Escrevo, atipicamente, na noite de sábado. Normalmente, os sábados são dedicados à vida social, aos encontros, àquela cota de prazer e liberdade que se encaixa tão bem no atribulado dia-a-dia. A pandemia, porém, subverteu a rotina. Mais: subverteu a própria vida. Pelo menos por enquanto. E, na noite de sábado, deparo-me com o som do teclado que me embala e com a tela luminosa do computador.
Lá
fora quase tudo é silêncio. Às vezes, surgem vozes na rua e os pneus dos
automóveis deslizam com aquele ruído característico sobre o calçamento. As
luzes alaranjadas da iluminação pública são tristes, melancólicas. O reflexo
delas sobre o calçamento também é triste, melancólico. Paira um silêncio denso
sobre o casario que se estende em direção ao centro da cidade. E lá no centro
da cidade há escuridão e mistério.
Os
painéis a neon da avenida Maria Quitéria invocam, aflitos, uma alegria fugaz.
Só que o céu de poucas estrelas dissipa este sentimento efêmero. Nem a
lembrança da manhã de domingo – a expectativa é de uma bela manhã ensolarada de
outono – conforta.
Não
sei por quê, mas nesses tempos de pandemia teimei em recordar a infância. Nela,
as noites de sábado ocupavam um lugar especial. Eram agitadas essas noites no
largo da feirinha do Sobradinho. Morei lá perto.
À
distância, viam-se os vultos das barracas montadas, as sombras dos feirantes
deslizando, silenciosas, nos preparativos para a manhã de domingo. No bar da
esquina, canções populares numa antiga radiola. Às vezes, bêbados cantavam,
felizes. Outras vezes havia altercações, algazarra, impropérios.
Lembro
de uma antiga canção cuja letra dizia: “eu vou pra Belém do Pará”. Alguém
sempre cantava, insistente e desafinado. Seria algum paraense saudoso de sua
cidade longínqua? Ou algum baiano que se aventurou por lá e trouxe saudades?
Esta dúvida nunca se desfez. Muito tempo depois conheci a chamada capital da
Amazônia. E, lá, lembrei do cantor noturno nas sombras da feirinha.
Ouço
agora, lá fora, o inesperado trote de cavalos. Castigam, com suas ferraduras,
os paralelepípedos azulados. Animam a noite de sábado. E outras lembranças
infantis vêm à mente, imperiosas. Acredito que, em tempos de incerteza, a mente
vai buscar, caprichosa, o conforto e a segurança dos tempos de criança.
Talvez
seja um exercício salutar. Acredito que sim. Mas, na pior das hipóteses,
dispersa o horror do noticiário sobre mortos e contaminados, sobre a falta de
rumo do Brasil que, noutros tempos, era exaltado como o País do futuro.
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