Quando
criança, assisti às inevitáveis aulas de religião na escola. A professora era
uma espécie de beata, muito afável e risonha, que frequentava a igreja católica
ali do Alto do Cruzeiro, nas imediações do Sobradinho. Naqueles tempos, boa
parte da população era católica. Eu próprio tive formação católica: assim,
embora não me recorde mais do conteúdo das aulas, lembro que aquilo não me
causava estranhamento. Tudo mudou quando cheguei à antiga sétima série, noutra
escola: autoritária e intolerante, a professora provocava estranhamento e, não
raras vezes, ojeriza à classe.
Cavoucando
a memória, recordo de uma freira que, uma vez por semana, falava com voz mansa
em aulas de religião, já no terceiro ano do antigo segundo grau. O que falava,
também já não recordo. Mas lembro do enfado da turma adolescente ouvindo as
tradicionais prédicas cristãs. Essas aulas eram obrigatórias, ministradas na
rede pública, onde avultavam deficiências. Hoje, imagino que o tempo seria aproveitado
mais adequadamente caso oferecessem reforço de português ou matemática, por
exemplo.
Essas
lembranças vieram à memória depois de saber, essa semana, que o Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu que, além das aulas de religião, será possível
ao professor fazer propaganda do seu credo junto aos estudantes. Amarga ironia:
aqueles que vociferam defendendo escola sem partido, estão calados no momento
de se opor à escola com religião. Ou com proselitismo, o que é ainda pior.
Como
o proselitismo está liberado, transitar daí para a realização de cerimônias
religiosas em sala de aula não vai demorar. Isso num país que ostenta vexatórios
desempenhos em avaliações internacionais de seus alunos. Não se trata de ter
nada contra religião nenhuma: é apenas a crença que o Estado deve permanecer
laico e que culto e veneração religiosos devem ocorrer livremente, mas no
circuito dos espaços privados. E que o tempo do aluno na sala de aula deveria
ser integralmente dedicado às atividades acadêmicas.
Moeda de troca
Os
efeitos da decisão do STF, no entanto, não se esgotam na dimensão ideológica.
Há a delicada questão do uso da máquina pública para atender os interesses religiosos.
Como se sabe, muitos prefeitos, hoje, são vinculados a igrejas e devem sua
eleição à clientela religiosa. Como resistir à tentação – ou à pressão – de usar
cargos de professor de religião como moeda de troca eleitoral?
O
Brasil, nos últimos anos, foi abalroado por uma onda clientelista que tem os
representantes das igrejas – a chamada bancada do dízimo – como uma tradução
muito fiel. Isenção de diversos impostos – inclusive IPTU –, recursos para
controversas comunidades terapêuticas, repasses para questionáveis entidades agraciadas
com utilidade pública, tudo isso figura no rol das generosas concessões do
Estado brasileiro falido.
Como
se não bastassem todas essas benesses, agora o STF decidiu – visivelmente
acompanhando as marolas da opinião pública – permitir propaganda religiosa nas
escolas públicas. Num país tenso, fragilizado por fraturas políticas, a decisão
também pode, simplesmente, atear mais combustível à fogueira ideológica na qual
o Brasil vem ardendo nos últimos anos. Afinal, nem sempre a pregação religiosa
mantém distância prudente do fanatismo.
Todo mundo fica, o tempo
todo, dizendo que só melhorando a educação o Brasil vai conseguir cumprir a eterna
profecia de país do futuro. A decisão do STF vai na contramão dessa aspiração.
As escolas brasileiras precisam é de ciência e conhecimento, não do
proselitismo religioso que se encontra em qualquer esquina das periferias
brasileiras.
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