Caso
eu fosse muito jovem e estivesse ingressando na terceira década de vida – com
pouco mais de vinte anos – investiria nas profissões do futuro no Brasil: amigo
de político ou cabo eleitoral. É bobagem estudar, gastar a vista lendo,
mourejar anos a fio aprendendo uma profissão, exercitar os conhecimentos
adquiridos com zelo e diligência. Sequer adianta ficar farejando as profissões
do futuro, apostar numa meritocracia que só existe no plano da retórica. Tudo
isso é besteira. Profissão do futuro, no Brasil, reafirmo, é cabo eleitoral ou
amigo de político.
Muita
gente vive aí se debruçando sobre livros, estudando, tentando passar em
concurso público. É besteira, reitero: os barnabés estão sofrendo arrocho
salarial, serão submetidos a avaliação e demissão com base em critérios
enigmáticos, levam a culpa pelo descontrole das contas públicas e ainda são
acusados de incompetência e corpo mole. O futuro dessa gente, portanto, é bem
mesquinho.
Mas
o futuro dos amigos dos políticos é radiante: são eles que vão herdar os cargos
dos funcionários públicos demitidos em massa nos próximos anos; e isso sem
precisar estudar, fazer concurso, trabalhar, nada: basta ser amigo do político premiado
com indicações para os cargos. Os únicos requisitos para exercer o ofício são a
bajulação sem pudor e a obediência cega. Vale também aplicar rasteiras naqueles
que disputam a atenção do político: ajuda a pavimentar e consolidar a carreira.
Quem
ingressar na carreira não precisa se preocupar com a população: isso de
prestação de serviços, de produtividade, de interesse público, é discurso para
consumo externo. A única coisa que vale é o interesse da patota aboletada no
poder. Atendendo-o, todos os requisitos e todas as exigências estarão contemplados.
Como
se vê, a carreira é promissora. Só há uma desvantagem: o dízimo. Marotos, os
políticos não indicam seus amigos graciosamente: é necessário repassar parte do
salário, porque a sustentação desse maravilhoso esquema envolve custos. Dizem
eles que esses custos não podem prescindir da dádiva do dízimo.
Mas
essa externalidade é marginal, quase desprezível, diante dos encantos dessa
profissão do futuro. Qualificação contínua, produtividade, empenho, esforço,
mérito, são palavras que vão ficar restritas aos dicionários. Agradáveis e
antigos hábitos, inclusive, poderão ser retomados: a clássica cena do paletó
que reserva a cadeira do dono; os grupos fuxicando no cafezinho; até mesmo a
visita mensal apenas para assinar o ponto, já que contracheque se acessa de
forma virtual.
Frenesi
A
plácida carreira nas repartições, porém, tem um quê de monótono. Para muitos, é
chato ficar estático, acompanhando o noticiário pelas redes sociais ou se
informando sobre a vida dos famosos. Muitos querem dinamismo, movimento,
contato com o povo, articulação, conversa, agitação. Para esses inquietos, a
carreira do futuro é a de cabo eleitoral. E o trabalho não se esgota nas
eleições: é preciso tapear o povo em tempo integral.
A
eleição encarna a apoteose: caminhadas, carreatas, comícios, reuniões, visitas
a eleitores, articulações, enfim, um lufa-lufa capaz de eletrizar a alma mais
lânguida. Nisso aí o cabo eleitoral se realiza: dirige para os figurões,
carrega material, empunha bandeiras, carrega o próprio amigo político amigo no
ombro, grita, insufla o eleitor reticente pelas calçadas.
Nessas
andanças, de domingo a domingo, come bem, bebe ainda mais, flana sem cessar, finge
autoridade, arrota importância para o eleitor humilde, intimidado. Quem
transita pelos círculos mais elevados conta com vantagens adicionais: viaja
pelo estado, em agradáveis caravanas que vão amealhar os sufrágios dos matutos
incautos. E, quando se vence, há o êxtase da comemoração, regada a generosos
barris de chope e pantagruélicos churrascos.
Nos
intervalos entre as eleições também há emoções: tapeiam-se eleitores, fazem-se
conchavos, apunhalam-se parceiros de consórcio eleitoral. Tudo isso sob o
diligente comando do amigo político. É carreira promissora, muitos ascendem,
tornam-se políticos também, lá adiante. Há quem vire até governador.
Isso
de estudar, empenhar-se, já era. Melhor virar amigo de político. É o que
sinaliza o futuro. Afinal, hoje, enquanto se cortam bolsas de doutorandos sob o
emedebismo, robustece-se o fundo eleitoral que, em 2018, vai financiar os
diligentes cabos eleitorais que encorparão as alegres caravanas eleitorais.
Indício mais eloquente
sobre o que nos aguarda no futuro, impossível.
Comentários
Postar um comentário