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A gripe espanhola na Feira há 100 anos

Publicado originalmente em Maio/2020

Pouco mais de cem anos depois de a Feira de Santana ter enfrentado a temível epidemia de gripe espanhola – que contaminou 500 milhões e matou 50 milhões de pessoas mundo afora, logo após a Primeira Guerra Mundial –, o município – e o planeta – se veem às voltas com a pandemia do novo coronavírus. Ao longo da História os feirenses enfrentaram uma série de enfermidades – varíola, tifo, paratifo, malária, febre amarela –, mas a chamada influenza espanhola foi marcante na memória local.

Quem aqui esteve e escreveu sobre o episódio foi o historiador norte-americano Rollie Poppino, autor do clássico “Feira de Santana”. Num capítulo específico sobre a saúde pública no município, entre 1860 e 1950, ele relata: “A influenza espanhola (...) foi o único mal exótico, a aparecer, com caráter epidêmico, em Feira de Santana, durante os noventa anos que se iniciam em 1860”.

Vai completar 102 anos em outubro que o município registrou os primeiros casos: “O primeiro caso, uma forma de influenza muito fraca, registrou-se nos meados de outubro de 1918”. Logo adiante, o número de casos se ampliou, mas a princípio sem sobressaltos: “A primeiro de novembro, mais de duzentas pessoas tinham sido atacadas, sempre ainda de maneira benigna”.

Pouco depois a situação piorou: “Após mais três semanas, contudo, sobreveio uma influenza de natureza violenta”. Houve uma ampla mobilização para conter a gripe: “Todos os serviços médicos foram convocados para acudir ao mal, porque pelo menos três mil casos se contavam a 20 de novembro e oito mortes já se atribuíam a essa causa”.

Naqueles tempos, o feirense não contava com serviço público de saúde para enfrentar a epidemia. Tempos depois, já na década de 1950, ainda havia forte dependência dos serviços particulares ou da caridade. É também Poppino quem registra: “Em 1950, praticamente todos os hospitais do município eram ainda dirigidos por sociedades privadas”.

Três mil casos de gripe espanhola representavam boa parte da população: segundo o próprio Poppino, o Censo de 1920 – o mais confiável levantamento até então – registraria 77 mil habitantes no município. A Feira de Santana, à época, era a terceira maior cidade baiana, perdendo apenas para Salvador e Santo Amaro.

Quais os desdobramentos da epidemia no município? O próprio Poppino arremata: “A epidemia só desapareceu, quase subitamente, na segunda semana de dezembro, no dia 14”. A pressão sobre os serviços de saúde foi imensa, num intervalo curto: “Conquanto nesses dois meses o total de casos excedesse de cinco mil, os falecimentos, contudo, foram em número insignificante. Pouco mais do que vinte pessoas morreram de influenza, por essa época, no município”.

As páginas do centenário jornal Folha do Norte – uma das fontes consultadas pelo historiador em suas andanças pela Feira de Santana – registraram a epidemia à época. O que mais matava o feirense, porém, eram a pneumonia, a tuberculose, além das doenças venéreas e dos parasitas intestinais. O regime alimentar e as condições de vida de boa parte da população impulsionavam essas doenças, espantava-se Rollie Poppino.

Será que a mobilização para enfrentar a influenza espanhola, à época, era compatível com os esforços para enfrentar o Covid-19 nos tormentosos dias que correm? É bem possível. E é possível também que a pandemia em curso acabe se tornando o maior desafio da saúde pública aqui na Feira de Santana. Pelo menos até agora.

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