Publicado originalmente em Maio/2020
Ouço, lá fora, o espocar constante
dos fogos. Na janela, sinto aquele cheiro característico de fumaça, comum nas inesquecíveis
noites de São João. Daqui não vejo nenhuma fogueira, mas noto a atmosfera, às
vezes, esfumaçada. Na véspera, no sábado à noite (23), também se ouviu o
espocar esporádico de fogos. Estouravam distantes e, logo depois, o silêncio
melancólico se impunha mais uma vez.
Só no fim da noite o silêncio prevaleceu
de vez. É que até os foguetes ocasionais silenciaram. Só se ouvia a sinfonia
dos grilos, martelando, incessante, como sempre. Subitamente, às 23 horas, uma
névoa densa cobriu como um manto alvo a Feira de Santana. À distância, o centro
da cidade desapareceu nessa bruma, alaranjada pelas lâmpadas da iluminação
pública.
Lá para os lados da Avenida
Contorno – com suas lâmpadas azuladas – a bruma adquiriu um tom azul,
esbranquiçado. E, bem no meio do céu, viam-se as duas tonalidades mesclando-se,
compartilhando a escuridão e o silêncio. Sim, o silêncio persistiu, porque os
fogos e os motores dos automóveis silenciaram no começo da madrugada.
A noite do domingo começou como
véspera de São João: fogos pipocando, gritos infantis distantes, gente que passa,
impregnada do espírito junino. Sim, ainda é maio, mas o feirense, pelo visto,
não se importa em antecipar a celebração. Daí a disposição para a folia, apesar
do silêncio denso que sempre acaba prevalecendo.
São estranhos esses tempos de
pandemia: os governos anteciparam feriados e o São João – pulsante símbolo da
cultura nordestina – será 30 dias antes, em 25 de maio. É óbvio que o objetivo
é aumentar a adesão ao isolamento social, desestimular que as pessoas saiam e
contraiam o Covid-19. Mas muitos parecem dispostos a cumprir a tradição com
rigor. Daí o foguetório, as fogueiras.
É sensato recomendar que todo
mundo fique em casa, mesmo porque até uma singela fogueira na calçada,
compartilhada com vizinhos, pode atrair gente, ajudar a disseminar o coronavírus.
Mas eu entendo o sufoco do brasileiro – e do feirense – açoitado pelas
incertezas nestes tempos de pandemia. É natural que ele deseje uma recreação,
um folguedo, como se dizia no passado, até para esquecer as agruras que estamos
atravessando.
A questão é que o Covid-19 não dá
trégua. Hoje (24), na Bahia, houve novo recorde no número de mortes: 47. Quase
900 novos casos foram registrados. Só aqui na Feira de Santana, mais 15 vítimas
confirmadas. As medidas de contenção, portanto, seguem indispensáveis, apesar
do triste espetáculos dos acólitos de Jair Bolsonaro, o “mito”, desdenhando da
pandemia e reivindicando, possessos, a reabertura do comércio...
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