Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de maio, 2021

O foguetório junino nas noites de maio

  Vi, há pouco, meninos soltando fogos numa rua secundária da Queimadinha. Eram algumas bombas – pouco mais que traques – que foram detonadas com aquela habitual empolgação infantil pelo período junino. Lembrei, até mesmo, da minha infância já longínqua. O entusiasmo era idêntico. Mas o arsenal de que dispunham era escasso: revezaram-se nas álacres detonações e, depois de alguns minutos, entraram em casa de novo. Crianças costumam aguardar o São João com ansiedade. Em grande medida, por causa da queima de fogos. Quem pode, se deleita desde antes, como os garotos que vi mais cedo. Só que a crise econômica decorrente da pandemia – e agravada pelas barbeiragens do desgoverno de plantão – impõe comedimento, hoje queima-se menos dinheiro com fogos. Imagino que, por isto, a diversão dos meninos foi intensa, mas curta. Notei que o espocar de fogos começou a se tornar mais comum no começo de maio. Nos finais de semana – sobretudo nas noites de sábado – é mais frequente, embora muito mais c

Recordações das vibrantes manhãs de segunda na Feira

  Como todo mundo sabe, as restrições impostas pela pandemia da Covid-19 limitaram muito a vida. O isolamento social e as restrições aos deslocamentos, os cuidados indispensáveis em ambientes coletivos e o permanente receio de contaminação mudaram drasticamente a rotina. O pior é que, em função da negligência e da omissão do desgoverno lá no Planalto Central, a pandemia vem se arrastando indefinidamente. Crise sanitária e caos econômico se entrelaçam, retardando a retomada, bloqueando a luz no fim do túnel. Desarvorado, sem a rotina bruscamente interrompida, o cidadão, às vezes, é ferido pelo cutelo da saudade. Funciona assim: num determinado momento, a mente repousa, serena ou fatigada. E aí as lembranças emergem, num redemoinho que é impossível de conter. Quando se dá conta, a cabeça já mergulhou numa viagem em direção ao passado. O rádio ligado costuma ser um estopim constante. Inesperadamente, vem de lá uma canção familiar – e querida – que desperta recordações ardentes. Na luf

Mais de 830 óbitos suspeitos ou confirmados de Covid-19 em Feira

  Enquanto a vacinação contra a Covid-19 na Feira de Santana avança a conta-gotas, a doença não dá trégua e segue matando feirenses. Desde o começo da pandemia, em março de 2020, já são 835 registros de mortes suspeitas ou confirmadas, decorrentes do novo coronavírus no município. As informações são do Centro de Informações de Registro Civil – CRC Nacional e estão disponíveis no endereço https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid .   Quem quiser mais detalhes, basta acessar o site e fazer a consulta. Já mencionamos que os últimos meses tem sido os mais mortíferos. A situação não está sendo diferente em maio: até hoje (26) são 83 óbitos de casos suspeitos ou confirmados. É pouco menos que em abril, quando houve 96 registros. Só que ainda faltam cinco dias para o fim do mês. O recorde, por enquanto, permanece com março, com 111 ocorrências. Provavelmente ainda na primeira quinzena de junho mais um triste recorde será quebrado: até aqui, em 2021, já são 398 mortes; ano

Bahia de Feira perde em casa e Atlético é campeão baiano

  Além de Feira de Santana e Ilhéus, Alagoinhas agora faz parte do restrito grupo de cidades do interior que já tiveram uma equipe campeã do Campeonato Baiano de Futebol. Hoje (23), jogando na Arena Cajueiro, em Feira de Santana, o Atlético de Alagoinhas bateu o Bahia de Feira por 3 a 2 e levantou a taça pela primeira vez. Em 51 anos de história, a equipe vive seu melhor momento: além do título em 2021, foi vice-campeã ano passado, quando perdeu a decisão nos pênaltis para o Bahia. Depois de eliminar na semifinal o time sub-23 do Bahia com uma goleada (3 a 0) e empatar o primeiro jogo da final em Alagoinhas (2 a 2) o Tremendão despontava como favorito contra o Carcará. Sobretudo porque jogava em casa, sustentando invencibilidade em seu estádio na competição estadual. Os primeiros minutos confirmavam o favoritismo: com movimentação e maior volume de jogo, a equipe feirense parecia perto de abrir o placar. O Atlético, acuado, tocava a bola na defesa. Aos 18 minutos veio o primeiro go

Uma singular inspiração literária sobre o isolamento social

  “Preso experiente analisa com vagar cada cela por onde passa. Pode haver recado nas paredes, esconderijo no colchão, fundo falso em algum lugar. Aproveitar minúcias e insignificâncias é uma das regras da cadeia, onde não há fartura e facilidades. De cada canto pode sair uma história oculta ou uma nova ideia”. O trecho acima é do livro “Quatrocentos contra um: uma história do Comando Vermelho”. O autor é William da Silva Lima – considerado pela polícia um dos fundadores da facção – falecido há quase dois anos. A edição de que disponho é de 1991, lançada pela Editora Vozes, em parceria com o Instituto de Estudos da Religião, o ISER. William passou boa parte de sua vida no cárcere. Mas, mesmo enfrentando as adversidades da cadeia, sempre foi uma figura singular. Uma evidência foi sua capacidade de produzir um dos melhores livros sobre a realidade das prisões brasileiras. Muito bem escrita, a obra narra sua experiência, ao longo de décadas, em diversas cadeias do Rio de Janeiro e de

A mitologia dos valentões de araque

  O começo da tarde de sábado escorria banal. No boteco tradicional no centro da Feira de Santana uns grupos bebiam, outros já almoçavam. Os sons dos talheres, dos pratos, dos risos e das conversas realçavam aquela normalidade. Lá fora tudo normal também: os automóveis avançavam sobre os paralelepípedos e os pardais piavam nos telhados, nas árvores escassas, saudando o sol preguiçoso de outono. Foi quando a figura apareceu, deslizando silenciosa feito espectro. Entrou no boteco, examinou as mesas, – uns não o notaram; outros fingiram não vê-lo – espichando o olho que brilhava, arisco. Tudo nele era opaco: a pele e os cabelos encardidos, impregnados de sujeira, as roupas andrajosas. Só o olho cintilava, muito vivo, arguto. Por fim, estendeu a mão suja, carcomida pelo provável manuseio contínuo do cachimbo do crack e me abordou: – Tio, me consegue um trocado para eu comprar comida! Estou com fome! Recusei. Ele, então, olhou fixo lançando uma chispa de ódio e foi saindo. Deslizava s

Mais um São João de nostalgia para o nordestino

  Nestes estranhos dias pandêmicos, o ocasional som contagiante de um forró resgata a lembrança de que o São João está se aproximando. Falta pouco mais de um mês. Só que, mais uma vez, as tradicionais festas serão canceladas – sensatamente – porque a pandemia da Covid-19 permanece aí, à espreita. Governantes e especialistas que acompanham os movimentos do vírus, inclusive, estão atentos aos riscos de uma terceira onda já nas próximas semanas. Isso não impede, porém, que o som da sanfona ouvido por acaso desperte recordações de celebrações juninas passadas, quando ninguém sonhava com a pandemia. Afinal, o forró já reverbera a partir dos sons potentes dos automóveis, nos bares e restaurantes espalhados pela cidade, aos finais de semana, nas residências de quem é devoto festeiro do período junino. No sábado (15), apesar do céu cinza, a alegria pulsava, sonora, espalhando-se com o vento que as garoas recentes esfriaram. Ouviam-se o festejado forró pé-de-serra, os baiões de Luiz Gonzaga

O beco pulsante nos fundos do MAP

  – Naquela época lembro que os velhos jogavam dama bem aqui! A frase foi lançada logo depois da remoção dos relojoeiros e chaveiros que trabalhavam ali naquele beco que fica bem atrás do Mercado de Arte Popular, o MAP. Uma senhora sisuda, empertigada, de olhos nostálgicos, resgatava um cenário de décadas atrás, feliz. Trata-se da rua Pedro Francelino, que, noutros tempos, atraía gente procurando peças para relógios, cópias de chaves ou reparos em pequenas joias. Mais adiante, ao meio-dia, o trecho entre a Libânio de Moraes e a avenida Senhor dos Passos apinhava-se com os que recorriam aos agitados restaurantes instalados em barracas metálicas. Comerciários, camelôs, ambulantes, modestos funcionários públicos, gente da imprensa abancavam-se por aquelas mesas distribuídas por espaços exíguos e dedicava-se aos pratos feitos de fígado, frango, ensopado de boi ou bife. Saciado, quem tinha compromisso sorvia cafezinho em copo plástico, contava os minutos, retornava aos seus afazeres.

País do futuro hoje é sem futuro

  – Ninguém discute mais o futuro, abandonou-se de vez o planejamento. O país do futuro do passado não tem mais futuro, só presente... O desabafo oportuno é de um amigo que labuta com planejamento, com o debate sobre o desenvolvimento. Concordei, de imediato, com a avaliação. Depois fiquei matutando o porquê desta situação. Julgo que encontrei algumas explicações – bem embrionárias, é bom ressaltar – que talvez ajudem a entender porque o brasileiro lúcido se tornou refém de um presente amargo, que não oferece perspectiva. Jair Bolsonaro, o “mito”, chegou ao poder tangendo uma boiada com pelo menos três raças bem distintas. A mais pitoresca é a do fundamentalismo religioso. Essa gente, pelo que se vê, ocupa-se pouco com o futuro. A explicação é bem simples: imersa no apocalipse – mesmo que o “mito” só possa oferecer um apocalipse pagão – e na propalada volta de Jesus Cristo, esta turma tem pouco tempo ou disposição para pensar no amanhã. Para muitos, o presente é tormentoso. Melho

Feirense já espera novo “banho de asfalto”

  Pouco antes das eleições de 2020 parte da Feira de Santana recebeu um “banho de asfalto”. Vias que não sofriam qualquer intervenção havia tempos foram tomadas pelo barulho de máquinas, pelos gritos e agitação dos trabalhadores, pelo cheiro marcante do betume. Tornaram-se, enfim, transitáveis, cessando os tormentos que afligiam os motoristas. Sobretudo de quem circula mais, como os taxistas, os motoristas que percorrem a cidade fazendo entrega ou os incontáveis motoristas por aplicativo. No primeiro trimestre as chuvas escassearam. No dia 19 de março – data consagrada a São José – viu-se só um chuvisco miúdo, muito tímido. O verão foi embora sem as afamadas águas de março na Feira de Santana. Mas, na segunda quinzena de abril, elas voltaram a cair com abundância. Para quem labuta no campo, uma benção; para quem percorre a malha urbana da Princesa do Sertão, uma provação. Nem as principais artérias feirenses escaparam dos buracos – verdadeiras crateras, em alguns casos – que estão

O bimestre mais letal da pandemia em Feira

  Em abril, o número de mortes – suspeitas ou confirmadas – pela Covid-19 caiu um pouco em relação ao mês de março na Feira de Santana. Foram 94 novos registros, contra 111 no mês anterior. Os números são do Centro de Informações de Registros Civil – CRC Nacional e podem ser conferidos no endereço eletrônico https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid . É bom ressaltar que esses números se referem à data efetiva do óbito – suspeito ou confirmado por Covid-19 – e não à data de notificação. O segundo bimestre de 2021 foi o mais mortífero da pandemia na Feira de Santana: 205 óbitos suspeitos ou confirmados pela doença. Março, como se sabe, foi o mês mais mortal. Na sequência, vem exatamente o último mês de abril, empatado com julho de 2020, com as 94 ocorrências já mencionadas. O recrudescimento da Covid-19 em 2021 é indiscutível. Desde março e até dezembro do ano passado, foram 339 mortes suspeitas ou confirmadas; nos quatro primeiros meses de 2021, já são 313 ocorrênci

Trabalho precário e o Dia do Trabalho

  Foi numa noite chuvosa no começo da segunda quinzena de abril. A tempestade tinha caído rija, mas cedera, numa trégua curta. O céu era um teto baixo de nuvens sanguíneas. Cauteloso, o motorista avançou em meio à correnteza e o passageiro desembarcou. Depois, ele manobrou o automóvel branco e encostou por alguns instantes: aguardava, examinando a tela luminosa do celular, nova solicitação de corrida pelo aplicativo. Passaram-se alguns instantes. Motoristas aproveitavam o estio breve para enfrentar a correnteza, com seus faróis ferindo a escuridão úmida. Mas, depois, a rua ficou deserta e escura de novo. Então ele desceu do carro e, aproveitando a penumbra e um providencial canteiro de hibiscos, urinou longamente, feliz com aquele sanitário improvisado. Por fim, voltou ao carro, ao aplicativo e saiu para atender mais um chamado. Acompanhei a cena do alto, da janela. E lembrei, imediatamente, de um filme lançado ano passado: “Você não estava aqui”, do cineasta inglês Ken Loach. Nele

Oscilações no clima e caos na política feirense

  A atmosfera feirense amanheceu cinza mais uma vez. Abril talvez seja o mês em que essas alternâncias climáticas costumem ser mais constantes. Lembro de duas ou três manhãs radiosas no começo do mês, de céu azul e luz puríssima. Depois, vieram as chuvas – caudalosas, castigando as fachadas fustigadas pelo vento – e houve espaço até para aquelas garoas típicas do inverno. Nelas, as minúsculas partículas de água dançavam num ritmo ditado pela brisa. Não sei por quê, mas quando vejo o céu como o desta manhã – lâmina de aço inteiriça, mas de múltiplos tons – vem uma convicção de que um silêncio solene deveria se impor. Mas não é bem assim: lá fora, pardais e bem-te-vis sustentam uma sinfonia incessante. Os motores dos carros roncam sobre os paralelepípedos e vozes terminam de espantar a quietude em fragmentos de conversas que se dissolvem nas esquinas. Distraio-me examinando o curto bosque de espigões aqui da Feira de Santana. Sem sol, são monótonos, tristonhos. Depois, começam a se d

Quando as imagens disparam o gatilho das metáforas

  As fotografias acima são flagrantes do competente repórter fotográfico Luiz Tito. Algo que me encanta desde que comecei no jornalismo – isso faz tempo – é o fato das fotografias, em muitos casos, dispensarem textos, legendas, explicações. Nestas situações, elas comunicam por si mesmas, tornando as palavras dispensáveis. Mas algumas delas vão muito além. São capazes de produzir mais metáforas que milhares de palavras aglomeradas num texto qualquer. É o caso das fotos que ilustram este texto. O flagrante foi captado pouco antes da chegada de Jair Bolsonaro, o “mito”, à BR 101, em Conceição do Jacuípe, para inauguração de um trecho duplicado da rodovia. Como quem acompanha o noticiário político sabe, o ato foi hoje (26) pela manhã. Está lá a bandeira brasileira burocraticamente esticada, na curva do caminho; ali perto, só o cãozinho vira-lata que se coça, ignorando o símbolo pátrio; depois ele avança, indiferente, abandonando o cenário, sem sequer lançar um olhar à bandeira esquecid