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Chuvas mudaram cenário rural feirense

Bastaram dois meses de chuvas regulares para o rural feirense mudar de feição. O que antes era vegetação ressequida, milhões de espinhos em riste, capoeiras refletindo a implacável luz do sol, mudou: hoje a vegetação cresce tenra, viçosa, promissora, ainda imberbe, mas o verde já se espalha até aonde a vista do viajante alcança. Pelo céu espalham-se nuvens acinzentadas que, às vezes, condensam-se numa garoa prateada que vai molhando a terra umedecida, mas ressequida até alguns meses atrás. E o sol perdeu o vigor habitual das tardes abrasadoras de janeiro.
Inicialmente incrédulo, o agricultor começou a labutar com a terra quando a garoa persistente reduziu a aspereza do solo. Aquela textura árida, poeirenta, esturricada, típica das estações escaldantes, foi se transformando em piso maleável ao manejo da enxada. Depois, vieram as sementes, plantadas em manhãs de vento frio e céu acinzentado. Quem transita pela zona rural já vê o milho crescendo, com suas folhas, graciosas, balançando ao vento.
Os pequenos rebanhos recuperam peso, se alimentam com o pasto que apenas se insinua morros acima. Pelas estradas, veem-se vaqueiros ciosos tocando pequenas boiadas que aproveitam o capim viscoso das margens das rodovias. As chuvas, porém, foram insuficientes para recuperar os reservatórios: espera-se que apenas com as trovoadas do final de ano essa missão seja cumprida. Dessa forma, o sertanejo experimentará a fartura transitória que o semiárido oferece.
Pelo campo – em Bonfim de Feira ou em Jaguara – há, também, milhões de florezinhas amarelas que se espalham pelas planícies, encarapitam-se morros acima, descem os vales até os pequenos açudes. Contracenam com o gado que pasta, manso, revitalizado pelo capim que nasce aos poucos; e também com o tabaréu subitamente assoberbado pelas tarefas que o inverno sertanejo multiplica.

Flores, borboletas e rotina

Além das flores amarelas, há também milhões de borboletas amarelas que voam voos assimétricos entre os juremais. Muitas voltejam e, adiante, espatifam-se nos para-brisas dos automóveis. Propiciam um gracioso espetáculo na caatinga habitualmente rude, mesmo quando as chuvas despertam o verde da esperança nas campinas agrestes.
Nas cercanias da Feira de Santana, as chuvas já produzem modestos resultados econômicos. Em Cachoeira – também abalada pela estiagem, apesar de integrar o Recôncavo chuvoso –, na feira-livre do sábado, se vê gente do campo vendendo o milho extraído do plantio recente, a batata-doce, o aipim e até o amendoim tão apreciado nas festas juninas. Em Belém de Cachoeira, os milharais se sucedem já vistosos, aguardando a ansiada colheita.
Nessas andanças, é possível ver a gente do campo mais animada nos gestos e nas conversas. A combinação de uma infindável estiagem – cuja reversão talvez se confirme com as chuvas recentes – com a profunda recessão que enfraqueceu o bolso do pobre, é capaz de abalar até mesmo o sertanejo calejado pelas asperezas da vida. A chuva, pelo menos, atenua parte do drama.
Com as chuvas, talvez haja um pouco mais de ânimo no São João. É que vai correr algum dinheiro pelas feiras-livres e, com ele, o comércio popular – baqueado pela crise profunda – vai faturar um pouco mais, sustentar empregos, contribuir para que os deploráveis indicadores econômicos não sinalizem, ainda mais, para o abismo. É o que se espera para o futuro e que as rezas da trezena de Santo Antônio almejam.

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