Foi
aplaudido com efusão o envio da reforma administrativa pelo Executivo para o
Congresso Nacional em meados da semana. O projeto vinha sendo cobrado com
veemência pelos ventríloquos do “deus mercado” e por aquela parcela da imprensa
que vocaliza o liberalismo pueril que viceja por aqui. Não pretendo entrar nos
detalhes da proposta – mesmo porque muita gente já o fez – mas alguns aspectos
que passaram despercebidos precisam ser ressaltados.
Só
os ingênuos foram surpreendidos pela decisão de Jair Bolsonaro, o “mito”, de
poupar a elite do Judiciário, os amigos militares – esta casta altamente
privilegiada – e os parlamentares. Muitos ainda não perceberam, mas a
“modernização” do Estado pretendida pelos histriônicos liberais tupiniquins, no
fundo, não passa de um vexatório retorno à República Velha, aquela que vigorou
sob a tutela militar até 1930.
A
sabedoria encastelada no Planalto Central pretende “flexibilizar” a
estabilidade dos servidores, acrescentando novos regimes jurídicos daqui para a
frente. Para consumo externo, trata-se de um elogiável esforço para aumentar a
eficiência e reduzir custos. A empulhação, porém, só engana desavisado: o que
se pretende, de fato, é institucionalizar a “boquinha”, este disputado e engenhoso
expediente nacional.
Muito
prefeito por aí, rincões afora, deve estar esfregando as mãos. Não é para
menos: somente parte do funcionalismo terá estabilidade garantida a partir
daqui – os amigos militares estão entre eles, como sempre – e, no Congresso,
vão parir duas modalidades que, acrescidas da criatividade do político
brasileiro, resultarão em milhares – milhões? – de “boquinhas” nos próximos
anos.
Trata-se
do contrato por tempo determinado e de contratações de servidores sem estabilidade.
O contrato por tempo determinado é um aprimoramento do afamado Regime Especial
de Direito Administrativo, o Reda, ao qual a turma de todos os quadrantes
ideológicos recorre hoje sem piedade. A turma vai ser recrutada por seleção
simplificada – sobre cuja lisura nem é preciso discorrer – e vai, supostamente,
prestar serviço durante alguns anos.
O
lustroso coronel ou até mesmo o obscuro cacique de fundo de província poderá,
portanto, recrutar os seus acólitos após cada eleição, sem maiores embaraços,
com aquelas seleções suspeitas e, às vezes, escandalosas. Que fazer com o
rebotalho herdado da oposição? Expulsa-se, triunfalmente, a pontapés. E a
festejada qualidade dos serviços públicos? Lorota para empulhar idiotas que,
crentes, se fiam no espírito republicano dos donos do país. A partir daqui, não
haverá limite, nem freio, para os esquemas.
Tenho
certeza que essa modalidade vai se sobrepor a quaisquer outras adiante. Caso,
num deslize, algum governante contrate servidor sem estabilidade, não será problema:
lá na frente, caso necessário, expele-se essa gente, porque o direito de lotear
a administração pública é de quem arrebatou o butim nas eleições. É simples
assim. Imagine-se o pânico e a aflição que vão acompanhar a trajetória desses
infelizes concursados...
Vai
sobrar também para quem já é concursado, supostamente imunes às propostas.
Afinal, pretende-se regulamentar a avaliação por desempenho. A iniciativa, em
si, é necessária e prevista na Constituição. A questão, no Brasil, é o contexto
em que vão se dar essas avaliações. Críticos da extrema-direita no poder, por
exemplo, devem se acautelar, porque podem entrar na alça de mira...
Esse
é o novo Brasil: “moderno”, “eficiente”, “pouco perdulário” e, a cada dia, mais
parecido com a República Velha que expirou em 1930, há quase cem anos...
Comentários
Postar um comentário