“Que
Deus tenha misericórdia desta nação”, vaticinou o então presidente da Câmara
dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no dia da votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT), em
abril de 2016. Pouco depois, acabou afastado do cargo, perdeu o mandato e,
hoje, aguarda sentença de prisão em uma penitenciária no Paraná. Mas suas
palavras foram premonitórias, quase proféticas: de lá para cá o Brasil segue descendo
a ladeira, sob o controle de um grupelho que a própria Polícia Federal classifica
de “quadrilhão”, chefiado pelo próprio presidente da República, Michel Temer
(PMDB-SP).
Principal
artífice da deposição do petismo, Eduardo Cunha falava com autoridade: afinal,
confabulava com Michel Temer – principal beneficiário da manobra – e,
certamente, sabia quem ascenderia a partir da derrocada de Dilma Rousseff. Mas,
mesmo assim, o turbilhão político gira numa velocidade incontrolável, com
desdobramentos cada vez mais imprevisíveis até para quem ocupa lugar
privilegiado no palco. A última notícia nefasta foi a declaração de um general
do Exército sobre uma potencial “intervenção militar”.
Pelo
que noticia a imprensa, o general cogita a hipótese à medida que fracasse o
combate à corrupção pretensamente capitaneado pelo Judiciário. Pelo que se
soube, os militares interviriam para pôr ordem e sairiam de cena. Foi o que se
ouviu em 1964: só que a ditadura militar se arrastou por intermináveis 21 anos.
Sombras semelhantes às daquela interminável escuridão se desenham no horizonte
de forma cada vez mais intensa.
Os
trogloditas também avançam noutra frente: estão censurando exposições e obras
expostas em museus. Subitamente convertidos em críticos – censores talvez seja
a expressão mais apropriada – de arte, deputados, policiais e ignorantes
anônimos farejam pedofilia e outras indecências museus afora. Querem impedir
exposições de artistas que não eram censurados nem na primeira metade do século
passado.
Como
o repertório de retrocessos não se esgota, a “cura gay” vai retomando espaço
também. Do jeito que vai, em breve muitas supostas comunidades terapêuticas estarão
oferecendo tratamentos do gênero. Tentativas de reversão em massa do
homossexualismo devem figurar no radar dessa gente, sequiosa por oportunidades
do tipo.
Fundamentalismo
religioso
Fundamentalistas
religiosos e entusiastas de uma nova ditadura militar, no momento, marcham
juntos, provavelmente manietados por gente escalada pelos norte-americanos.
Ninguém sabe até onde vai essa aliança heterodoxa: afinal, divergências podem –
e devem – estalar lá adiante, cindindo os dois grupos. Quem vai engolir quem?
Isso vai depender do equilíbrio de forças no momento da fissura.
O
fato é que três grupos distintos se digladiam atualmente: os fundamentalistas
religiosos – com pés solidamente fincados no Congresso Nacional, mas amplamente
disseminados pela sociedade -, os entusiastas da solução militar e da revogação
dos direitos humanos, escorados no discurso da segurança pública e pretensos
representantes de um liberalismo econômico iracundo e caipira, que até aqui
surfam no discurso do privatismo, enquanto seus efeitos nefastos não chegam.
Essa
gente encurralou a esquerda, letárgica e acuada há um bom tempo. Parte dessa
esquerda enxerga Lula como uma espécie de Dom Sebastião, que vai retornar para
redimir o Brasil em 2018. Bobagem: Lula não tem a menor chance de
desembaraçar-se de seus processos e viabilizar candidatura. Afinal, toda a
arquitetura do impeachment exigiu uma
desgastante costura. Quem faria tamanho esforço para, dois anos depois,
entregaria o poder assim, de mão beijada? Espantosa a ingenuidade de quem pensa
dessa forma.
Contraditoriamente,
alardeiam o “golpe”, mas se comportam como se a manobra não tivesse acontecido.
Seguem esperançosos que, ano que vem, o cômodo idílio petista vai ser
restabelecido, a partir de uma consagradora vitória nas urnas. Quem estava
certo era Eduardo Cunha: do jeito que vai, o mandatário de Tietê vai ser
sucedido por um religioso furibundo, um privatista irresponsável ou um milico
entusiasta do prende-esfola-mata. E que Deus, de fato, tenha misericórdia desta
nação.
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