Publicado originalmente em Julho/2020
Logo
nas primeiras horas da manhã foi possível perceber que ontem (21) haveria
movimento intenso na Feira de Santana. Talvez tenha sido o dia mais agitado
desde a segunda quinzena de março, quando começaram as restrições à circulação decorrentes
da pandemia do novo coronavírus. Tudo por conta da reabertura do comércio, que
atraiu gente ávida para o centro da cidade. Nem a chuva miúda – gotas diáfanas,
quase invisíveis – esfriou o ânimo consumista.
Em
vias como a avenida Maria Quitéria a lentidão no trânsito resgatou até a
estridente sinfonia das buzinas. Aqui ou ali, um motorista exasperado tentava
forçar uma ultrapassagem, inconformado com o fluxo mais vagaroso. Quem chegava
ao centro da cidade se deparava com mais contratempos: quase não havia espaço
para estacionar pelas vias, bem desertas nos últimos meses.
Imagens
e fotografias circularam freneticamente confirmando o ir-e-vir de pedestres
pelas avenidas abarrotadas, pelos becos fervilhantes, pelas praças prenhes de
consumidores. A lama e as retenções no trânsito provocados pelas obras da
prefeitura incomodaram pouco. Carros, ônibus – abarrotados, como sempre – e
pedestres celebraram a reabertura respingados pela lama.
Não
faltou nem a vertiginosa procissão de motos e de motociclistas que, aflitos,
buzinavam ou aceleravam com fúria nos semáforos fechados ou nos constantes
engarrafamentos. As intermináveis filas nas agências bancárias e nas lotéricas
chamaram pouca atenção ontem, diluindo-se no frenesi insano de quem,
finalmente, começa a resgatar a rotina interrompida pela Covid-19.
O
problema é que a pandemia, na melhor das hipóteses, apenas alcançou o aguardado
platô. Segundo respeitáveis autoridades médicas, há um longo – e tortuoso e
incerto – caminho até os números começarem, de fato, a declinar. Não há,
portanto, razões para sair por aí, ávido, circulando, figurando em
aglomerações, expondo-se e, por tabela, expondo até os próprios familiares.
Albert
Camus, em “A Peste”, descreveu muito bem o clima psicológico quando a peste
bubônica finalmente foi debelada em Oran, lá na Argélia. Freneticamente,
reatavam-se amores e relacionamentos, gastava-se com temerária prodigalidade,
comia-se e bebia-se com apetite redobrado; enfim, dedicava-se, num afã, aos pequenos
e grandes prazeres que a epidemia tolheu durante meses. Naquela janela
psicológica, vivia-se, de fato, como se não houvesse amanhã.
Por
aqui, vê-se muita gente que parece arrebatada por esse clima. Lá adiante, tudo
bem: a questão é que, por enquanto, a pandemia não acabou. Pelo contrário: todo
dia morrem mais de mil brasileiros. Mas, quem se dedica, com ardor impudente, à
festa do consumo e à celebração não está nem aí para o que acontece com seus
patrícios. Talvez nem consigo mesmos.
Aliás,
não são só eles: o tom que se irradia a partir do Planalto Central, lá da
república de Rio das Pedras, é bem esse. A propensão para a morte, sacramentada
pelas urnas em 2018, parece longe de se exaurir em muitos...
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