E
se a Feira de Santana tivesse crescido para os lados do Rio Jacuípe? Essa
especulação veio à mente quando admirava, aqui da janela de isolado social,
aquela espécie vale que a BR 116 Sul percorre, conduzindo ao Jacuípe, na saída
da Princesa do Sertão. No entorno, colinas curtas, muito verdes nas manhãs de
inverno com o céu limpo. Mais além, montanhas azuis, muito redondas, quase se mesclando
com o azul do céu. Dali para a frente, os sertões estendendo-se, infindáveis,
em direção ao oeste.
Lá
nos primórdios, no século XIX, a antiga povoação foi se expandido voltada para
o norte, para São José das Itapororocas. Era de lá que vinham as extensas
boiadas que iam abastecer de carne Salvador e o Recôncavo pulsante, prenhes de
intensa atividade econômica naqueles tempos. Talvez haja essa reverência
inconsciente à pecuária, o que inspirou a antiga povoação voltada em direção
àquela direção.
Mas
trata-se de mera especulação, exercício que consome tempo nessa época de
pandemia da Covid-19. É mais certo que a simetria em relação a São José –
importante referência populacional naqueles tempos – deva-se à pragmática
inclinação para o eixo vibrante da economia feirense. Afinal, daquelas
cercanias emergiam as boiadas que iam ser negociadas na feira-livre das
segundas-feiras. Aquele era o rumo habitual de quem palmilhava o sertão.
É
possível cogitar, também, que aquela região do Jacuípe tenha sido descartada,
lá atrás, por causa do declive constante que vai até a margem do rio. Expandir
área urbana recorrendo a um declive – quando se dispunha de uma campina quase
perfeitamente plana sem limites – era algo pouco pragmático. E o pragmatismo,
como se sabe, costuma nortear muitas decisões econômicas embora, não
necessariamente, implique na regra.
Mesmo
assim, contornei esses obstáculos e me mantive firme, especulando sobre o hipotético
futuro da Feira de Santana às margens do Jacuípe. Imagino que, caso a cidade se
estendesse até as barrancas que limitam a lâmina d’água, um prefeito visionário
teria, há tempos, investido numa agradável orla fluvial. Um calçadão,
quiosques, atracadouros, equipamentos de lazer e restaurantes servindo o peixe
pescado ali mesmo magnetizariam o feirense, estacando a migração sazonal para o
litoral baiano.
Os
efeitos iriam muito mais longe, alcançando outras dimensões da vida. O feirense
teria menos essa sisudez, essa índole arredia, essa circunspecção comum entre
os sertanejos. A proximidade da água e de seus encantos tornariam o feirense
mais irreverente, mais cordial, mas amistoso, como a gente do Recôncavo. A
vocação comercial da cidade seria temperada por essa simpatia que, talvez, nos
lançasse noutro patamar de civilidade.
Haveria,
também, um inequívoco apelo turístico. O burburinho comum às orlas fluviais –
com seus rumorosos frequentadores, entusiasmados pela vida – talvez atraísse os
endinheirados turistas de negócios. Lá se espalhariam, obviamente, hotéis para
acomodar essa gente, com a tentadora vista para o rio. E quantos empregos
seriam gerados com a dinâmica própria do turismo?
Tudo
isso, porém, é especulação de um começo de tarde ensolarada de domingo. Inútil,
porque nada aconteceu e não é possível editar o passado, como é moda entre
muitos malucos por aí. Creio que o silêncio dos finais-de-semanas – ainda bem as
casacas-de-couro e os bem-te-vis mantém a sonora ração de poesia – favorece
esses devaneios, essas absurdas reflexões. Mas, até nisso, há também um quê de
cogitação. Enfim, enquanto o “novo normal” não se firma, nos concedemos o luxo
dessas estéreis divagações.
Mas
que essas especulações entusiasmam o espírito vadio, disso não tenho a menor
dúvida...
Comentários
Postar um comentário