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Micareta de Feira estatizada em 2017

Aproxima-se, na Feira de Santana, mais uma Micareta. Essa vem com algumas singularidades: há pelo menos umas três décadas a folia não acontecia tão tardiamente, já nos estertores do mês de maio, quando tradicionalmente o feirense já está inteiramente envolvido com o forró que caracteriza as festas juninas. As obras do BRT em andamento no circuito momesco certamente contribuíram para retardar o evento. Dessa forma, a temporada de forró que se estende de meados de abril até o início de julho vai ser significativamente encurtada.
A crise econômica, que reformatou à força o Carnaval de Salvador, também induziu mudanças por aqui. Lá, muitos blocos e camarotes tradicionais desistiram de participar: com desemprego em alta e renda em baixa, o folião se retraiu e a demanda despencou. Com prejuízos à vista, foi melhor tirar o bloco da rua, subvertendo os versos da canção clássica de Sérgio Sampaio.
Com isso, o discurso da festa para o folião pipoca ganhou fôlego: subitamente, os governantes redescobriram o povão e dedicaram a folia a ele. Vá lá que, eventualmente, alguns artistas tocavam em trios sem cordas nos últimos anos. Mas, com a crise, a tendência se acentuou. E o folião pipoca, antes comprimido pelas cordas e as estruturas dos camarotes, ganhou relevância na folia.
Em Feira de Santana o movimento foi similar: os grandes blocos, aqueles que todos os anos traziam as principais atrações, desistiram de desfilar. A justificativa foi a mesma: a crise econômica. E cá, como lá em Salvador, entrou a prefeitura para contratar as chamadas grandes atrações que vão fazer o feirense rebolar.

Estatização

Alguns podem até negar mas, na prática, as prefeituras estão estatizando a folia momesca nesse momento de crise intensa. Em Salvador ainda cabe o discurso da atração de turistas, da visibilidade, ou coisa que o valha. Aqui na Feira de Santana, nem isso: o público que acorre de fora é ínfimo. Não dá para afirmar que a Micareta constitui uma das principais fontes de geração de riqueza no município.
Ironicamente, esse movimento de estatização ocorre justamente quando uma espécie de liberalismo vulgar está muito em moda no Brasil. Por princípio filosófico e convicção religiosa, todos defendem as privatizações, as concessões, as terceirizações e tudo aquilo que signifique enxugar o Estado e fortalecer a iniciativa privada. A Micareta, curiosamente, caminha na direção contrária, com mais participação do poder público.
Pode-se argumentar que, ultimamente, as folias momescas excludentes, com cordas oprimindo o cidadão que tenta se divertir com sua latinha de cerveja na mão, estão caindo em desuso, que a onda é democratizar. Pode até ser. Mas isso, indiscutivelmente, só está acontecendo porque o modelo privado mergulhou em crise profunda na Bahia.
Tomara que a crise e a subversão no modelo de financiamento da festa – com mais governo e menos iniciativa privada – pelo menos estimule novos olhares sobre a tradicional Micareta feirense. E que a e festa se reinvente e se renove, reconquistando corações e mentes que, no período, preferem viajar.

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