Publicado originalmente em Junho/2020
– Vamos torcer para isso acabar logo. Não vejo a hora de poder trabalhar sem máscara. Esse troço incomoda, sufoca. Mas tem que se proteger, fazer o quê?
Trajando
farda azul, o cidadão media o consumo de energia elétrica e imprimia recibos.
Ele trabalha de porta em porta, para a empresa concessionária do serviço. A
frase veio quando arrematava a tarefa. Despediu-se e, lépido, seguiu adiante. O
desencanto no tom de voz não passou despercebido. Intuí uma esperança trêmula,
hesitante, e, talvez, algum desespero com o prolongado calvário do novo
coronavírus.
Mais
tarde passou o entregador de botijões de gás. Com firmeza e rapidez manuseou o
recipiente que retirou de um caminhãozinho com a colaboração de um ajudante
jovem. Colocou o botijão no chão, recebeu o pagamento, passou o troco. Por fim,
despediu-se com uma mensagem otimista:
–
Vamos sobreviver, vamos superar isso – Assegurou. Notei a mesma inquietação na
voz, a hesitação, o pânico de quem teme que a pandemia se arraste
indefinidamente. Depois embarcou no veículo e arrancou com uma manobra ágil.
Fiquei
remoendo um pouco essas angústias e inquietações, sob o sol da manhã de julho.
Até me distraí examinando o jardim de cravos-de-cristo. A planta, impregnada de
espinhos, também ostenta florezinhas mimosas. No emaranhado de galhos, aranhas
tecem teias engenhosas, cujos fios reluzem sob o sol. O silêncio dessa labuta
só é rompido pelo zumbido das abelhas, que sobrevoavam as flores. Apesar da pandemia,
a natureza mantém seus pequenos espetáculos cotidianos.
O
fato é que o brasileiro já está enfastiado com o prolongado isolamento social,
com as restrições à antiga rotina, com as agruras econômicas que vão se
avolumando. Já não há só fastio. É mais, até, que mal-estar. Percebo – nos
olhares da gente que circula pelas ruas com suas máscaras – um desespero surdo,
um desânimo que vai se fincando raízes. Talvez o anseio pelo retorno à
normalidade a qualquer preço – mesmo com a Covid-19 fazendo estragos – derive
deste sentimento.
Pior
é que, pelas estimativas dos especialistas, sequer se chegou ao pico da
pandemia. Depois dela virá o platô para, só em seguida, o horror começar a
declinar. Os prognósticos mais otimistas projetam o começo do declive somente em
agosto. No fundo, a angústia e o desespero não derivam desse script, comum em qualquer pandemia. A
falta de um rumo para o País, de qualquer orientação ou planejamento, é o que
atordoa o brasileiro comum. Ele não verbaliza, não racionaliza, mas sente essa
desorientação. E se angustia.
Na
terça-feira (07), o comércio fecha novamente na Feira de Santana, porque a
estrutura hospitalar do município aproxima-se do colapso. Com tanta gente na
rua era previsível, até para o leigo mais distraído. Mas como garantir o
isolamento num país tão desigual, prenhe de carências e dificuldades? Poucos
discutem a questão, essencial para se entender a devastação da Covid-19.
Infelizmente
a semana começa com as angústias renovadas. E lá se vão quase quatro meses
desde o começo dessa tragédia que parece não ter fim...
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