A
dupla embarcou no ônibus ali na Praça Jackson do Amaury, quase ao meio-dia de
sexta-feira. Chovera mais cedo, mas o sol morno do inverno, naquela manhã
dourada, aquecia os passageiros que aguardavam condução. O asfalto reluzia,
úmido, e o calçamento das vias transversais acumulava pequenas poças de água,
que impunham acrobacias aos transeuntes. Gente gritava, frenética, tentando
embarcar passageiros para Santo Amaro, Madre de Deus, Candeias, Conceição do
Jacuípe e outros destinos próximos. Vendedores ambulantes supriam a freguesia
com bolos, pasteis, coxinhas, cafés e sucos. Manuseavam-se malas, valises,
mochilas e bolsas com cautela, já que uma lama intensamente repisada
atormentava os passageiros.
Um
dos integrantes da dupla embarcou um carrinho de mão e um tabuleiro bojudo, de
madeira forte. Folhas de couve, murchas, sobre o equipamento, denunciavam sua
dupla condição de agricultor e feirante. Quando entrou, foi sentar no fundo do
veículo, já entabulando uma intricada negociação.
“Tô
comprando alface por 60”, afirmou o mais velho, que secundava o jovem que
embarcara os apetrechos. “Só dá pra fazer por 70”, redarguiu o jovem. “Todo dia
eu pego. Mas pago 60”, tentou argumentar o que tinha cabelos curtos, grisalhos.
O jovem se mantinha irredutível.
“Todo
dia eu pego. Cem ‘mói’ de coentro a cinquenta; cebolinha é 50, a 25; e 50 de
couve, a 25”, explicava, enumerando, o mais velho. O jovem reafirmou o preço da
alface, o outro encomendou 100 molhos. Manjericão não lhe interessava,
explicou. A transação foi breve, combinou de pegar a mercadoria no Bessa –
aquele distrito de Amélia Rodrigues, prenhe de cultivos de hortaliças – por
volta de 15 horas da mesma sexta-feira.
“Você
consegue chegar lá? Roça de Janjão, não vá se esquecer”, recomendou o jovem. O
outro ainda encomendou molhos bem sortidos, para compensar os R$ 70 que ia
pagar pela alface. Despediram-se e, lá no Bessa, o jovem desembarcou,
enveredando por uma das ruas laterais que conduzia às incontáveis hortas que
produzem hortaliças naquelas cercanias.
Abastecimento
Há
quem embarque a produção ali para Salvador. Atravessadores chegam em kombis
velhíssimas logo no início da manhã e se abastecem para distribuir os produtos
naqueles mercadinhos de bairro da periferia de Salvador e dos municípios da
Região Metropolitana. Mas há quem embarque imensos balaios trançados nos
ônibus, repletos de alface, cebolinha, coentro, couve, salsa e manjericão e
siga viagem até Simões Filho ou à capital, para fazer a entrega pessoalmente.
Outros
tomam o caminho inverso da BR 324 e desembarcam seus produtos na Feira de
Santana. O Centro de Abastecimento, os mercadinhos de bairro feirenses, os
balaios aboletados em carrinhos-de-mão que circulam pela Marechal Deodoro, pela
Bernardino Bahia, pela Senhor dos Passos ou pelo incontáveis becos e ruelas do
centro de Feira de Santana, são, em parte, abastecidos pelos produtos dessas
cidades vizinhas.
As
chuvas constantes dos últimos meses reavivaram a agricultura da região, que vem
abastecendo os mercados com fartura e com preços mais em conta. Depois da
prolongada estiagem – foram intermináveis meses sem chuva, mesmo na porção
feirense encravada no Recôncavo tradicionalmente úmido – a produção foi
retomada, com o agricultor familiar recobrando o ânimo, cavoucando a terra
úmida para o plantio das sementes.
Os
próprios festejos juninos foram mais fartos, com parte da colheita já chegando
à mesa do consumidor, como o milho e o amendoim, tradicionalmente consumidos à
época. O recurso no bolso de quem produz também alimenta a espiral virtuosa, já
que é com esse lucro que ele compra a ração, a ferramenta, o implemento
agrícola que vai empregar na sua labuta. E também a roupa, o calçado, o
remédio, o alimento que vai complementar sua dieta.
Sem as chuvas recentes,
certamente o negócio acertado no corredor do ônibus que seguia para a capital,
em diálogos breves, seria inviável. É claro que o inverno generoso se
circunscreve à porção da Bahia mais próxima do litoral e muita gente segue penando,
sem alento. Por aqui, porém, o pobre que verga sob a crise econômica e que vai
assumir o ônus das reformas redentoras respira aliviado, com a trégua tênue
oferecida pelo inverno esperado com expectativa.
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