Publicada originalmente em Julho/2020
A morte sempre despertou, em mim,
um sentimento de desolação. Não consigo ver com naturalidade as estatísticas
que desfiam mortos em acidentes automobilísticos, na epidêmica violência urbana
ou em catástrofes naturais, enchentes, terremotos, seja lá de que forma for.
Atrás de cada número há sempre um rosto e a dor de uma família. Creio que é uma
lição que ficou dos tempos em que militei no jornalismo policial: atrás de cada
nome e de cada rosto que estampava uma página estava a dor dilacerante de uma
mãe, de um familiar desconsolado.
Com a pandemia da Covid-19 não é
diferente. E a sensação de pesar e de impotência – algo nos dilacera quando
descobrimos que não podemos fazer nada – cresceu à medida que a contaminação –
e as mortes – foram se aproximando da nossa realidade. Aquilo que no começo
pareceu um longínquo problema chinês ganhou contornos dramáticos quando alcançou
a Itália e se converteu em tragédia quando se disseminou pelo Brasil. Não tem
sido fácil acompanhar os números aqui na Feira de Santana.
Até ontem (23) foram confirmadas
128 mortes, segundo o boletim da Secretaria Municipal de Saúde. À primeira
vista, a situação do município seria até confortável, diante da catástrofe que
se viu noutros lugares do Brasil. Mas é preciso um pouco mais de atenção antes
de sair por aí, circulando, feliz, imaginando que o pior já passou.
Desde segunda-feira (20) foram
confirmadas 25 mortes aqui na Feira de Santana. Ou seja: quase um quinto dos
óbitos foi notificado desde aquela data. São apenas quatro dias. O triste
recorde, inclusive, foi quebrado ontem: nove óbitos confirmados, desbancando a
terça-feira (21), com seus oito registros.
Alguns argumentam que são ocorrências
antigas, só agora confirmadas. Tudo bem: a lógica que se aplica ao passado
também vale para o presente. Ou será que todas as mortes dos dias atuais estão
sendo notificadas de imediato? Caso alguma mudança revolucionária para agilizar
as confirmações tenha ocorrido, não chegou ao conhecimento da imprensa.
Bem, as notificações vão se
avolumando exatamente na semana em que o comércio reabre pela terceira vez, com
ousadas inovações. Lojas com mais de 200 metros quadrados – aquelas em que se
aglomeram consumidores sem pressa – também foram reabertas. Creio que os 40
leitos de UTI entregues no Clériston Andrade 2 ancoraram a decisão, que talvez
tenha que ser revista logo lá adiante: 23 leitos já tinham sido ocupados até a
quarta-feira.
Acompanho declarações otimistas
sobre o estágio da pandemia de Covid-19 na Feira de Santana. Torço para que
estejam corretas, embora as medidas adotadas aqui destoem de práticas exitosas
em outros lugares mundo afora. Mas cultivo o direito de seguir cauteloso,
imaginando que o pior não passou, ao contrário do que muitos pensam...
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