Se há algo esquecido
pelo jornalismo no país são as periferias, os subúrbios, os bolsões de pobreza
onde habitam milhões de brasileiros. É claro que, todos os dias – da manhã à
noite – essas comunidades figuram no noticiário, com seus episódios de
violência, normalmente com imagens de corpos de jovens negros, ensanguentados,
estendidos em vielas, com o casario pobre figurando ao fundo. O que não falta
são programas sensacionalistas expondo essas desgraças com estardalhaço. Mas a
vida do brasileiro pobre não é feita apenas de violência.
Também não é feita
apenas pelo anseio de mimetizar os ricos, copiando seus hábitos de consumo,
conforme insistem aqueles programas vespertinos de televisão que exibem os
moradores da periferia como seres exóticos, estacionados nalgum estágio
civilizatório que antecede o patamar alcançado pela invejada classe média dos
grandes centros urbanos. No Brasil, pobre só vai à televisão sob esses dois
vieses.
Há, todavia, um
terceiro, mais sutil. É aquele das reportagens especiais, que mostram os pobres
se superando, buscando alternativas para a comunidade, assumindo
responsabilidades por escolas, creches ou outros equipamentos comunitários.
Nessa abordagem, o pobre avança alguns passos, mas apenas para receber o recado
que o Estado – as ações dos governos – não existe para eles. É melhor,
portanto, que se virem por conta própria. É o popular “nóis por nóis”.
Apesar dessas
abordagens, as periferias permanecem esquecidas pelo jornalismo, conforme indicado.
Afinal, o que os meios de comunicação vão pouco além de uma caricatura – com a
violência e o constrangimento dos programas populares – ou de um recado
subliminar – de que não existe espaço para os mais pobres na distribuição dos
recursos do Estado – que almeja delimitar papeis no jogo social.
Periferia
Quem tem – ou teve –
a oportunidade de circular por um bairro popular percebe que tudo é muito
prenhe de vida. O comércio, por exemplo, é pulsante – desde aqueles pequenos
estabelecimentos até os supermercados populares disputados pela clientela – com
o povo labutando para assegurar o pão de cada dia, sobretudo nessa terrível
temporada recessiva.
Crianças correm e
brincam, álacres, nos espaços estreitos poupados pelas construções de alvenaria
que não obedecem a uma ordem aparente; marmanjos conversam nos bares, bebem
aquele aperitivo que abre o apetite para o almoço ou o jantar; jovens riem e
falam alto, programando festas e namoros; e a vizinhança se encontra nos
intermináveis bate-papos.
Nos finais de semana
– trégua aguardada com ansiedade na labuta difícil – comemoram-se aniversários,
promovem-se casamentos ou, simplesmente, celebra-se a vida com cerveja gelada
no copo e carne chiando no braseiro; nas manhãs de domingo há o inescapável
futebol em disputadas partidas na várzea.
No verão escaldante,
legiões deslocam-se para as praias do fundo da Baía de Todos os Santos – Cabuçu
e Bom Jesus dos Pobres são as preferidas dos feirenses – e há todo o ritual do
São João que se aproxima, do Natal, da Semana Santa. Tudo é a vida intensa,
dura difícil, mas alegre e peculiar do pobre, que nunca figura nas pautas do
jornalismo. Distanciamentos do gênero aprofundam o abismo social que contribuiu
para a crise intensa que o país atravessa.
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