Publicado originalmente em Maio/2020
– Nunca pensei que fosse ver uma coisa
dessa!
A expressão de espanto se tornou
corriqueira desde o começo da pandemia do novo coronavírus. E costuma ser
aplicada a uma série de situações: à desolação do comércio fechado, à solidão das
vias públicas esvaziadas, à cautela da gente circulando com máscaras, à saudade
de familiares que pouco se veem. O repertório é bem amplo. Desde o começo da pandemia
passou a incluir, também, o estupor com a extravagante visão de mundo da
extrema-direita.
Não falta quem negue a existência do
vírus: atribuem-no a uma conspiração dos comunistas chineses. Outros – só em
parte arrebatados por essa desconcertante realidade paralela – minimizam o
Covid-19, julgam-no inofensivo. No noticiário, descobre-se que muitos vivem
ingerindo cloroquina. Aqui e ali, alguns já morreram. Foram dedicar-se a seu
proselitismo noutro plano existencial.
À medida que o tempo passa e a pandemia
avança, essa gente se torna mais extravagante. A reverência a Jair Bolsonaro, o
“mito”, os une no seu delírio. Mas, examinados mais de perto, mostram-se muito
diversos. Noutras circunstâncias, seriam cômicos. Mas, no momento em que se atravessa
este outono fúnebre, não cabe zombaria. Mesmo porque a situação é muito
preocupante. E perigosa.
Aquelas manifestações canhestras no
Planalto Central – organizadas para massagear o ego do “mito” – oferecem
matéria-prima para uma análise mais rigorosa. São muitas as realidades
paralelas que se entrecruzam lá. Veem-se fascistoides babando de ódio; crentes pesarosos,
dilacerados pela degeneração, pela subversão dos costumes; patriotas de
conveniência; e gente comum, medíocre, que não consegue lidar com seus fantasmas
interiores e recorre à fórmula fácil de culpar o mundo.
Essa gente não se restringe ao
Planalto Central. Lá em São Paulo, vivem arranjando confusão. Até uma
monstruosa celebração defronte ao Hospital das Clínicas já fizeram. Curioso é
que não há nenhum constrangimento em contrariar o mundo com suas delirantes
interpretações. Lentamente, vão se tornando poucos, porque o próprio “mito”
deles definha. E nem todo mundo se dispõe a figurar num vexame desses, por mais
que tenha sido entusiasta da “nova política” tempos atrás.
Os últimos dias têm sido plúmbeos, cinzentos,
na Feira de Santana, com muita chuva. As restrições à circulação, os medos e
inquietações decorrentes da pandemia, a angustiante sensação de que o Brasil
navega sem rumo, tudo isso amplia a sensação do cinza, onipresente, impregnando
os sentidos.
Há esse cinza também nas camisetas
verde-amarelas que os acólitos do “mito” envergam nesses tempos tão
estranhos...
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