplar da Perestroika

  Sempre frequentei sebos. Hábito dos tempos de estudante, quando a grana era curta e os preços dos livros não cabiam no bolso. Mas mantive, vida afora, o costume de visitar esses estabelecimentos nos centros das cidades que visito. Além do preço mais em conta, há vantagens adicionais: sempre é possível se deparar com uma obra rara ou com publicações interessantes cujas edições estão esgotadas. Além, claro, do contato mais intenso e do cheiro dos livros que despertam antigas e gratas sensações. Quem compra livro antigo, porém, estabelece conexões que vão muito além destas relações utilitaristas. Há sempre um contato, um fio subjetivo de afinidade com o leitor anterior. Vá lá que muitos livros repousam em fundos de estantes e, lá adiante, são repassados, sem nenhuma leitura sequer, para um sebo qualquer para desocupar espaço ou render algum dinheiro num momento de aperto. Vá lá, também, que o livro eventualmente despertou pouca atenção e, depois de uma leitura desatenta, foi parar n

Incertezas climáticas e eleitorais na Feira

Publicada originalmente em Agosto/2020 Lua crescente na noite vazia de agosto ontem (02). Céu limpo: estrelas miúdas cintilavam, mas se diluíam na luz leitosa da lua, que iluminavam a cidade e seu casario. Aquelas chuvas frequentes e as garoas contínuas – fluidas cortinas d’água nas madrugadas de céu avermelhado – escassearam nos últimos dias. Esfriou: quem caminha, silencioso, pelas ruas desertas, costuma trajar agasalho. O frio avança pelas madrugadas brumosas, só cedendo quando a festiva luz do sol já ilumina tudo. A sabedoria sertaneja ensina que, a partir de agosto, as chuvas se tornam mais raras. É o que se vê sempre na Feira de Santana, embora as noites sigam frias. As chuvas só retornarão em setembro, já sob a forma de trovoadas. Mas isso se o ano vindouro for muito bom: se não, as chuvas se retardam, recomeçando em outubro. Às vezes, nem aí. Só lá para novembro ou dezembro. Lá, já prevalecerão os cheiros do verão, marcantes. Os sertanejos acostumados à labuta no campo obse

Feira fora das semifinais do Campeonato Baiano

Publicado originalmente em Julho/2020 Os dois times feirenses ficaram de fora das semifinais do Campeonato Baiano de 2020. No domingo (26), o Bahia de Feira acabou eliminado, em casa, pela Juazeirense, perdendo por 3 a 1. Já o Fluminense de Feira, coitado, perdeu as duas partidas realizadas após a interrupção da competição e, no domingo, apenas cumpriu tabela contra o Bahia. Lá em Pituaçu, levou 2 a 0. O Touro do Sertão arremata a década sem figurar em nenhuma final. É o pior desempenho desde os anos 1980. O Tremendão, por sua vez, arrebatou o título em 2011 e, ano passado, foi finalista. A final, a propósito, será inédita: Jacuipense, Atlético de Alagoinhas e Juazeirense nunca chegaram tão longe na competição. São três semifinalistas. O quarto é o Bahia que – com seu time misto – desponta como favorito, embora surpresas não possam ser descartadas. Caso seja mais uma vez campeão, o tricolor levantará o sexto estadual da década. Quem – pelo segundo ano consecutivo – ficou de fora fo

Entregadores por aplicativo contra a barbárie

Publicado originalmente em Julho/2020 O silêncio das noites de pandemia da Covid-19, muitas vezes, só é estilhaçado pelas buzinas estridentes dos entregadores de comida por aplicativo. Eles estão por todas as partes da cidade, com seus múltiplos modelos de motocicleta, seus capacetes estilizados, seus blusões surrados e sua pressa desesperada. Na inquieta escuridão destes tempos, eles são os protagonistas da noite feirense, deslizando sobre o asfalto áspero e luzidio de ruas e avenidas. Cumprem a nobre missão de garantir o acesso cômodo de muitos feirenses às suas refeições. Pois ontem (25), Brasil afora, houve mais uma paralisação destes profissionais, que reivindicam melhores condições de trabalho. Aqui na Feira de Santana, pelo menos durante o dia, o movimento foi menos frenético que o habitual. Tudo indica que parte dos entregadores feirenses aderiu à mobilização. Estão corretos: quem conhece um pouco da realidade de quem ganha a vida sobre duas rodas se avexa com a imensa precar

25 mortes por Covid-19 confirmadas em quatro dias

Publicada originalmente em Julho/2020 A morte sempre despertou, em mim, um sentimento de desolação. Não consigo ver com naturalidade as estatísticas que desfiam mortos em acidentes automobilísticos, na epidêmica violência urbana ou em catástrofes naturais, enchentes, terremotos, seja lá de que forma for. Atrás de cada número há sempre um rosto e a dor de uma família. Creio que é uma lição que ficou dos tempos em que militei no jornalismo policial: atrás de cada nome e de cada rosto que estampava uma página estava a dor dilacerante de uma mãe, de um familiar desconsolado. Com a pandemia da Covid-19 não é diferente. E a sensação de pesar e de impotência – algo nos dilacera quando descobrimos que não podemos fazer nada – cresceu à medida que a contaminação – e as mortes – foram se aproximando da nossa realidade. Aquilo que no começo pareceu um longínquo problema chinês ganhou contornos dramáticos quando alcançou a Itália e se converteu em tragédia quando se disseminou pelo Brasil. Não t

Decisões contraditórias sobre a pandemia

Publicado originalmente em Julho/2020 Hoje (21) o comércio da Feira de Santana reabre novamente. É a terceira reabertura desde o começo da pandemia do novo coronavírus, em março. A decisão não se deve a uma queda sustentada no número de infectados, mas à abertura de 40 leitos de UTI, exclusivos para o tratamento da doença, no Hospital Clériston Andrade 2. A unidade foi inaugurada na semana passada pelo governo estadual. Com o aumento no número de leitos – a ocupação chegou a 100% dias atrás – a prefeitura enxerga margem segura para a reabertura. Já são mais de 100 mortos pela doença na Feira de Santana. O total de infectados bordeja os seis mil. Não calculei, mas imagino que a média diária de novos infectados não seja inferior a 100. A quantidade de casos em alguns bairros assume proporções alarmantes. Mesmo assim, aposta-se em mais uma reabertura. As medidas adotadas no município são de deixar o cidadão desnorteado. Até o domingo, toque de recolher à noite, restrições à comerciali

Feirense revoga a pandemia e vai passear no comércio

Publicado originalmente em Julho/2020 Logo nas primeiras horas da manhã foi possível perceber que ontem (21) haveria movimento intenso na Feira de Santana. Talvez tenha sido o dia mais agitado desde a segunda quinzena de março, quando começaram as restrições à circulação decorrentes da pandemia do novo coronavírus. Tudo por conta da reabertura do comércio, que atraiu gente ávida para o centro da cidade. Nem a chuva miúda – gotas diáfanas, quase invisíveis – esfriou o ânimo consumista. Em vias como a avenida Maria Quitéria a lentidão no trânsito resgatou até a estridente sinfonia das buzinas. Aqui ou ali, um motorista exasperado tentava forçar uma ultrapassagem, inconformado com o fluxo mais vagaroso. Quem chegava ao centro da cidade se deparava com mais contratempos: quase não havia espaço para estacionar pelas vias, bem desertas nos últimos meses. Imagens e fotografias circularam freneticamente confirmando o ir-e-vir de pedestres pelas avenidas abarrotadas, pelos becos fervilhante

O legado dos jornalistas-escritores

  Dias atrás escrevi a crônica dos escritores-jornalistas, aqueles que migraram das redações para o universo literário. Mas são inspiradores também aqueles que exerceram o jornalismo com tanto talento que, com justiça, poderiam ser enquadrados como jornalistas-escritores. Até mencionei dois deles no texto anterior: John Reed e Truman Capote. Ambos norte-americanos. Aqui no Brasil menos gente trilhou o mesmo caminho, até pelas condições de trabalho muito mais adversas. Mesmo assim, não nos faltam destaques. É o caso, por exemplo, de Euclides da Cunha. Jornalista-escritor ou escritor-jornalista? Até hoje é tarefa complicada definir o autor do monumental “Os Sertões”. A epopeia de Antônio Conselheiro e de Canudos, óbvio, foi um episódio histórico e Euclides da Cunha acompanhou-o como jornalista. A questão é que a obra vai muito além de um mero relato. Lê-lo, a propósito, não é tarefa das mais fáceis. Percorrer aqueles sertões, familiares para quem é nordestino, – o texto é intricado f

E se a Feira tivesse crescido às margens do Jacuípe?

  E se a Feira de Santana tivesse crescido para os lados do Rio Jacuípe? Essa especulação veio à mente quando admirava, aqui da janela de isolado social, aquela espécie vale que a BR 116 Sul percorre, conduzindo ao Jacuípe, na saída da Princesa do Sertão. No entorno, colinas curtas, muito verdes nas manhãs de inverno com o céu limpo. Mais além, montanhas azuis, muito redondas, quase se mesclando com o azul do céu. Dali para a frente, os sertões estendendo-se, infindáveis, em direção ao oeste. Lá nos primórdios, no século XIX, a antiga povoação foi se expandido voltada para o norte, para São José das Itapororocas. Era de lá que vinham as extensas boiadas que iam abastecer de carne Salvador e o Recôncavo pulsante, prenhes de intensa atividade econômica naqueles tempos. Talvez haja essa reverência inconsciente à pecuária, o que inspirou a antiga povoação voltada em direção àquela direção. Mas trata-se de mera especulação, exercício que consome tempo nessa época de pandemia da Covid-19

O legado dos escritores-jornalistas

  Em literatura sempre tive inclinação por autores que foram jornalistas. No começo não houve, aí, um movimento deliberado, óbvio. Só tempos depois, quando já agregara ao currículo um acervo razoável de obras lidas – para os padrões de um principiante –, é que fui me dar conta da coincidência. Entre os brasileiros, comecei por Graciliano Ramos, que na juventude mourejara em banca de revisão de jornais do Rio de Janeiro. O estilo seco e a escassez de adjetivos, para mim, representaram uma experiência muito marcante. “São Bernardo” e “Vidas Secas” trazem muito desse estilo seco, da economia de palavras comum ao jornalismo. Em ambas as obras se nota o esforço tenaz para suprimir tudo aquilo que não é indispensável, essencial, imprescindível. É óbvio que o texto magistral e a imersão na análise psicológica das personagens vão muito além do jornalismo, torna-os obras literárias perenes. Mas há, aí, o gene jornalístico, sem dúvida. Depois – quando já estava na redação do extinto Feira Ho

E as propostas para Feira, candidatos?

Publicado originalmente em Junho/2020 As eleições 2020 acontecerão em novembro. Primeiro e segundo turno ocorrerão, respectivamente, nos dias 15 e 29 daquele mês. A emenda constitucional que retardou a data do pleito também empurrou para adiante os prazos. As convenções partidárias, por exemplo, estão previstas para agosto e setembro. Nelas definem-se os candidatos e, a partir de então, começa a campanha propriamente dita. Com a pandemia do novo coronavírus, os ambientes virtuais ganharão importância. Em alguns casos, talvez determinem os resultados. Apesar de toda a movimentação dos bastidores, no momento se fala pouco de eleição. É que as atenções estão voltadas para o combate à pandemia. A quantidade de contaminados cresce e os mortos se avolumam. Sobretudo porque o horror contou com o impulso nefasto irradiado a partir do Planalto Central. Lá, uma verdadeira confraria de mentecaptos vomita bestialidades, regurgita esgotos interiores, torna a pandemia um pandemônio. Mas a Covid-

Pachamama

Publicado originalmente em Junho/2020 Em agosto de 1988 vivi uma curta aventura infantil: visitei uma chácara nas cercanias da Feira de Santana. Foi numa inesquecível tarde de inverno. Chovia miúdo e nuvens brancas – de um tom encardido – se estendiam por todo o céu. Ventava frio naquela campina extensa ao norte da Princesa do Sertão. Um vizinho – falecido já há muitos anos – convidou meu pai e, obviamente, fui a tiracolo, encantando com a inesperada oportunidade de me afastar dos limites da cidade. Na Caravan antiga – cor de cobre fosco – que balançava terrivelmente, com aquele ininterrupto rangido metálico, ele foi louvando a natureza, o bucolismo da vida rural, enquanto a garoa reluzia sob a luz baça da tarde lá fora. Ali na BR 116 Norte o motor roncou e o veículo enveredou por uma das ruas laterais do Parque Ipê. Bem lá adiante, desembocamos numa estrada estreita, de piso arenoso, ladeada por chácaras. – A terra é uma mãe! Exclamou o vizinho, comovido, quando desenterrou algu

Os bêbados da esquina e o “Prelúdio da Cachaça”

  Sempre vejo uns bêbados sob a sombra redonda de uma árvore numa esquina próxima. Aparecem no começo da manhã e sentam-se no meio-fio, resguardando-se do calor. Lá, espicham as pernas e o olhar para a rua deserta e poeirenta. Com o sol a pino, desaparecem, para ressurgir na manhã seguinte. As persistentes garoas de junho afastaram-nos: a copa da árvore, baixa, protege pouco das gotas intermitentes. E uma umidade densa, pegajosa, torna o piso insalubre. Naqueles dias, a poeira e a garoa mesclaram-se, assumindo uma consistência pastosa, que ajudou a tangê-los. São inquietos: levantam, caminham até a esquina, às vezes atravessam a rua, num passo ébrio sobre as pedras ásperas do calçamento. Daqui intuo as camisas rotas, desbotadas, as calças encardidas, as sandálias tortas. O que vejo com clareza são os gestos – enfáticos, teatrais, exagerados – que ajudam a dimensionar o grau de embriaguez. Em tempos de pandemia desdenham as máscaras, acessório inútil. Não repousam naquela esquina qu

A silenciosa inquietação do feirense com a pandemia

Publicado originalmente em Junho/2020   – Vamos torcer para isso acabar logo. Não vejo a hora de poder trabalhar sem máscara. Esse troço incomoda, sufoca. Mas tem que se proteger, fazer o quê? Trajando farda azul, o cidadão media o consumo de energia elétrica e imprimia recibos. Ele trabalha de porta em porta, para a empresa concessionária do serviço. A frase veio quando arrematava a tarefa. Despediu-se e, lépido, seguiu adiante. O desencanto no tom de voz não passou despercebido. Intuí uma esperança trêmula, hesitante, e, talvez, algum desespero com o prolongado calvário do novo coronavírus. Mais tarde passou o entregador de botijões de gás. Com firmeza e rapidez manuseou o recipiente que retirou de um caminhãozinho com a colaboração de um ajudante jovem. Colocou o botijão no chão, recebeu o pagamento, passou o troco. Por fim, despediu-se com uma mensagem otimista: – Vamos sobreviver, vamos superar isso – Assegurou. Notei a mesma inquietação na voz, a hesitação, o pânico de quem

Vendedores de ontem e hoje nas ruas da Feira

Sempre ouço, lá fora, o carro do ovo passando. Uma voz rascante anuncia 30 ovos por dez reais. Um alto-falante, daqueles de camelô de feira-livre, amplifica a voz. Às vezes, chego à janela para examinar o veículo. É um automóvel antigo – cuja pintura no teto está manchada –, abarrotado de placas de ovos. Imagino que a pandemia da Covid-19 e a crise econômica favoreceram os negócios. Afinal, está sempre enfrentando, estoico, as vias esburacadas da Feira de Santana. Mas há novidades na praça. Neste ramo, surgiram os vendedores de iogurtes, chocolates e biscoitos de uma multinacional de alimentos. Passam anunciando promoções incríveis em veículos e motocicletas plotados. Importaram a estratégia, que é antiga, da periferia de São Paulo. Costumam comercializar produtos no fim do prazo de validade. Daí as ofertas tentadoras, que magnetizam a clientela. Noto com pesar que uns e outros, coitados, não tem o carisma dos vendedores de outros tempos. Quando os vejo, lembranças distantes, da in

A crônica da farinha de mandioca

  Pão-de-pobre. Esse é apenas um dos nomes da prosaica farinha de mandioca. Durante séculos ela foi a base da alimentação no Brasil Setentrional. Desde a década de 1970 o consumo vem em declínio. E, a partir do começo do século, a substituição por outros produtos se acentuou na dieta do brasileiro. Aqui na Bahia não foi diferente: se mais de 24 quilos eram consumidos, per capita , em 2002, essa quantidade caiu para pouco mais de seis quilos em 2017. Os números são da Pesquisa de Orçamento Familiar, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Lembro que, noutros tempos, o produto era muito mais farto ali no Centro de Abastecimento. Dezenas de sacas – aquelas de 60 quilos – amontoavam-se defronte aos varejistas que, atarefados, atendiam a clientela ali no galpão de cereais. Combinada com o feijão, o arroz e uma proteína animal qualquer – os mais pobres atacavam de ovo –, a farinha era parte importante da dieta do sertanejo. Mesmo do sertanejo citadino, sem conexão com a