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Mostrando postagens de março, 2021

A escalada macabra da Covid-19 em Feira

  A marcha macabra da Covid-19 na Feira de Santana ganhou novo impulso ao longo da semana. Os números que atestam a constatação são da própria Secretaria Municipal da Saúde - SMS, mas também do Centro de Informações de Registro Civil – CRC Nacional, que podem ser consultados no endereço eletrônico https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid . Em Salvador e Região Metropolitana, intensas medidas restritivas no mês de março frearam o avanço do novo coronavírus. Por aqui, optou-se por um caminho diverso. Hoje (25), mais sete mortes foram confirmadas na Feira de Santana. O total de óbitos saltou para 524. E o número de infectados no momento – aqueles que estão com o vírus ativo – alcançou 3.284, talvez a maior marca desde o começo da pandemia. O total de novos casos no dia também impressiona: 258. Todos os números são da própria Secretaria Municipal da Saúde. A marcha que o CRC Nacional acompanha considera os casos confirmados de óbito, mas também os suspeitos. Com base n

Vendedeiras, camelôs e ambulantes nas ruas da Bahia ou as voltas que a História dá

  “Um contemporâneo queixou-se de que as ruas de Salvador ‘se acham atulhadas de negras vendedeiras [...] que impedem o uso público aos moradores’”. Não, a frase não é recente. Aplicou-se à Salvador da década de 1830, quando as ruas da Cidade da Bahia povoavam-se com uma multidão de vendedoras que iam de porta em porta ou fixavam-se com tabuleiros e esteiras, comercializando boa parte do alimento que o soteropolitano consumia. Escravas, alforriadas, africanas ou já naturais da Bahia, essas mulheres – quase todas negras e analfabetas – foram pioneiras naquilo que, hoje, batiza-se como empreendedorismo. Seus esforços contribuíram para garantir víveres à população que, até então, não dispunha de um mercado para adquiri-los. A saga dessas mulheres – havia homens também, mas eram poucos – está na obra “Alimentar a cidade: das vendedoras de rua à reforma liberal (Salvador 1780-1860)”. O brasilianista Richard Graham, professor da Universidade do Texas, é o autor. O texto fluido da traduçã

O armistício mercantil do domingo

Domingo é dia de armistício mercantil no centro da Feira de Santana. Tudo é quietude e prevalecem, nele, o silêncio e a solidão. As avenidas congestionadas, os becos apinhados, as praças prenhes do ir-e-vir, os disputados calçadões, neste dia tudo repousa numa trégua frágil. Sim, porque mesmo aos domingos o ambiente recende a comércio, à irreprimível necessidade de circulação do capital. Mesmo que o movimento se limite às farmácias abertas, aos botecos eventuais que abrigam os beberrões que desejam aproveitar o domingo. Não é incomum ver gente atarefada, entretida arrumando a fachada de uma loja qualquer. Ouve-se, então, o grito escandaloso da lixadeira ajustando um painel metálico, um eletricista labutando com fios, corrigindo iluminação, alguém se dedicando a uma tarefa dentro da semiobscuridade de uma loja. Quando falam, o vento propaga o som das vozes, ferindo o silêncio. Pelas esquinas, seguranças examinam os escassos passantes, bocejam, aporrinham-se com a quietude. O voo con

Meia-lua inteira no céu da Feira

  É noite de domingo e bem que eu pretendia escrever sobre a melancolia da noite de domingo. Mas fui à janela e, lá, vi uma perfeita meia-lua no silencioso céu feirense. A visão dissipou essa sensação, que vem à tona mesmo durante a pandemia. “Meia-lua inteira”, lembrei, então, da canção alegre de Caetano Veloso. Em volta, estrelas miúdas cintilando com timidez. Mas distingui as Três Marias que, nos últimos dias, percorrem uma trilha curva, à minha frente, no céu feirense que permanece limpo à noite mesmo depois do começo do outono. As buzinas escandalosas das motos interrompem, com muita frequência, esses exercícios de contemplação. Boa parte dos que se aventuram à noite, durante o toque de recolher, são entregadores de comida. Chegam, desembarcam, ajeitam as bolsas térmicas nas costas, avançam apressados examinando o endereço preciso do cliente e emprestam algum ânimo ao fim da noite. À distância, as silhuetas dos espigões que arremetem contra o céu feirense. À luz do dia são imp

O sombrio outono dos brasileiros

Amanhã acaba o verão. Mais precisamente às 6h38, conforme indica consulta que fiz a um desses sites de previsão do tempo. Passei parte da estação ouvindo, à tarde, um sabiá magistral que se apresentava quando o crepúsculo começava a tingir o céu. Depois dele, vinham as cigarras, quando as cores do dia já tinham esmorecido e, na atmosfera, irradiava-se uma tonalidade azulada, melancólica. O outono, que sucede o verão, também é bom: há uma luminosidade divina nos dias de sol e as temperaturas são mais amenas. É a estação mais chuvosa na Feira de Santana. Mas reconheço que a trilha sonora do verão – os sabiás e as cigarras – fará muita falta nesses meses tormentosos que virão aí, à frente. Esses sons acalentavam, atenuando o efeito do noticiário sombrio que se sucede. No céu, umas nuvens escuras – tão típicas aqui da Feira de Santana – despertam alguma esperança de chuva no dia de São José. Mas é uma esperança vaga, que se limita à expectativa de um chuvisco, no máximo. Vi, no noticiá

Feira alcança tristes marcas com a Covid-19

Vem se tornando comum ouvir as sirenes das ambulâncias nos finais de tarde na Feira de Santana. Quando a noite cai e o silêncio do toque de recolher prevalece – é um silêncio tenso, carregado de maus presságios – as sirenes tornam-se perfeitamente audíveis mesmo à distância. Se passam pelas cercanias, por breves instantes tingem a escuridão de um vermelho que angustia. O cenário foi comum há quase um ano, no auge da primeira onda. Agora, com a segunda, impõe-se com matizes mais dramáticas. O salto no número de mortos é sintomático. A Central de Informações de Registro Civil – CRC Nacional indicava, até hoje (18), 599 mortes confirmadas ou suspeitas de Covid-19 na Feira de Santana. Ontem, a média móvel de mortes havia recuado para duas, depois de permanecer num platô de cinco óbitos diários num intervalo curto – cinco dias – entre 7 e 11 de março. É o mesmo patamar observado entre 15 e 28 de julho, mas com alguma oscilação para baixo naquela época. Dados da Secretaria Municipal de S

A filosofia de Espinosa e o céu noturno

Para escapar das incessantes notícias ruins, tenho buscado refúgio no céu. Não, não me converti a nenhuma fé barulhenta que pulula pelas esquinas, com sua gritaria desenfreada, seus deuses iracundos, seus acenos de prosperidade material. Dedico-me a algo mais bucólico: apreciar a noite feirense, com seus fiapos de nuvens, suas estrelas cintilantes, seu silêncio intuído, sua imensidão inimaginável. Nesses longos – mas profundamente prazerosos – serões, não há como não pensar na energia criadora do universo. É uma trilha que conduz a Deus mais que às religiões. Nesses momentos sempre penso na filosofia de Baruch de Espinosa. Conheci-a garoto – 19 anos – quase por acaso: ganhei um daqueles exemplares da série “Os Pensadores” com boa parte da produção do pensador holandês. Familiares estavam se mudando e, na casa nova, não havia espaço para aquele exemplar que já estava esquecido numa estante. Enfronhei-me, então, na leitura do “Tratado de Correção do Intelecto”, do “Tratado Político” e,

A esperança de chuva no dia de São José

A previsão do tempo no celular indica chuva na Feira de Santana na sexta-feira (19). Sei que estas previsões costumam enganar, mas é bom que chova na sexta-feira. Afinal, é o dia consagrado a São José no catolicismo. E, segundo a secular sabedoria sertaneja, quando chove nesta data é sinal de inverno bom, com safra generosa a partir do final do semestre. Até aqui, em 2021, choveu pouco. Os céus foram avaros em janeiro e fevereiro. Nenhuma trovoada caudalosa pela região, no máximo esparsas precipitações mais encorpadas. Note-se que os primeiros sinais do outono já estão no céu. No poente, já não há aquele jato sanguíneo que se irradia pela amplidão, típico do verão. Os tons amarelados esbranquiçaram-se e, quando não há nuvens, o sol se põe lembrando uma esfera de aço incandescente. Quem planta e colhe, preocupa-se: os dias avançam e nada das águas de março chegarem, para fechar o verão. É claro que as mudanças climáticas, às vezes, desconchavam até a sabedoria sertaneja. Aí, mais qu

Bahia anuncia aquisição da vacina Sputnik V

  Uma das notícias mais aguardadas desde o começo da pandemia foi ao ar hoje (12): a Bahia, por meio do governo estadual, vai adquirir 9,7 milhões de doses da vacina russa Sputnik V. O próprio governador Rui Costa (PT) fez o anúncio, à tarde, em reunião com prefeitos da Região Metropolitana de Salvador. O primeiro lote deve chegar no mês de abril. Semana que vem deve acontecer o ato oficial de assinatura do contrato. É o passo mais importante, até aqui, para o estado superar a Covid-19. Caso a boa notícia se confirme, quase cinco milhões de baianos serão imunizados. Com o reforço, talvez até julho os grupos de maior risco estejam vacinados. E, quem sabe, parte da população adulta, aquela com faixa etária mais elevada. Dos cerca de 15 milhões de baianos, cerca de 17% - aproximadamente 3 milhões de pessoas – tem até 18 anos e não será vacinada. Sendo assim, quase metade da população adulta – 5 milhões dos 12 milhões restantes – provavelmente será imunizada nos próximos meses. Como os

O cenário desolador no centro da Feira

Basta circular um pouco pelas vias centrais da Feira de Santana para perceber como há comércio fechado. A situação, que já não era boa desde a crise de 2015/2016, desandou de vez com o começo da pandemia, há um ano. É desolador ver portas fechadas com a pintura já se desfazendo pela ação do tempo; fachadas nuas, sem os tradicionais painéis e, até mesmo, com painéis que acumulam sujeira, desbotam sem cuidado e sob a ação implacável do sol da Princesa do Sertão. Quantas empresas – formais e informais – faliram desde o começo da pandemia? Quantos trabalhadores estão agora por aí, sem ocupação? Por outro lado, os avisos de “vende” e “aluga” se multiplicaram espantosamente. Há até prédios inteiros à disposição de improváveis interessados. Afora os recentes empreendimentos – salas comerciais, pequenas lojas – que foram lançados na expectativa de uma retomada que não aconteceu. Alvejados pela pandemia, os empreendedores tentam despertar a atenção da clientela com cartazes aflitos, apelativo

Prefeitura também pretende comprar vacinas

  Vira e mexe chega a notícia sobre algum conhecido que morreu de Covid-19. Aí então a memória acende a recordação de quem se foi e a imensa tragédia – os números aqui no triste Brasil são apocalípticos – ganha um nome, um rosto. Nesses momentos é possível imaginar a dor de tantas famílias enlutadas. A palavra cabível é imaginar: só quem enfrenta a sensação da perda é que sabe, de fato, dimensionar. Semana que vem completa-se um ano que começaram as medidas mais restritivas. Mas, até agora, não há nenhuma perspectiva de a pandemia acabar. A boa notícia do dia é que a prefeitura encaminhou para o Legislativo o projeto de lei que autoriza a compra de vacinas pelo Executivo feirense. A compra será por meio do consórcio liderado pela Frente Nacional de Prefeitos. Não vi nenhuma informação sobre quantas doses de imunizantes a prefeitura pretende comprar. Pelo menos 1,7 mil municípios – incluindo Salvador – já aderiram à iniciativa. Sem governo em Brasília – os brasileiros vão morrendo a

... Pois já vai terminando o verão...

  “... Pois já vai terminando o verão...” O canto melancólico das cigarras vem tornando as manhãs mais tristes, apesar da luz alegre do sol. O que às vezes espanta essa tristeza é o trinado do sabiá. Ambos devem silenciar dentro de mais alguns dias porque, como bem diz a letra de “As rosas não falam”, do imortal Cartola, transcrita acima, o verão vai terminando. É o mais triste final de verão do Brasil nas últimas décadas. Por aqui, ultimamente, sempre bate a sensação de que a esperança saiu de férias. Sem perspectiva de retornar. Parece que o diabo zombou duas vezes do Brasil nos últimos tempos. A primeira foi em 2018, quando parte do eleitorado chancelou um pacto com a morte elegendo Jair Bolsonaro, o “mito”, para a presidência da República. A segunda zombaria foi a pandemia do novo coronavírus, que abalroou o mundo também. Aqui, combinados, esses eventos malignos produziram todo esse horror que completou um ano. E, o que é pior, sem perspectiva de acabar. Em “As rosas não fala

O negacionismo ganhou mais uma

  – ...Está aqui que foi ele quem financiou a campanha de Lula... E folheava febrilmente uma publicação qualquer que – suponho – devia conter a prova definitiva e arrasadora contra o ex-presidente Lula (PT). Foi ali no calçadão da Sales Barbosa ontem (01) pela manhã, sob a garoa fina que surpreendeu os feirenses. Óculos escuros espelhados, camisa social esfiapada, cabelos maltratados. Movia-se indignado. Naquela agitação, parecia atribuir ao ex-presidente a culpa pela pandemia, pelo comércio fechado, pelo paradeiro econômico. E desolava-se. – Querem matar o povo de fome! Adiante, quem comentou isto foi uma mulher, de abundante cabeleira grisalha. Falou meio de lado, como quem lança uma praga. E, irritada, dobrou a esquina da Sales Barbosa com a Capitão França e desapareceu. É necessário reconhecer que Jair Bolsonaro, o “mito”, venceu: a adesão ao lockdown aqui na Feira de Santana foi muito menor do que no primeiro semestre do ano passado. Sua incessante campanha contra o isola

Medidas restritivas são necessárias, mas vacina é a solução

  O governador Rui Costa (PT) anunciou no final da tarde de hoje (28) a extensão do lockdown até a próxima quarta-feira (03) em boa parte da Bahia. Aqui na Feira de Santana o prefeito Colbert Filho (MDB) já antecipou que o município vai aderir à iniciativa. Estão certos. Com os leitos de UTI perto de 100% de ocupação e com a pandemia se alastrando sem controle, não há outra alternativa. Caso não se antecipem, logo vai haver gente morrendo nos corredores dos hospitais, nas ruas, nas próprias casas, sem atendimento médico. Algo semelhante àquilo que ocorre em Manaus desde dezembro. A medida – como era de se esperar – começou a ser bombardeada instantes depois do anúncio. Alguns sábios – esses que vociferam nas esquinas digitais – criticam lockdown , isolamento social, até o uso da máscara. São revolucionários: inspirados por seus delírios, contrariam a receita que orienta países como Holanda, Alemanha e Inglaterra, para mencionar só três dos que tomam suas decisões orientados pela ciê

Lembranças dos verões passados

  Lá fora as cigarras cantam com frequência. E, no crepúsculo, sempre ouço um sabiá magistral. São sons característicos do verão que, por sinal, caminha para o final. Sem praias, a Feira de Santana não inspira aquele espírito da estação, comum em quem mora em cidades litorâneas. Quem deseja mergulhar neste astral viaja, vai veranear. Quem não pode pragueja contra as manhãs escaldantes, as tardes tórridas, as noites abafadas. E aguarda ansioso as temperaturas mais amenas, que só costumam chegar em meados de março em diante. Ou as trovoadas ocasionais, que refrescam um pouco. Por aqui, quem pode, aprecia a magia do crepúsculo. O problema é que os entardeceres têm sido coalhados de nuvens, algumas cinzentas. Não são incomuns as muralhas de nuvens azuladas na orla do céu, bloqueando o espetáculo. Mas pelo menos à noite o vento limpa o céu e as estrelas faíscam, muito vivas, lembrando para o espectador feirense que, afinal, é verão. Quanta diferença do espírito praieiro do soteropolitan

Pandemia de asneiras impulsiona a Covid-19

  – Inventam esse negócio de vírus na China e quem paga é a gente aqui... Comentou enquanto limpava a mão engordurada numa toalha encardida. Ficava atrás do balcão, entre a charque, a carne do sol, as linguiças cuiabanas, a carne suína salgada. Pouca gente circulava pelos corredores do Centro de Abastecimento. E ele espichava o olhar, atônito com os prejuízos, indignado com o suposto ardil chinês: disseminar a Covid-19 – vírus produzido em laboratório – e, com isso, lucrar, crescer, dominar o mundo. – Sempre sobra pro pequeno... Quem falou isso, noutra ocasião, foi um comerciante, que peleja num balcão de micromercado. Aquele não mirava os chineses: para ele, os responsáveis eram os banqueiros, os donos do dinheiro – os financistas, numa expressão mais elaborada – que lucram – e muito – mesmo durante as crises. Desolado, ainda no começo da pandemia já reconhecia que amargaria muito prejuízo. – Eles fecharam tudo porque estão lucrando. Por cada morto, cada prefeito recebe R$ 18

Impressões sobre a noite com toque de recolher

Lá fora, às vezes, prevalece um silêncio denso. Mas é mais comum a quietude ser rompida, em intervalos curtos, pelos sons de motores, pelas buzinas estridentes, pelos latidos distantes – quase fantasmagóricos – de um cachorro qualquer. Pela rua, quase ninguém: às vezes um retardatário apressado, até surpreso com a desolação. Nesta noite de segunda-feira, o feirense parece que mergulhou mais no clima do toque de recolher. É a primeira em que a medida foi antecipada para as 20 horas. Desde o começo da pandemia morreram 524 pessoas na Feira de Santana com suspeita ou confirmação de Covid-19. Os números são da Central de Informação de Registro Civil – CRC e podem ser conferidos no endereço https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid . Caminha-se, aos poucos, para as 600 mortes. Isso vai significar que, de cada mil feirenses, um terá morrido de Covid-19 desde o ano passado. A média móvel de mortes, segundo a mesma fonte, é de dois. A situação já andou pior em relação a est

Carreata cobra auxílio emergencial e vacinação

  Mais uma carreata defendendo o impeachment de Jair Bolsonaro, o “mito”, aconteceu hoje (21) aqui na Feira de Santana. O movimento se repetiu em dezenas de cidades de diversos estados brasileiros. Escorado por sua aliança com o famigerado “Centrão”, na Câmara dos Deputados, dificilmente o “mito” cai. Pelo menos por enquanto. Mas a mobilização chamou muito a atenção por duas reivindicações complementares: o retorno do auxílio emergencial e a ampliação da campanha de vacinação contra a Covid-19. Discute-se pouco aqui na Feira de Santana a necessidade do retorno do auxílio. Quem se orienta pela postura das autoridades políticas locais, fica com a sensação de que está tudo bem, com todo mundo trabalhando, se virando como sempre para sobreviver. As ruas desmentem a impressão: pedintes, crianças esmolando nos semáforos, gente oferecendo serviço miúdo, topando qualquer biscate, é o que se vê. Constitui a regra desde janeiro, aliás. A carreata serviu, portanto, para dar visibilidade à ne

A crônica vazia na noite silenciosa

  Confesso que pensei em escrever a famosa crônica sobre a falta de assunto. Mas devo reconhecer que me falta talento para a empreitada e o pior é que não falta assunto aí na praça. A sordidez no Planalto Central, a indigência intelectual, a truculência, a ignorância, a falta de rumo e de perspectiva, o futuro sombrio, tudo poderia render textos contundentes para entreter quem lê. Isso para não mencionar a pandemia, os aumentos dos combustíveis e dos preços dos alimentos. Mas devo admitir que o noticiário político vem provocando asco, até repulsa. Revolvê-lo, destrinchá-lo, exumá-lo, dá a repugnante sensação de se mexer numa sarjeta regurgitando dejetos. E ver saltando de lá ratazanas gordas, luzidias, asquerosas e – sobretudo – agressivas, autoritárias, totalitárias. Então é melhor deixar a tarefa ingrata para gente com mais estômago. Sobretudo porque amanhã é sexta-feira. Lembro que, em textos anteriores, já mencionei as sextas-feiras libertárias que anunciam o final de semana. A

Dois dedos de prosa sobre o Brasil do futuro

  – Para que tanto papel? E ficou, por alguns instantes, observando a banca multicolorida, repleta de publicações. Revistas de moda, de culinária, de esportes, de decoração e arquitetura, de receitas, de telenovelas. Afora os jornais, com suas fotos e manchetes, empilhados, comunicando acontecimentos, requisitando atenção. Havia também livros numa prateleira, plastificados, anunciando filósofos, grandes pensadores, coisas assim. “Gente diabólica”, murmurou e foi se afastando. Na lateral da banca, uns livros com capas sanguinolentas, mulheres seminuas, títulos chamativos em vermelho, em azul. Romances. Best Sellers . Romances? Aquilo era pornografia, bastava olhar a capa. Volumosos, tinham muitas páginas, muita coisa escrita. Para quê aquilo? Moças que lessem iam desembestar, querer ser iguais aos homens. E os rapazes? Iam virar comunistas, subversivos, defender revoluções, invejar a riqueza dos ricos. Parou no meio-fio da avenida Getúlio Vargas. E ficou aguardando uma brecha para