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Mostrando postagens de abril, 2020

Ecos do entardecer em São Luís do Maranhão

– Eu tenho que reconhecer que foi o atual governador que melhorou o Centro Histórico. Era abandonado, perigoso para o turista, mas melhorou muito. Ouvi isso de um motorista de aplicativo em São Luís. Deslocava-me de uma pousada no próprio Centro Histórico em direção à Universidade Federal do Maranhão. Naquele diálogo curto ele tentava insinuar elogios a Jair Bolsonaro, o “mito”. Calado, eu preferia apreciar a paisagem, o rio Bacanga, com suas águas azuis, calmas, sob a ponte na Avenida dos Portugueses. Em volta, a lufa-lufa do início da manhã. O alvo do elogio era o governador Flávio Dino (PC do B). O Centro Histórico da capital maranhense debruça-se sobre a Baía de São Marcos que, ali, encorpa-se com os rios Bacanga e Anil. Do mirante que fica junto ao Palácio dos Leões e à Capitania dos Portos é possível acompanhar inesquecíveis entardeceres. O espetáculo é longo, multicor. À direita, o rio Anil, a ponte de São Francisco, os espigões modernosos do Jardim São Francisco estendendo

Recordações de uma viagem a Teresina

A viagem era longa e o ônibus ainda atrasou. Quinta-feira à noite. Na rodoviária, os viajantes se moviam como espectros. A luz elétrica pálida, tristonha, agônica, assustava pouco a escuridão. E realçava aquela inexplicável melancolia das rodoviárias, dos pontos de apoio, dos minúsculos pontos de embarque. Quem, ali, também embarcaria para Teresina? Entretive-me com o jogo de adivinhar destinos dos viajantes. Grandes valises forneciam pistas. – Engarrafamento na saída de Salvador – justificou o atraso, lacônico, o motorista, que examinava os bilhetes dos passageiros ansiosos pelo embarque. Misturaram-se àqueles que vinham de Salvador. Nova parada na Avenida Contorno. Ali, tudo é mais lúgubre, escuro, deserto. O longo balcão da lanchonete na penumbra. Lá fora, vida só na barraquinha que vende tralhas chinesas. Caneta colorida, despertador, rádio, lanterna, tudo que reluz, que é multicor. Aquilo ajudava a espantar a escuridão e a melancolia. A algazarra dos músicos espantava a sil

Comércio aberto não vai impulsionar pandemia?

Surpreendeu muita gente a decisão da prefeitura de autorizar a reabertura do comércio a partir de hoje (21). Foram quase quatro semanas de suspensão de parte das atividades, com resultados que podem ser considerados satisfatórios: a eclosão de casos de Covid-19 foi retardada e, até aqui, não se verificou superlotação em unidades de saúde e hospitais locais. Houve – conforme expressão que se tornou corriqueira – o comentado achatamento da curva. Até o momento, é bom ressaltar. Quem circula pelo centro comercial da Feira de Santana sabe como são os tumultos e as aglomerações naquelas vias de trânsito intenso. O discurso da precaução, das cautelas, dos cuidados, retoricamente tranquiliza, mas não costuma ser visto na prática. Na própria pandemia do novo coronavírus há exemplos: defronte às agências bancárias, às lotéricas e até às portas das lojas que vendem ovos de Páscoa, viram-se filas e aglomerações. Péssimo sinal. O inquietante é que ainda estamos distantes do pico da pandemia.

A peleja dos “moristas” contra os acólitos do “mito”

Confesso que pretendia, nesta sexta-feira de tempo instável, escrever sobre a Micareta feirense. Ou sobre a não-micareta, já que a festa foi adiada em função da pandemia do novo coronavírus. Forjara, até, um título ambicioso: “Crônica da Micareta que não aconteceu”. Remoía a dúvida se, em algum momento, no passado, a Micareta chegou a ser adiada. E até já acalentava ambições históricas: figurar como o primeiro cronista a destrinchar o fato sob uma ótica que não cheguei a definir. Fui, porém, atropelado por fatos mais candentes. Como todo mundo sabe, não há nenhuma novidade relacionada à pandemia de Covid-19 no Brasil. Os hospitais das grandes metrópoles já estão superlotados, os mortos somam-se às centenas a cada dia desde o começo da semana e o brasileiro insiste em retomar a rotina como se nada estivesse acontecendo: nada disso é novidade nos últimos tempos. A grande novidade do dia foi o desembarque do ministro da Justiça, Sérgio Moro – o ex-todo-poderoso que detinha carta bran

Micareta foi a primeira vítima do Covid-19 em Feira

Foi muito lembrado, nas mídias sociais, que a Micareta 2020 deveria começar hoje (23). A folia foi a primeira vítima do Covid-19: na primeira quinzena de março a prefeitura anunciou o adiamento, sem nova data prevista. Naquele momento muita gente se espantou com a suspensão. Não faltou quem apostasse que a festa ocorreria de qualquer jeito. Mas prevaleceu a prudência e, com o passar dos dias, a decisão se mostrou acertada. Desde então passaram-se 40 dias. E, pelo visto, a principal festa popular da Feira de Santana vai ficar para 2021. Isso se, até lá, a pandemia for controlada por aqui. É bom não cultivar grande otimismo. Afinal, a peleja dos trogloditas no Planalto Central está tão renhida que a saúde da população fica em segundo plano. Logo, a pandemia pode durar mais que em outros países. São grandes os prejuízos para a economia feirense com a suspensão da Micareta. E é enorme a quantidade de prejudicados com as rígidas – mas necessárias – medidas para evitar aglomerações. A i

Comércio feirense reabrirá quarta-feira?

Longas filas marcaram o início da distribuição do vale alimentação para estudantes da rede estadual na Feira de Santana hoje (20). O benefício – no valor de R$ 55 – vai ajudar as famílias mais carentes a suplantar esse período sem aulas e sem trabalho por causa da pandemia de coronavírus. A cena é corriqueira, pois também são longas as filas nas lotéricas e defronte às agências bancárias. Algumas se espicham quarteirão afora, dobram esquinas, avançam pelos becos, com gente aflita, impaciente. Boa parte tem ido sacar a ajuda de R$ 600 disponibilizada para trabalhadores informais e famílias contempladas pelo Programa Bolsa Família (BPC). Apesar dos críticos, insensatos, esses repasses são indispensáveis no momento. Muitos trabalhadores feirenses atuam na informalidade e ganham pouco. Com a pandemia, estão vulneráveis, já que não podem se dedicar às suas atividades. Quem consegue sacar, em muitos casos, gasta no mercadinho de bairro, na padaria, no açougue. Ou, até mesmo, nos indispe

A lição que vem de Manaus

O radialista Wilson Lima (PSC), eleito governador do Amazonas em 2018, foi apresentador de tevê. Dedicava-se, com histrionismo, a esses programas sensacionalistas que tanto apelo tem junto à gente humilde. Quem quiser, pode checar sua performance em arquivos disponíveis na Internet. Não fica devendo nada às celebridades que encenam esses quadros grotescos nos auditórios do Rio de Janeiro e de São Paulo. Elegeu-se no vácuo da iracunda “nova política” e do anseio febril por renovação. Submergiu no noticiário desde a posse – no Brasil, só há espaço hoje para as esquisitices de Jair Bolsonaro, o “mito” –, mas ressurge agora. No estado que ele governa o caos já se instalou com a disseminação do novo coronavírus. Hospitais lotados, cadáveres em unidades de saúde, gente desesperada à espera de atendimento, tudo se vê no triste calvário amazonense. O que acontece em Manaus deveria levar muita gente a refletir. Afinal, caso prevaleça o que o “mito”, arauto da “nova política”, defende – a r

Há mais tempo para se dedicar à natureza

O isolamento social imposto pelo novo coronavírus trouxe algumas novidades que foram pouco percebidas até aqui. Uma delas se refere à qualidade do ar que se respira na Feira de Santana. Melhorou, porque a quantidade de automóveis em circulação caiu, mesmo com muita gente desdenhando do isolamento. Visualmente é fácil constatar o fenômeno: das janelas dos prédios se vê que os horizontes estão mais límpidos, sem aquela névoa de poluição que embaça tudo. À noite, ao longo das últimas semanas, foi possível observar uma mudança sutil. Antes – nas noites de céu sem nuvens – o tom era esverdeado, limoso. Ao fundo, estrelas piscavam, brumosas, mesmo quando tudo era limpidez. Hoje a amplidão ganhou um tom azulado, que evoca antigas recordações. A luz das estrelas é mais firme. Com atenção, é possível distinguir até aquela alternância de cores que encanta as crianças. Os crepúsculos curtos de outono também se coloriram. Mesmo nas tardes de nuvens pesadas e céu encoberto. Nelas, alternam-se

Festejos juninos em tempos de pandemia

Toda hora surgem diversas projeções sobre a pandemia do novo coronavírus. Muitos reclamam, julgam-se sufocados pelo noticiário. É verdade: nesses casos, é melhor desconectar-se, buscar ocupações alternativas para a cabeça. O suceder interminável de notícias sobre a doença, porém, apresenta uma virtude. Consultando, selecionando e refletindo, é possível ir mapeando atalhos, preparando-se para o que vem por aí. Afinal, a cada dia torna-se mais evidente que o futuro não será mais como no passado. Pesquisadores norte-americanos estimam, por exemplo, que shows – com suas consequentes aglomerações de pessoas – só recomeçam em meados de 2021. Caso a projeção se confirme, festas como o São João e o Carnaval do ano que vem estarão comprometidas. Os festejos juninos de 2020, a propósito, já estão sendo cancelados Nordeste afora. É apenas o primeiro ato de um novo mundo que se descortina. As celebrações juninas no Nordeste tornaram-se megaespetáculos com palcos, canhões de luzes e festejadas

Executivo feirense reduz salários, mas Legislativo se omite

A atenta imprensa feirense registra que o prefeito Colbert Filho (MDB) decidiu reduzir o próprio salário em 20% durante a vigência da pandemia do coronavírus. Os secretários municipais também aderiram ao sacrifício: redução de 15%. Para quem ocupa cargos de confiança no Executivo feirense a mordida foi mais modesta: 10%. Os recursos poupados serão destinados ao combate ao coronavírus. Quanto isso representa de economia? O montante não foi divulgado. Não importa: a medida tem mais valor simbólico do que efetivo. Iracundos moralistas de mídias sociais vivem cobrando redução de salários dos agentes políticos. Essa gente supõe que o montante poupado é suficiente para milagres. Enganam-se: o recurso amealhado é significativo, mas fica distante do montante necessário para debelar a pandemia. Cálculos bem elementares ajudam a dissolver a confusão. Reitere-se, portanto: o gesto é muito mais simbólico. Ora, só que a política é atividade pejada de simbolismos. Sobretudo em momentos difíce

O sufoco do feirense em bancos e lotéricas

– O dinheiro acabô e eu tive que voltá a trabaiá... A voz metálica reverberou pela Praça Bernardino Bahia estilhaçando um dos múltiplos silêncios curtos, precários, naquele logradouro. Dois feirantes dialogavam, aos berros, à distância. Era início de tarde da Semana Santa. O calor era intenso e, no céu, densas nuvens encardidas encobriam o azul. Tabuleiros com frutas, verduras, legumes e hortaliças se sucediam, mas sem a variedade habitual. Os consumidores, ariscos, paravam pouco, compravam menos ainda. A gente que mercadejava por ali sustentava dois argumentos. Era a falta de dinheiro que os levava à aventura de tentar vender seus produtos no meio da pandemia de coronavírus. O problema é que a clientela anda reticente, temerosa de contrair a doença. As vendas são, portanto, frustrantes. A frase reproduzida acima resume, com perfeição, o sufoco enfrentado pelo brasileiro pobre. Defronte aos bancos, filas se encorpavam. Muitos se acotovelavam para sacar o benefício de R$ 600 apro

Quiproquó com chineses pode ser mais letal que coronavírus

Muita gente tem reclamado do fechamento do comércio da Feira de Santana. Boa parte das reclamações é de comerciantes, insatisfeitos com a compressão dos lucros nesse período de isolamento social. Outros são camelôs e ambulantes, que vivem no sufoco, trabalhando de dia para garantir a janta à noite. Quando questionados acenam, sempre, com os impactos da quarentena sobre as atividades econômicas. Veem o problema, portanto, sob apenas uma perspectiva. O fechamento do comércio é temporário. Lá adiante, caso o desastroso governo de Jair Bolsonaro, o “mito”, não atrapalhe, tudo será normalizado e, talvez, alguns setores até recuperem parte das perdas. Problema muito mais espinhoso vem sendo produzido, sistematicamente, pelo entorno familiar do “mito” e pelo desvairado ministério ideológico. Desde o começo da pandemia do novo coronavírus que a matilha digital vem fustigando a China e os chineses. Essa gente, enfileirada à extrema-direita, cunhou uma expressão que é uma pérola de mau gost

O Brasil ajoelhado em jejum

Foi dantesca a cena de Jair Bolsonaro, o “mito”, ajoelhado ontem em Brasília. Antes, o “messias” encarou, estoico, um suposto jejum. Segundo ele e os mercadores da fé que o secundam, todo o sacrifício foi para que Deus – o provedor eterno – afaste o coronavírus destes tristes trópicos. O mundo civilizado enfrenta a pandemia com ciência e tecnologia. Aqui, abraça-se um primitivismo constrangedor. Fico imaginando que futuro espera o Brasil, lá na frente, caso essa insanidade campeie por muito mais tempo. Defronte aos acólitos da sua seita profana, o “mito” ameaçou de demissão, mais uma vez, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta. É tão covarde que sequer teve coragem de mencioná-lo. Aquilo não foi uma demonstração de força, mas de fraqueza: já que dispõe de tanto poder, por que o “mito” não o exonera logo? No posto, pode alocar um dos mentecaptos ideológicos que o cercam. A valentia tem prazo de validade: em duas ou três semanas o Brasil vai se aproximar do ápice da pandemia. Serão

Surge o cliente mascarado nos bares da Feira

O sábado à tarde serve para se afogar as ansiedades e tensões do cotidiano. Muita gente, que trabalha pela manhã, arremata a jornada em ruidosas confraternizações com colegas de trabalho. É na mesa do bar – entre generosos goles de cerveja – que se resenha, ruidosamente, o passado; se descortina o futuro com olhos sonhadores; e, delicadamente, contorna-se o presente, sobretudo quando ele é aziago. Em milhares de mesas dos incontáveis bares feirenses inúmeros interlocutores abraçam essas perspectivas, ainda que, conscientemente, não saibam esquadrinhá-las. E isso pela cidade toda: desde os badalados bares da moda, com seus apreciados cardápios, até os sórdidos botequins da periferia em que cachaça com caju ou limão são as únicas alternativas. Gente exaltada conversando aos berros, tira-gostos consumidos com ânsia glutona, as dezenas de garrafas vazias de cerveja, os elogios caudalosos, a tempestade de ideias, nada disso constitui novidade na crônica dos bares feirenses. O que há d

Anotações de uma sexta-feira silenciosa

Aqui da janela é possível ver, à distância, o declive que conduz ao rio Jacuípe e à BR 116 Sul. Ontem (03), o sol radioso – manhãs e tardes de abril são de uma luminosidade festiva aqui na Feira de Santana – e o céu claro permitiam ver as colinas suaves, verdejantes depois dos meses de chuvas regulares. Aqui ou ali se sobressaem os tons marrons do solo rugoso, pedregoso, típico daquelas cercanias. Forçando a vista – e a imaginação – o observador intui até mesmo a vegetação espinhosa, avara, da caatinga. Mais além, contrastando com o azul esbranquiçado do céu, bem na linha do horizonte, as formas azuladas, arredondadas, de montanhas longínquas. Serão montanhas? Diluem-se um pouco no horizonte, é preciso atenção para vê-las. Onde ficam? Ipuaçu? Mais além em Antônio Cardoso, Santo Estêvão? Quem olha de longe e não é íntimo daquela região não consegue identificar. À noite, a escuridão engole tudo. Então surgem as luzes distantes, que tremulam e, por instantes, se apagam. Mas logo ress

Uma incursão no “cemitério de ideias” das mídias sociais

Quando os historiadores do futuro se debruçarem para tentar entender o Brasil da pandemia do novo coronavírus, eles terão nas fervilhantes mídias sociais excepcional matéria-prima. No Facebook – temível cemitério de ideias e de qualquer sensatez – o conteúdo é farto e mais acessível. No Whastsapp também, mas é necessário conectar-se em rede com a militância milenarista. Nem todo mundo tem estômago para a empreitada. Acólitos de Jair Bolsonaro, o “mito” – e também de outras clivagens da fauna de extrema-direita –, asseguram que os chineses forjaram o coronavírus em laboratório e lançaram uma modalidade inédita de guerra: o conflito biológico. O objetivo? Aí eles apresentam um cipoal de supostas razões que exige muito preparo intelectual para dissecar. Provas que sustentem a exótica teoria são dispensáveis: basta ter fé. E acreditar. Dedicam muita munição – por enquanto virtual, felizmente – à defenestração dos “inimigos internos”: os comunistas, para se empregar um conceito elástic

Vereadores feirenses não vão reduzir os próprios salários?

Pululam, em inúmeros sites, notícias sobre a redução temporária de salário de vereadores Brasil afora. Na Bahia, algumas câmaras municipais abraçaram a iniciativa. A medida tem um quê de pragmatismo – afinal, as eleições acontecem em meados do ano –, mas desperta indiscutível simpatia junto à população. A proposta é desdobramento da terrível pandemia do novo coronavírus, que já assola o Brasil e boa parte do planeta. Aqui, na Feira de Santana, por enquanto, não há nenhuma palavra sobre redução de salário dos parlamentares. Mesmo com a suspensão das sessões. Em Brasília, essas sessões estão acontecendo remotamente, com a apreciação da pauta relacionada ao coronavírus. Na Câmara Municipal feirense prevalece o melhor dos mundos: todas as atividades estão suspensas, mas o holerite do vereador permanece integral, bojudo como sempre. São muito modestas as ações do Legislativo em relação à pandemia. Vá lá: votaram hoje (02) os projetos encaminhados pelo prefeito. E destinaram as emendas

Ninguém pressiona pelo “corona voucher” em Feira

Os dois meninos atravessaram a avenida Maria Quitéria e enveredaram por uma rua lateral ali nas imediações da Queimadinha.  Era início da tarde. Ambos maltrapilhos, andrajosos. O mais novo segurava um saco menor e sacudia-o, com um movimento de braço que denotava a brincadeira: talvez tenha aí uns sete anos. O mais velho – doze ou treze anos – transportava um volume muito maior e se empenhava na tarefa. Os sacos eram transparentes o suficiente para perceber-se que a dupla carregava centenas de latas amassadas. Provavelmente iam vender o conteúdo num depósito de material reciclável qualquer. É a degradação da infância, evidente nesses tempos de escassa sensibilidade social e de assustadora pandemia do coronavírus. Anos atrás muitos otimistas julgavam que, em pouco tempo, situações do gênero fariam parte do passado no Brasil. Veio, então, a terrível crise econômica legada por Dilma Rousseff e pelo petê. Vieram, na sequência, Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (sem partido) que redu

A literatura como antídoto do isolamento

É necessário reconhecer que o isolamento social imposto pela epidemia de coronavírus oferece algumas – poucas – vantagens. Uma delas é a reaproximação – para quem aprecia os bons livros – da literatura. Na rotina normal é necessário esforço para manter os vínculos com os grandes autores: o trabalho, o trânsito, o convívio social, as aporrinhações do cotidiano, tudo isso impõe um pesaroso distanciamento. Com algum tempo disponível, é possível reatar esses laços. Meses atrás gente consagrada da literatura brasileira foi alvejada por uma controversa medida do governo de Roraima: Machado de Assis, Euclides da Cunha, Mário de Andrade – entre outros grandes escritores – figuraram numa index da Secretaria de Educação daquele estado. O escândalo – felizmente medidas do gênero ainda repercutem muito mal – abortou a iniciativa. Mas é bom ficar atento. Lembro de uma piada antiga, que circulou durante a ditadura de Getúlio Vargas, lá em meados dos anos 1930: um obtuso censor impediu a publica

Movimento cresce nas ruas de Feira

A semana começou com mais gente circulando pelas ruas da Feira de Santana. Defronte aos bancos, filas imensas. Mais do que isso: em algumas agências, havia quase aglomeração. Nenhum cuidado em relação à distância recomendada para evitar o contágio pelo coronavírus. Despreocupados, alguns entabulavam conversas, lançando perdigotos sem qualquer pudor. Muitos dos que penavam à espera de atendimentos eram idosos, segmento mais expostos aos riscos da doença. As lojas de autopeças funcionaram à toda. Ali nas imediações do antigo Minadouro quase todo mundo abriu as portas. O caos habitual de veículos, pedestres, motociclistas e ciclistas misturando-se na batalha por espaço foi pouco intenso. Mas os magotes nas esquinas, as conversas despreocupadas diante das lojas, os lanches coletivos em torno da bicicleta do vendedor de salgados foram corriqueiros. Nem todo mundo está preocupado com as recomendações sanitárias: numa loja de peças para motocicletas, os balconistas atendiam sem máscara o

Crise do coronavírus ditará rumos eleitorais em Feira

Amanhã (29) o prefeito Colbert Martins Filho (MDB) vai anunciar se mantém o comércio feirense fechado ou se revoga a medida. É visível a pressão que o chefe do Executivo está sofrendo para determinar a reabertura. Choveram propostas na reunião com empresários, ontem à tarde, sugerindo alternativas para que as lojas sejam reabertas. A questão é o coronavírus que está aí, à espreita. Qualquer decisão errada pode precipitar uma catástrofe. Até aqui a conduta do prefeito na gestão da pandemia no município tem sido muito equilibrada. Firme, sereno, didático, proativo, Colbert Filho vem conseguindo passar tranquilidade à população e mostrar que está adotando medidas em sintonia com o que recomendam instituições como a Organização Mundial de Saúde, a OMS. Inclusive em relação ao fechamento do comércio e ao isolamento social. Caso recue e permita a reabertura de todas as lojas, o prefeito estará assumindo riscos imensos. Sem a mesma estrutura em saúde que as capitais brasileiras – e que m

É necessário mais poder para Estados e Municípios

Os acólitos mais entusiasmados da seita profana que venera Jair Bolsonaro, o “mito”, sempre cobram, nas mídias sociais, que a imprensa divulgue o que o caótico governo faz de bom. Pois aqui vai: uma grande contribuição – às avessas – foi trazer para o debate a questão do pacto federativo no Brasil. A pandemia provocada pelo novo coronavírus tornou evidente que é necessário repensar a questão da distribuição de recursos e de poder entre a União, Estados e Municípios. Todo mundo sabe que a vida acontece no nível dos municípios. Estados e União são abstrações que ajudam a organizar a vida coletiva e a cultivar a noção de nação. Mas é no nível municipal que se vive e é nele que se processam tudo de mais fundamental na vida. Nada mais desejável, portanto, que esse nível federativo se fortaleça, sobretudo no que se refere ao acesso a recursos e à autonomia em relação à sua aplicação. A importância desse postulado está vindo à tona com as sucessivas desavenças provocadas por Jair Bolsona

A difícil travessia do outono para os brasileiros

Enquanto o feirense se ocupava com as aporrinhações e temores decorrentes do novo coronavírus, a natureza concluiu a transição do verão para o outono. Não faltaram as afamadas águas de março: choveu com frequência ao longo do mês e, às vésperas do outono, tempestades se insinuaram na borda do céu, a oeste, lá pros lados do rio Jacuípe. Mas as chuvas não vieram nos começos de noite da semana passada. Restaram os relâmpagos espetaculares – alguns, tremendos, lançando fachos de luz em quadrantes inteiros do céu – e o calor incômodo. Os ventos fortes também chamaram a atenção nas madrugadas. Sacudiram vidraças, assoviaram sinistramente, balançaram com violência as copas das árvores. Depois foram serenando e, por fim, desapareceram. Com eles, veio o aguardado declínio da temperatura. As noites e o começo das manhãs se tornaram agradáveis, cálidos. Os mais velhos apostam em safra boa no inverno. Invocam, para tanto, a ancestral sabedoria decorrente de argutas observações. É por isso que

A necropolítica e o discurso mentecapto

“Antigamente, os cristãos da Abissínia viam na peste um meio eficaz, de origem divina, para ganhar a eternidade. Ilesos, vestiam roupas contaminadas, queriam morrer da peste. Esse furor não é recomendável: antes indica lastimosa precipitação, vizinha do orgulho. Não devemos ser mais apressados que Deus, e tudo o que pretende acelerar a ordem imutável, para sempre estabelecida, conduz à heresia”. O texto acima é de “A Peste”, do escritor franco-argelino Albert Camus. Trata-se do trecho em que o padre Paneloux faz um sermão. Esta personagem, adiante, sucumbe à peste bubônica. O romance se passa em Oran, importante cidade portuária argelina. Aproveitei a pandemia de coronavírus para reler a obra e enxergar semelhanças com o momento que o Brasil atravessa. O surreal pronunciamento de Jair Bolsonaro, o “mito”, terça-feira (24) à noite, conduziu a memória ao trecho. É que, nele, tudo recende a morte, a mesma disposição necrófila que o contestado mandatário exibe desde a campanha eleitor

Quem ganha e quem perde com o adiamento das eleições

A epidemia de coronavírus trouxe um ingrediente novo para o cenário político brasileiro: a possibilidade de adiamento das eleições municipais de 2020. Algumas das principais lideranças políticas do País evitam abordar a questão no momento. Afinal, a prioridade é o combate ao coronavírus. Mas, nos bastidores, os comentários fervilham. E já há, inclusive, propostas para serem apresentadas ao Congresso Nacional. A mais moderada sugere o adiamento do pleito por 60 ou 90 dias. Aconteceria, portanto, em dezembro ou janeiro, encurtando um pouco os próximos mandatos. A outra proposta é bem mais radical: cancelaria o pleito, estendendo os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores por dois anos. Em 2022 aconteceriam eleições gerais, para todos os cargos. A segunda desperta bem mais resistência. Afinal, o que não falta é deputado federal pré-candidato a prefeito. E é de difícil aprovação, pois depende de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Como há intensas divergências, é provável