Publicado originalmente em Junho/2020
O
inverno começou com chuva aqui na Feira de Santana. O sol pouco apareceu desde
sábado e, quando o fez, estava sempre cercado de nuvens. O costumeiro tem sido
as nuvens plúmbeas e cor de aço rolando pelo céu da cidade. Sob elas, uma luz
pálida, cinematográfica. Às vezes – sobretudo à noite – a garoa se desprende,
encobrindo a cidade com uma cortina prateada. Sob as sombras, a chuva que a luz
avermelhada dos postes reluz se acumula em poças miúdas sobre o calçamento
luzidio.
Nos
intervalos da chuva, as nuvens avermelhadas correm por detrás das torres
metálicas do centro da cidade com suas lâmpadas vermelhas, tristonhas, que
piscam, melancólicas. Só o estrépito e o colorido dos fogos, esporádicos,
espantam um pouco a monotonia que paira, pesada, noite afora. É nesses momentos
que se resgata a lembrança de que o São João se aproxima, mesmo com a pandemia
e suas apreensões e incertezas.
Apesar
das recomendações médicas contrárias, tudo indica que, amanhã (23), haverá o
milho, o amendoim e o licor junto às fogueiras acesas. Pelas ruas, vi lenha
sobre calçadas, as escassas árvores mutiladas. Apesar das profundas tristezas
desses tempos – crises política, econômica e de saúde pública entrelaçando-se –
risos, vozes e gritos ressoarão em muitas ruas feirenses. Afinal, é muito
difícil manter as pessoas em casa durante tanto tempo.
Sobretudo
porque, no Nordeste, todo mundo sempre tem grandes lembranças das festas
juninas. Quem não foi feliz nessa época? As recordações imediatas são, sempre,
da infância distante, das ingênuas cerimônias da queima de fogos, dos forrós
antigos, inesperada invocação de tempos bons. Há também as mesas fartas, a
cordialidade nem sempre tão habitual e o compartilhamento dos quitutes.
Em
2020 a natureza foi particularmente pródiga com o sertanejo. É que chove com
regularidade desde janeiro e, a partir de março, as precipitações ocorreram na
medida exata para garantir fartura já agora, no São João. Quem planta esfrega
as mãos, ansioso, como Fabiano, a personagem de “Vidas Secas”, de Graciliano
Ramos, num dos capítulos mais memoráveis do romance.
Há,
claro, os impiedosos solavancos da economia – milhões de brasileiros perderam o
emprego desde o começo do horror, em março – e os malfeitos da república de Rio
das Pedras, que começam a borbulhar, estarrecedores. Mas, quem plantou e
colheu, conta com essa compensação. Quem consome também, porque pode comprar
com preços mais acessíveis durante o inverno.
Sim,
apesar do Covid-19, é São João e não dá para permanecer indiferente à data.
Claro que toda a cautela é necessária porque a doença permanece aí, à espreita,
e a crença de que “o pior já passou” é infundada.
Mas,
mesmo assim, é bom desejar um Feliz São João!
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