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Mostrando postagens de 2021

A retomada da rotina no pós-pandemia

  Aqueles entardeceres cinematográficos estão de volta e sinalizam para a chegada da primavera aqui na Feira de Santana. Outros sinais também são visíveis: o calor crescente – mesmo que à noite a temperatura caia um pouco – as flores desabrochando, os pássaros se reproduzindo, a alvorada que encurta as madrugadas. Oficialmente, a estação começa apenas na quarta-feira, no fim da tarde. Mas já há um clima de primavera no ar, o que qualquer observador atento consegue captar. A partir da primavera, os feirenses começam a se deslocar para as praias. Os mais endinheirados, ultimamente, elegeram o badalado litoral norte baiano como destino preferencial. Mas há quem mantenha a predileção pela região de Morro de São Paulo. E o povão? Muitos “descem” para Salvador aos domingos ou se espalham pelas praias ao redor da Baía de Todos os Santos. Há disparidade também nos meios de locomoção: quem tem grana desfila em caminhonetes possantes, em automóveis de luxo. O povo, tradicionalmente, embarca

A Feira que se deseja para 2033

  Daqui a doze anos a Feira de Santana completa 200 anos de emancipação. Isto lá em 2033. Estas datas redondas costumam render homenagens, festas, celebrações e, às vezes, acalorados debates e alguma reflexão. Mas, por enquanto, neste 2021, o município completa o seu 188º aniversário. Não é data redonda, mas devia despertar discussões sobre o seu futuro. Sobretudo neste grave momento de pandemia, quando são densas as incertezas sobre os próximos anos e se vive o luto pelos mais de mil mortos pela Covid-19. Qual é a Feira de Santana que se deseja para 2033? A pergunta devia orientar as ações dos governantes, inspirar o planejamento para os próximos quadriênios. Não sei se a prefeitura feirense dispõe de um plano de longo prazo que abranja esse período e também não sei se, caso exista, este plano hipotético inspira os planos plurianuais, que são de elaboração obrigatória. O do próximo quadriênio, a propósito, deve estar em tramitação na Câmara Municipal. O fato é que, sem planejament

O centro vai ficar novo, mas sem alma

  Percorri algumas ruas do centro da Feira de Santana e testemunhei a evolução das obras do Novo Centro, que vai ganhando formatação definitiva. Calçadas largas, atraentes para o pedestre, mais confortáveis. Vai ficar tudo muito bonito. Mas, sem o tradicional comércio de rua que faz a fama da Princesa do Sertão, tudo ficará sem alma. A Prefeitura pretende, agora, remover os feirantes, com suas frutas e verduras, da Marechal Deodoro. Hoje (14) houve mais uma manifestação destes trabalhadores. O que restará, então? Pelo jeito, amplos espaços vazios, sem gente e sem alma. Não, não se trata de defender sujeira, degradação e ocupação desordenada e irracional, que inclusive decorreram da própria omissão do poder público nas últimas décadas. Gente sem traquejo com ideias considera que, ou é o havia antes, ou aquilo que a Prefeitura está fazendo. Sem opções intermediárias. Sigo concedendo-me o direito de pensar em alternativas. Não havia a possibilidade de erigir o Novo Centro com ocupação

O ninho da andorinha junto à janela

  Ainda faltam alguns dias para a primavera, mas a reprodução dos pássaros começou. Notei ontem à noite. Nos intermitentes – mas solenes, cheios de presságios – silêncios da noite de domingo, às vezes ouvia um pi-pi-pi débil, suplicante. Calava-se e, mais à frente, retornava para, mais uma vez, silenciar. Atento, apurei os ouvidos e um inconfundível sacudir de asas desvendou o mistério. O vão do aparelho de ar-condicionado abriga um ninho, com filhotes, como costuma acontecer nas primaveras. Curioso, tentei descobrir quem são os vizinhos. Mas tudo que flagrei foi um voo assustado quando, desastradamente, apareci na janela. Julguei distinguir um dorso azulado, reluzente à luz do sol do fim do inverno. Mas posso ter me enganado, apesar de intuir a navegação precisa das andorinhas. Num intervalo de trabalho, decidi me dedicar a uma espécie de campana, durante alguns minutos. Sem sucesso. Fui presenteado, porém, com uma cena pitoresca: um iracundo bem-te-vi cortando o céu, tangendo do

Mortes por Covid-19 seguem em queda na Feira

  A Feira de Santana está vivendo o momento mais tranquilo em relação à pandemia da Covid-19 em 2021. Desde o dia oito de agosto que a média móvel de mortes suspeitas ou confirmadas da doença está em apenas um caso diário. São, portanto, 33 dias, um recorde no ano. Média semelhante só se verificou em fevereiro, em duas ocasiões, com 15 dias consecutivos na mais longa delas. Todas as informações são da Central de Informações de Registro Civil – CRC Nacional e podem ser acessadas no site < https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid >. Mas, apesar do recuo, foram notificadas 19 mortes confirmadas ou sob suspeita por Covid-19 desde oito de agosto. No total, são 1.070 mortes já, num intervalo de aproximadamente 18 meses. Os números trazem alívio – e a esperança de que a doença, efetivamente, seja contida no médio prazo – mas é bom lembrar que a pandemia não acabou e que cuidados elementares como usar máscara e evitar aglomerações seguem essenciais. Outra boa notícia

O 11 de Setembro de 2001 na Feira

  – Um avião bateu contra o World Trade Center lá em Nova Iorque... A notícia chegou no fim da sessão da Câmara Municipal aqui da Feira de Santana. Quem a trouxe, nem recordo. Mas sei que não atribuiu grande importância. Assim, julguei o fato um acidente, talvez um aviãozinho qualquer tivesse se chocado por acaso contra uma das Torres Gêmeas. Naquela época, o frenesi pela busca por informações nos aparelhos celulares ainda estava distante. Segui a rotina, despreocupado. Por alguma razão, fui à avenida Getúlio Vargas naquela manhã ensolarada, típica do fim do inverno. Lá, recebi a ligação de um amigo fornecendo detalhes, informando que fora um atentado de grandes proporções. Descreveu as cenas vividamente, sua agitação ao telefone contrastava com os pios tranquilos dos pardais nos oitis das cercanias da Praça de Alimentação. Apressei o passo em busca de uma tevê. Muita gente fez o mesmo, naquele e nos dias seguintes. Embora pouco afeito ao noticiário internacional, o feirense par

Sobre lampiões, lamparinas e fifós

  Lembro que, na minha infância, encantava-me ir ao Centro de Abastecimento e ver, em exposição, dezenas de apetrechos indispensáveis à vida no campo. Ficavam à venda naquele galpão intermediário, perto dos extintos boxes de artesanato. Um dos artigos que mais despertava a minha atenção era as lamparinas – ou fifós ou lampiões – exibidas em alinhadas fileiras. Nunca esqueci do metal fosco, sem brilho, muito empregado na fabricação daquele artefato rudimentar de funileiro. – O que é isso? Indaguei, curioso, certa vez, a meu pai. Ele riu muito e explicou que aquilo servia para a vida na roça. Iluminava as noites de quem não dispunha do conforto da energia elétrica, das lâmpadas. Fiquei estarrecido: inimaginável a vida no escuro, à noite.   Depois, às vezes, via na tevê casas pobres iluminadas por candeeiros, lamparinas e fifós no interior remoto do Brasil. Passei a associar o artefato ao atraso, a um tempo que tendia a desaparecer. No fim da tarde de hoje (31) li que vão criar nova

Talibã, crise energética e o mulá Jair

  Lembro que, há vinte anos, em 2001, dois temas dominaram o noticiário durante boa parte do ano: no primeiro semestre, no Brasil, uma crise hídrica que levou ao racionamento de energia elétrica e desgastou bastante o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A partir de 11 de setembro, o atentado às torres gêmeas, em Nova Iorque, projetou o Talibã, a Al Qaeda de Osama Bin Laden e o Afeganistão. Ironicamente, exatamente duas décadas depois, eis os dois temas de volta ao noticiário. Comentários de especialistas indicam que é grande o risco de apagões e racionamento de energia no Brasil. O deplorável governo de Jair Bolsonaro, o “mito”, começou fingindo que o problema não existe. Diante da realidade incontornável, ensaia reações patéticas, confusas. Como uma crise energética prejudica a campanha à reeleição, mente-se apostando – canhestramente – que o brasileiro, distraído, nem vai perceber o problema. O roteiro que se desenha, aliás, é bastante previsível. Primei

Transporte coletivo: da crise intermitente ao caos permanente

  A semana começou com mais um capítulo da interminável crise que envolve o transporte coletivo na Feira de Santana. Greve dos rodoviários reivindicando reajuste salarial, ônibus retirados das garagens pelas empresas, acusações, nota aqui, nota ali... enfim, um quiproquó terrível. Desde o começo da pandemia, aliás, que a situação se deteriorou de vez: antes, as crises eram intermitentes, embora os serviços sejam sofríveis há muito tempo. Agora, as crises tornaram-se permanentes, viraram caos. Há tempos que a qualidade do transporte coletivo na Feira de Santana só decai. Constatar isso é fácil: basta sair indagando à população, aos rodoviários mais antigos. A Prefeitura até teve uma oportunidade para qualificar o sistema com a licitação de 2016, mas desperdiçou: a melhora foi transitória e, pouco depois, os problemas crônicos retornaram. Complicando tudo, neste período a Feira de Santana passou por uma drástica reconfiguração urbana que, ao que parece, escapou à percepção dos planej

Vacinação avança com imunização de jovens

  Vi com entusiasmo imagens de uma longa fila de jovens na Uefs para tomar a vacina contra a Covid-19. Ao contrário do que muitos supunham, os mais jovens também estão comparecendo às unidades de saúde e aos postos de vacinação para se imunizar. As cenas sinalizam que, talvez nos próximos meses, a doença esteja sob controle de fato e os números declinem de vez. Torcendo-se, claro, para que não surjam novas variantes que comprometam a eficácia dos imunizantes. Consultando informações da Prefeitura, constatei que, até ontem (24), 360,8 mil pessoas tinham tomado a primeira dose na Feira de Santana. Destas, 155 mil completaram o ciclo vacinal com as duas doses e oito mil tomaram vacina de dose única. Falta muito ainda para que 70% da população esteja imunizada, com as duas doses no braço. Mas não há dúvida de que, nos últimos meses, o processo se acelerou. É óbvio que segue morrendo muita gente com a Covid-19. O Brasil aproxima-se dos 600 mil mortos pela doença, o que representa uma tr

Até o carro do ovo sumiu

  – Até o carro do ovo anda sumido! Ouvi o comentário no fim de semana. Apesar das limitações da pandemia, andei pesquisando, indagando, inquirindo.   Por fim, descobri que a observação procede. Em bairros mais populosos, ainda há vendedores se aventurando, às vezes, mas o preço subiu: 30 ovos saem por R$ 15. É caro: quando os carros do ovo se popularizaram, vendedores estridentes anunciavam 40 unidades por R$ 10. Até 2014 os petistas jactavam-se que trabalhador podia, finalmente, comer filé, fazer churrasco. A crise econômica que eclodiu no ano seguinte dissolveu essas fantasias. Foi aí que os carros do ovo surgiram, onipresentes, circulando até pelos bairros elegantes das grandes cidades brasileiras. Um dos símbolos da gestão Michel Temer (MDB-SP) – o mandatário de Tietê que aplicou uma rasteira no petê em 2016, apeando-o do poder –, o carro do ovo parecia sinalizar a derrocada do brasileiro, o fundo do poço. Depois do filé, o ovo, triste reencontro com a opção proteica que mar

Próxima reforma trabalhista terá grilhões e chicotes?

  Sorrateiramente a Câmara dos Deputados aproveitou a pandemia da Covid-19 e os estridentes faniquitos de Jair Bolsonaro, o “mito”, sobre o voto impresso, para aprovar uma draconiana – mais uma! – contrarreforma trabalhista. Agora, as empresas estão liberadas até para contratar 20% de sua mão-de-obra sem direitos trabalhistas. Férias, décimo-terceiro salário e fundo de garantia foram abolidos. Num arroubo de generosidade, pouparam o trabalhador dos grilhões e do chicote. Talvez fique para a próxima contrarreforma. Os governistas – essa turma que apalpa polpudos contracheques – acenam com mais empregos. Balela: essa mentira começou a ser contada no alvorecer do governo de Michel Temer (MDB-SP), o mandatário de Tietê. Seriam gerados milhões de empregos. Os resultados estão aí, à vista de todos. O País vive batendo recordes de desempregados e de precarização no trabalho. A sórdida manobra, que revogou boa parte do que restava da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, vai alvejar so

Sinais de Vida

  A menina que canta no pavimento superior de uma casa de esquina. Cinco anos? Por aí. A vozinha se espraia pela rua silenciosa na Barroquinha. O estudante do Assis Chateaubriand com suas manobras espalhafatosas a bordo de uma bicicleta. A trinca de garotos endiabrados que atravessa a rua na Queimadinha, cantando, batendo palmas, contentes, infantes. A tarde de agosto que agoniza no céu sem nuvens. – Olha a cebola, olha o tomate, freguesa! A negra idosa que passa pela rua vendendo verdura, com seu carrinho multicolorido, bonito, na manhã radiosa de inverno. As nuvens encardidas deslizando no céu feirense lembram morrotes bem recortados e somem detrás das fachadas manchadas dos prédios baixos, de poucos pavimentos. O entregador de gás, apressado, manobrando a moto com perícia, a estudante ansiosa, do Assis Chateaubriand, que voltou às aulas. – Chip da Tim, Claro, Oi, Vivo! As moças que gritam no calçadão da Sales Barbosa, vendendo chip. A dupla que proseia, descompromissada, aos

O desfile da fumaça ou da Venezuela ao Afeganistão

  Sempre fui um ávido leitor sobre a História política do Brasil do século XX. Sobretudo aquela que se refere à ditadura militar. Embora não tenha ambições de historiador ou de cientista político – nem método ou formação acadêmica – aprendi bastante, desenvolvi algumas ideias e alimentei muitas curiosidades. Uma delas foi vendo fotos da quartelada de 1º de abril de 1964. Os milicos nas ruas, o povo espremido nas calçadas, aquela apreensão que se capta nos semblantes. O que pensa alguém que vê um tanque de guerra na rua numa situação desta? Sempre me perguntei. Hoje tive a oportunidade de matar a curiosidade. Confesso, desde já, o desapontamento. Esperava uma daquelas paradas dignas da União Soviética, da China ou – vá lá – até da Coreia do Norte. Os velhos veículos passando espaçadamente, soltando tufos de fumaça preta, sob os aplausos delirantes da meia-dúzia de lunáticos que ainda encorpam a claque foi, realmente, constrangedor. Mas não foi só isso. É terrível perceber que o cida

Entreguista na economia e totalitário nos costumes

  – O governo é entreguista na economia e totalitário nos costumes! Ouvi a frase num encontro casual no centro da Feira de Santana. Chovia miúdo e o interlocutor estava apressado. Tentei estender o papo, dar-lhe crédito pela frase, mas ele dispensou a deferência com um gesto de desdém. É amigo há décadas, dos fervilhantes tempos de estudante, de pouca grana e muitos sonhos. Despediu-se com uma saudação impaciente e seguiu adiante, insatisfeito com a chuva que lhe embaçava os óculos. Trafegando pela Carlos Gomes – o movimento continua fraco, o povo está sem dinheiro e com medo da Covid-19 – matutava sobre a frase de efeito. Não deixa de ser frase de efeito, mas traduz bem estes tempos tormentosos. Cheguei à constatação quando aguardava para atravessar a Senhor dos Passos, entre motoristas impacientes e pedestres imprudentes. Reparando bem, se o califado bíblico que os acólitos de Jair Bolsonaro, o “mito”, almejam saísse do papel, isso aqui faria inveja ao Talibã, ao próprio Estado

A pendenga da LDO no Legislativo feirense

  Impressionante a pendenga envolvendo a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) na Câmara Municipal aqui da Feira de Santana. Pelo jeito, a atual legislatura é traquejada em temas áridos como planejamento e orçamento. Provavelmente no segundo semestre o caldo vai entornar ainda mais. É que, nele, será apreciada a Lei Orçamentária Anual, a LOA, e, ainda mais importante, o Plano Plurianual, o PPA. São conteúdos mais candentes que a LDO. Juntos, PPA, LDO e LOA compõem o tripé dos instrumentos de planejamento legados pela Constituição de 1988. O Plano Plurianual tem vigência de médio prazo e abriga diretrizes, objetivos e metas da administração pública para um intervalo de quatro anos. É elaborado logo no primeiro ano de mandato, estendendo-se pelo quadriênio seguinte. No ciclo do planejamento, é o instrumento mais estratégico, com horizonte temporal mais amplo. A LDO – motivo de tanta celeuma aqui na Feira de Santana – desempenha função tática, articulando o estratégico (O

Dúvidas sobre o Novo Centro

  – Não estou pegando corrida pro centro da cidade, não. Não compensa. Só o tempo que eu fico por lá, em engarrafamento... Quem fez o comentário foi um motorista de aplicativo. Isso numa manhã chuvosa de julho, a Feira de Santana enlameada. Segundo ele, o problema vai persistir depois da conclusão das obras. Afinal, haverá estreitamento das pistas, as calçadas estão sendo alargadas. E o volume de veículos, obviamente, não vai diminuir. – Não sei como vai ficar, não... – Acrescentou, desolado. Todos notam que as obras estão avançando. A princípio, o centro vai ficar muito mais amigável para o pedestre, pois as calçadas são largas e, pelo que se comenta, camelôs e ambulantes foram definitivamente desterrados para as cercanias do Centro de Abastecimento. Sobrará espaço para tranquilas caminhadas. Algo semelhante àquilo que está acontecendo em Salvador, cujo Centro Antigo está sendo revitalizado. Uma questão que veio à tona no papo com o motorista de aplicativo, porém, inquieta. O

O hábito antigo de ouvir rádio

  Os longos meses de pandemia me reaproximaram do rádio. A gente mais velha e do interior é propensa ao aparelho, pois ele informa, alegra, tange os silêncios inconvenientes e, mais recentemente, até ajuda a espantar a solidão do isolamento social. Cultivo o hábito de manter um aparelho, ligá-lo diariamente: confesso que o celular e o fone de ouvido matam muito da espontaneidade do rádio, de sua casualidade, de sua alegria. Não sei explicar. Talvez seja caturrice de quem vai ficando velho.   O rádio tem os seus momentos mágicos: quando toca uma música que desperta um sentimento qualquer ou quando – naqueles informes que se sucedem o dia inteiro – há uma referência a uma rua, a uma cidade ou a um lugar remoto perdido por aí, provocando uma terna saudade, a lembrança de um momento distante na vida. Por alguns instantes, o ouvinte mergulha no passado. Depois, o sentimento se desfaz. Cresci ouvindo as antigas emissoras AM. Aliás, no começo dos anos 1980 as emissoras FM eram novidade. C

Noite chuvosa de sábado

  O sábado foi de chuva persistente e frio suave na Feira de Santana. Até o meio-dia via-se gente se aventurando pela rua, enfrentando a garoa que, em alguns momentos, caía feito chicotada. À tarde o movimento começou a declinar. E, agora à noite, os pedestres são ainda mais escassos. Quem passa, enverga agasalho, cabisbaixo para não expor o rosto ao vento e à chuva. Mas quase ninguém passa. Até mesmo o movimento de veículos é mais raro. Ouço o som vivo da água escorrendo pelo encanamento. Quando se chega à janela, ouve-se e se vê o vento sacudindo as copas encharcadas das sibipirunas, revoltas, o balanço indócil das palmeiras imperiais. Não sei por quê – talvez exatamente por causa da chuva – a noite de sábado vai escorrendo com aquela melancolia típica das noites de domingo. Tento ouvir músicas distantes, qualquer ruído que afugente a quietude, mas é inútil. Note-se que, na segunda-feira, é feriado na Feira de Santana. Celebra-se Senhora Santana. Mas nem a perspectiva de um domin

Pandemia já matou mais de mil na Feira

  O ritmo de mortes confirmadas ou sob suspeita por Covid-19 caiu na Feira de Santana em julho, embora ainda faltem alguns dias para o final do mês. Até hoje (23), de acordo com a Central de Informações de Registro Civil – CRC Nacional, foram contabilizados 52 óbitos suspeitos ou confirmados. É o menor número desde fevereiro, quando ocorreram 44 registros. Todas as informações podem ser encontradas no endereço eletrônico https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid . Basta acessar e personalizar a própria pesquisa. O mês mais funesto da pandemia foi junho, com impressionantes 117 registros. Na sequência vem março (111), maio (106) e abril (96). Note-se que o CRC Nacional contabiliza o óbito na data em que, efetivamente, ocorreu. Somando tudo há, até esta sexta-feira, 1.027 óbitos confirmados ou sob suspeita de Covid-19. O levantamento conduzido pelo portal de notícias da Rede Globo, o G1, indica número muito próximo: 1.015 registros. Ou seja: de cada 600 feirenses, um mo

Conversa de Mercadinho

  Eram cinco bebendo no mercadinho de periferia. Fim de manhã de sábado. Escuro – lâmpadas apagadas para economizar energia –, mal ventilado, piso encardido. Sobre o antigo freezer repousavam dois pratos com restos de sardinha enlatada e mortadela, lambuzados de farinha. Talheres sujos, jogados com displicência. Num canto, descansavam as garrafas de cerveja barata – o popular litrinho , como diz o baiano – já enxugadas. Conversavam aos berros, reforçando os argumentos com gestos enfáticos. – Patifaria da zorra essa no Ministério da Saúde! Imagine! Um dólar por dose de vacina! Quatrocentos milhões de doses de vacina! Quanto é que dá isso, ô Renato? O que falava ostentava camiseta regata, a pança projetando-se no tecido azul. Renato, no caixa, ficou calado. Preferiu não se enfronhar naquela refrega. Talvez não soubesse a cotação do dólar na véspera. O mais velho, de barba rala e cabelos grisalhos, comentou, espantado: – E tudo caro. Olha o preço do gás, da luz, do remédio. Carne n

Feira desponta em mais um ranking da violência

  – Todo dia morre um na Feira! O comentário é comum nas movimentadas esquinas do centro da cidade, nos corredores apinhados do Centro de Abastecimento, nos botequins espalhados pelos bairros, na periferia enlameada, na chuvosa zona rural de julho, provavelmente até nas repartições públicas, nos ambientes corporativos das empresas e nas pacatas salas de jantar. O teor dos comentários, evidentemente, varia conforme a orientação ideológica dos interlocutores, o nível de renda, o grau de instrução, a fé que professam e por aí vai. Hoje (15), a divulgação das informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública com certeza animou as rodas de conversa. Segundo o levantamento – conduzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública – a Feira de Santana ostenta o 18º lugar no ranking da letalidade policial. Segundo o levantamento, 47 pessoas foram mortas em decorrência de intervenção policial ano passado por aqui. À frente da Feira de Santana há capitais (Rio de Janeiro, São Paulo, Salv

Média de mortes por Covid-19 volta ao patamar de fevereiro em Feira

  A Feira de Santana voltou à média móvel de uma morte suspeita ou confirmada por Covid-19 no sábado, dia 10. É espantoso, mas não se alcançava este patamar desde o longínquo dia 26 de fevereiro, há quase cinco meses. A partir de então, a média móvel oscilou sempre acima de dois óbitos, alcançando o teto de quatro durante um longo período. Junho, inclusive, foi o mês em que mais se permaneceu neste patamar. As informações são da Central de Informações de Registro Civil – CRC Nacional e estão disponíveis para consulta no endereço eletrônico <https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid>. Apesar do arrefecimento da quantidade de mortes, infelizmente a Feira de Santana aproxima-se do funesto número de mil óbitos suspeitos ou confirmados de Covid-19. Até hoje (12), o CRC Nacional cravava 985 mortes nestas situações. É bom lembrar: isto significa que, de cada 600 feirenses, pelo menos um provavelmente morreu da doença desde o primeiro semestre do ano passado. Uma catást

Somos todos Botelho?

  “Mas a sua grande paixão, o seu fraco, era a farda, adorava tudo que dissesse respeito a militarismo, posto que tivera sempre invencível medo às armas de qualquer espécie, mormente às de fogo. (...) a presença de um oficial em grande uniforme tirava-lhe lágrimas de comoção; conhecia na ponta da língua o que se referia à vida de quartel; distinguia ao primeiro lance de olhos o posto e o corpo a que pertencia qualquer soldado e, apesar dos seus achaques, era ouvir tocar na rua a corneta ou o tambor conduzindo o batalhão, ficava logo no ar, e, muita vez, quando dava por si, fazia parte dos que acompanhavam a tropa. Então, não tornava para casa enquanto os militares não se recolhessem”. O trecho é do romance “O Cortiço”, do escritor maranhense Aluísio Azevedo. O parágrafo refere-se a uma personagem secundária na obra, Botelho, um sujeito que vivia de favor – um agregado – na casa de um comerciante português. Era uma espécie de sabujo. O livro foi publicado em 1890, no alvorecer da Repú

Diálogo sobre política na Sales Barbosa

  – E o presidente, hein? O outro até tentou escapar. Mas o interlocutor alcançou-o com pernadas vigorosas. Praticamente deslizara sobre os bloquetes do piso intertravado da Sales Barbosa. Então ele espichou o olhar, aflito, à espera de uma hecatombe qualquer que interrompesse aquele papo, sob o chuvisco miúdo, o céu londrino. Mas a hecatombe não veio. O jeito foi se conformar. Esperou. – Rapaz... o que é que está acontecendo? Você aí desanimado, meio caído. Fique assim, não. Quero você altivo como era, defendendo o homem, gritando que ele é incorruptível, xingando os comunistas pelas esquinas, chamando-os de ladrões, de esquerdopatas. – Olha, tô meio apressado... – É coisa rápida. Homem, tudo isso é coisa dos comunistas, não acredite, não. Estão fazendo o diabo pra prejudicar. E não são só os comunistas da imprensa, os ambientalistas, o pessoal das universidades, essa turma manjada, não. Tem mais conspirador... Aí aproveitou para sussurrar, mesmo com a Sales Barbosa quase de

Sensações na Rio-Santos numa radiosa manhã de junho

  Nunca havia pensando nisto, mas sempre tive uma identidade mais sólida com a BR 116. É que, além dela praticamente ser uma via urbana na Feira de Santana, sempre me desloquei por ela em inúmeras viagens, nas mais diversas situações. Nos tempos fervilhantes de movimento estudantil, conheci-a até Fortaleza, em algumas viagens; deslocando-me em direção ao Sul, percorri-a até Porto Alegre. Isso para não mencionar viagens aqui mesmo pela Bahia, que sempre implicam percorrê-la. Com a BR 101 – a emblemática Rio-Bahia – sempre cultivei uma relação mais distante. É que ela passa fora da Feira de Santana. Também percorri longos trechos, em viagens fragmentadas, de João Pessoa até Vitória. Percorri também um trecho de belas paisagens, entre Porto Alegre e Florianópolis – num radioso dia de primavera – mas nunca alimentei grande apreço pela BR 101. Talvez seus trechos perigosos, as suas curvas, sua vocação litorânea – que atrita com minhas raízes sertanejas – justificassem o sentimento. O fa

As “boquinhas” e o caso Covaxin

  “E se o servidor que denunciou o esquema da Covaxin não tivesse estabilidade no cargo”? Nas fervilhantes mídias sociais deparei-me muitas vezes com esta pergunta, desde que o escândalo veio à tona, semana passada. Vá lá que o servidor tem costas parcialmente quentes – é irmão de um deputado federal – mas, sem estabilidade, seguramente ele não teria como fazer a denúncia. Pois é justamente a estabilidade dos servidores públicos que está em xeque na contrarreforma administrativa que o desgoverno de Jair Bolsonaro, o “mito”, tenta aprovar no Congresso Nacional. Esse papo de produtividade, avaliação, resultados – num contexto sério, é bom frisar, são questões essenciais –, que essa turma vomita por aí, é tudo empulhação: o que querem é institucionalizar as “boquinhas”. Pior ainda: caso seja conveniente, perseguir desafetos, rifar inimigos. O que essa gente deseja é evidente: empregar filhos, esposas, tios, primas – até cunhados – e os cabos eleitorais, a claque que faz correria em pe