Lula
passou ontem (19) pela Feira de Santana em sua caravana pelo Nordeste do
Brasil. Na véspera, esteve em Cruz das Almas. Passou também por Salvador e São
Francisco do Conde. Fez discursos, recebeu homenagens, participou de reuniões
com políticos e negou o tempo todo que já esteja em campanha. É claro que não
pode admitir: seria crime eleitoral. Pelo que vi, o calejado ex-presidente tem
três motivos para circular Nordeste afora num ônibus confortável, acompanhado
por expoentes do petismo.
O
primeiro motivo é animar a militância: depois dos últimos revezes, o astral dos
petistas caiu, conforme se viu na campanha eleitoral do ano passado, quando o
partido sofreu indiscutível derrota na disputa pelas prefeituras; o segundo é
ir construindo um discurso e comunicar à militância da legenda, que vai
replicá-lo mais tarde; o terceiro é retirar o foco da condenação judicial, dos
inquéritos em andamento e da feroz oposição que lhe fazem na Justiça, na
imprensa e entre aqueles que pretendem faturar politicamente fustigando-o.
No
palco da Estação da Música, Lula se exibiu com chapéu e colete que lembram a
indumentária dos vaqueiros, artigos comuns nas feiras-livres do interior do
Nordeste. Até um apresentador com jeito de locutor de festa de peão não faltou.
À distância, parecia velhinho, abatido, com o cabelo inteiramente branco. Mas
era ilusão: quando assumiu o microfone, a voz rouca ganhou entonação firme e o
ex-presidente mostrou que está saudável, apesar de já ter
passado dos setenta anos.
Foi
precedido por um magote de oradores que, objetivamente, tinham apenas a missão
de apresentá-lo ao público que chegou à casa de shows ali nas Baraúnas em
dezenas de ônibus, vans, e incontáveis carros de passeio. Muitos vieram de
fora, trajando vermelho, empunhando bandeiras, exibindo os adesivos distribuídos
à farta.
Discurso
Lula
elogiou a Bahia, desconfia que já foi baiano nalguma encarnação passada,
mencionou uma antiga caravana realizada em 1993, disse que, caso seja
candidato, não vai se guiar por pesquisas de opinião para construir seu
programa de governo, mas que fará “o que o brasileiro quer”. Atacou os
adversários, mencionando a crise econômica, seus efeitos sobre a renda, o
emprego, a produção, o crédito. Foi habilidoso, como sempre: falou da recessão
como se não tivesse nenhuma responsabilidade sobre ela. É como se o quiproquó
econômico não tivesse começado na gestão de Dilma Rousseff, sua pupila.
Também
foi hábil apontado os impactos positivos dos benefícios sociais e
previdenciários sobre a economia das pequenas cidades nordestinas. Considerou
absurdo que os pobres arquem com os custos da reforma da Previdência. Mas não
se comprometeu a freá-la, revogá-la, ajustá-la, impedi-la, nada. Apenas
mencionou o problema, deixando colocadas infinitas possibilidades para lá
adiante, quando chegar à Presidência, caso o consiga.
Por
outro lado, Lula foi ácido com a imprensa. Disse que muitos profissionais
começam a escrever “apenas para falar mal”. E deixou no ar uma frase dúbia,
marota, até ameaçadora, que pode dar margem a inúmeras interpretações:
“respeito o jornalista quando é honesto e não respeito quando é desonesto”.
Ninguém sabe se Lula comunga da ideia do “controle social da mídia”, que muitos
petistas seguem defendendo e que se assemelha – e muito – com uma forma de
censura.
Sobrou
até para os empresários, sempre generosamente agraciados com créditos e
subsídios durante a era petista: Lula chamou-os de “mal-agradecidos”, porque
falavam mal do governo mesmo quando beneficiados por esses mimos pecuniários.
Mas garantiu que aprendeu com a experiência, tornando-se “mais maduro e
calejado”. Foi uma ameaça à classe empresarial que, maciçamente, apoiou o impeachment de Dilma Rousseff? Não dá
para saber, mas o efeito sobre a plateia militante foi ótimo.
“Gente nossa”
Por
fim, Lula recomendou que se vote, para os parlamentos, em candidatos petistas
ou alinhados com a legenda: “vamos eleger gente nossa”. Aí mencionou as
dificuldades de governar compondo com adversários políticos, sem maioria. Por
fim, aproveitou para açoitar a Câmara dos Deputados, responsável pela rasteira
que apeou Dilma Rousseff da presidência, ano passado.
Enfim,
Lula começou a circular pelo Nordeste com um discurso bem nebuloso. Aqui,
flerta com a esquerda, afaga suas visões, abraça suas propostas, empolga a
militância; ali, assume ares salvacionistas, coloca-se como opção para retirar
o país da crise no qual o próprio petismo o mergulhou, assume ares de caudilho;
alhures soa vago, ambíguo, impreciso, justamente para contornar conflitos e
dilemas que vão se colocar à frente de quem herdar a presidência da República.
A
visão de que Lula está apenas em campanha é limitada. Político hábil,
intuitivo, vai sondando o país, testando sua aceitação, verificando o ânimo da
militância, perscrutando os grotões. Parece engajado também em sustentar o PT
de pé, depois dos sucessivos baques dos últimos anos. Afinal, existe a
concreta, plausível, tangível possibilidade de ele ser condenado em segunda
instância e rifado das eleições 2018.
Lula deve estar enxergando
que o PT se burocratizou e perdeu o encanto de outrora, a velha mística. Na
Estação da Música havia bandeiras, camisetas, militantes, slogans, punhos
cerrados, sorrisos, palmas e efusão. Mas aquela antiga utopia, que arrastava o
povo para os comícios, parece que se perdeu. Resta saber se em definitivo.
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