Mês
que vem completo 25 anos no jornalismo. Faz tempo: cheguei à redação do extinto
Feira Hoje em busca de uma oportunidade como revisor. Tornei-me repórter. O
jornal integrava o Sistema Nordeste de Comunicação, uma cadeia de jornais e
emissoras de rádio e tevê. Naquela época, o Feira Hoje funcionava ali no Mar da
Tranquilidade, junto com a Subaé AM e a Nordeste FM. Era diverso e muito rico
aquele ambiente, que fervilhava com os grandes acontecimentos da Feira de
Santana. Convivi com grandes profissionais naquela redação.
Creio
que ninguém pensava – e eu também não – que tudo fosse mudar tanto no intervalo
de uma geração. À época, os jornais modernizavam seu design, incorporavam tecnologia, tornavam-se mais atraentes para
seus leitores. Era intenso, portanto, o esforço dos impressos para se tornar
cada vez palatáveis. Note-se que buscavam modernizar-se, mas seguiam herdeiros
da tradição centenária do jornalismo impresso. Nos anos seguintes, tudo aquilo
ia começar a mudar.
O
acesso limitado da população aos computadores e à internet, no começo, retardou
essas mudanças avassaladoras. No início dos anos 2000 o boletim da Assessoria
de Comunicação da Câmara Municipal – onde trabalhei – ainda era impresso e
distribuído pelos gabinetes dos vereadores. Lá, porém, já surgia um embrião da
transformação: praticamente todos os veículos de comunicação já dispunham de
correio eletrônico (o e-mail) e era por ele que mandávamos os boletins. O tempo
do papel impresso distribuído nos rádios, jornais e tevê tinha acabado.
A
partir dali começaram a pipocar os sites noticiosos. Junto com eles, uma
mudança radical no mercado de trabalho: quem antes pelejava como empregado, com
carteira assinada, tornava-se empreendedor da comunicação, corria atrás dos
seus próprios clientes, às vezes desdobrando-se na comunicação e no comercial.
Imagino que a jornada de trabalho se ampliou e, em muitos casos, o rendimento
minguou.
Essas
mudanças alvejaram em cheio o jornal impresso. Mídia mais cara – e mais
vinculada àqueles que tem melhor padrão educacional –, retardatária em tempos
de vertiginosa circulação de informações, esses veículos até seguiram
sobrevivendo, ancorando-se na credibilidade e na qualidade de suas notícias. Só
que isso custa caro e, ao longo dos anos, foi entusiasmando cada vez menos os
anunciantes. Obviamente, o fenômeno não é feirense e se espraia mundo afora,
mas com repercussão bem sensível por aqui.
Sou
do tempo em que, aos domingos, os jornais impunham-se pelo conteúdo
impressionante: mais de uma centena de páginas entusiasmava o leitor que, em
casa ou nas bancas, convencia-se de que atravessaria o domingo imerso na
leitura. Aquele impresso conectava-o às cercanias de suas cidades e, também,
aos grandes acontecimentos mundiais. Quem produzia tanta informação?
Fervilhantes redações – as dos principais jornais abrigavam centenas de
jornalistas – que integravam e completavam a formação de muitos neófitos.
Cheguei
quando a tecnologia já enxugava redações, desempregando muitos jornalistas.
Mesmo assim, considero a redação do Feira Hoje uma das maiores escolas –
formais e informais – que tive a oportunidade de conhecer. Naquele começo de
era pós-analógica as interações eram muito ricas e a convivência, mais fraterna.
Muitas vezes, o expediente era espichado com farras inesquecíveis. Nelas, eu
seguia aprendendo. Aquela lógica de redação acabou sepultada pela tecnologia. A
convivência e o aprendizado orbitam hoje sob uma nova dinâmica.
Atualmente,
em muitos casos, a velocidade se sobrepõe à qualidade. E também à profundidade:
o empacotamento de notas curtas, muitas vezes confusas, emburrece quem escreve
e quem lê. Há notícias e há notícias: muitas exigem investigação, profundidade
e, obviamente, textos mais longos. Reduzir a realidade a notas telegráficas e
renunciar ao conteúdo é abraçar a forma burra. Produtos do gênero dispensam as
redações e qualquer sofisticação intelectual: basta um aparelho qualquer
conectado à internet e uma nota curta digitada até num teclado de celular.
Sempre
cultivei a convicção de que a redação é o habitat
do jornalista. Assim como o atelier o
é para o artista ou a oficina o é para o artesão. É claro que a atuação
atomizada e digital traz aprendizado, conhecimento. Mas as redações – passei
por outras desde o Feira Hoje também – trazem o traquejo, a vivência mais
intensa, a formação num sentido muito mais amplo. É uma espécie de iniciação.
A
morte das redações, porém, parece irrevogável. É que as mudanças tecnológicas
produziram um modelo novo de empresas de comunicação. Proliferam as micro e
pequenas organizações, sem grande fôlego financeiro, com atuação atomizada e,
em alguns casos, muito segmentada. Há, claro, as grandes corporações que
sobreviveram como exceção. Mas, mesmo nessas, a tecnologia reconfigurou as
redações.
Não
resvalo, porém, para uma velhice caturra, refém do passado saudoso. Vejo que a
era digital também trouxe mais facilidades e, até mesmo, mais democracia à
comunicação. Há infinitas alternativas, possibilidades. Isso, porém, é objeto
para um outro artigo...
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