Pular para o conteúdo principal

Incertezas climáticas e eleitorais na Feira

Publicada originalmente em Agosto/2020

Lua crescente na noite vazia de agosto ontem (02). Céu limpo: estrelas miúdas cintilavam, mas se diluíam na luz leitosa da lua, que iluminavam a cidade e seu casario. Aquelas chuvas frequentes e as garoas contínuas – fluidas cortinas d’água nas madrugadas de céu avermelhado – escassearam nos últimos dias. Esfriou: quem caminha, silencioso, pelas ruas desertas, costuma trajar agasalho. O frio avança pelas madrugadas brumosas, só cedendo quando a festiva luz do sol já ilumina tudo.

A sabedoria sertaneja ensina que, a partir de agosto, as chuvas se tornam mais raras. É o que se vê sempre na Feira de Santana, embora as noites sigam frias. As chuvas só retornarão em setembro, já sob a forma de trovoadas. Mas isso se o ano vindouro for muito bom: se não, as chuvas se retardam, recomeçando em outubro. Às vezes, nem aí. Só lá para novembro ou dezembro. Lá, já prevalecerão os cheiros do verão, marcantes.

Os sertanejos acostumados à labuta no campo observam, com atenção, esses sinais da natureza. Coisa antiga: os primeiros conhecimentos firmaram-se séculos atrás, quando desbravadores pioneiros enveredaram pelos sertões, assustando os indígenas. As mudanças climáticas, porém, vem desarranjando essa sabedoria, lançando incertezas. Tormentosas secas são sucedidas por chuvas caudalosas numa trajetória errática, desconcertante.

As imprecisões e as incertezas não estão somente no clima: aplicam-se ao cenário político brasileiro, à medida em que se aproximam as eleições municipais. Para 2020, foram extintas as coligações proporcionais para o Legislativo. Partidos que marchavam em consórcios concorrerão, agora, sozinhos. Tudo indica que a partir daqui o emaranhado de legendas vai murchar e fenecer. Muitas esbarrarão nas cláusulas de barreira e precisão fundir-se com agremiações maiores.

Imagino que a engenharia para costurar as chapas dos partidos para a Câmara Municipal, em 2020, está bem mais complicada. Sem coligação, o ajuste fino exige muito mais precisão porque é bem mais difícil atingir o coeficiente. Na rotina eleitoral de poucas surpresas, talvez o ano da pandemia surpreenda. A partir dessas mudanças, começará um novo aprendizado, aplicável aos próximos pleitos.

Situações hipotéticas se insinuam. Um figurão numa legenda de nanicos está fadado à desgraça; gente graúda num partido sem puxador de voto pode espatifar-se; candidatos domésticos, que contam só com os votos dos familiares, podem implodir projetos sólidos, ajudando pouco ao favorito a alcançar o sonhado coeficiente. É preciso conhecer muito o mercado eleitoral para montar uma chapa sólida, com chances reais.

Fala-se que até 10 vereadores podem não se reeleger. Seria ótimo: boa parte não faz falta. O problema é que gente ainda pior pode emergir das urnas. É o que, aliás, vem acontecendo sistematicamente por aqui. Em 16 de agosto, começa o prazo das convenções. Em setembro – falta menos de um mês – começa a campanha. Tudo foi adiado por conta da pandemia da Covid-19. Urna eletrônica, só em 15 de novembro.

Tomara que as eleições sejam tranquilas, sem as tensões que marcaram os últimos pleitos no Brasil. E tomara que as lições extraídas de 2018 ajudem o brasileiro – e o feirense – a escolher coisa melhor, porque o que se vê por aí...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da