Tenho
ouvido, com frequência, reclamações de eleitores sobre a dificuldade de fazer o
cadastramento biométrico no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) aqui na Feira de
Santana. O serviço, pelo que percebo, é péssimo nas duas modalidades: seja
tentando agendar horário pela Internet, seja comparecendo ao posto para
enfrentar filas monumentais e ficar, horas intermináveis, aguardando
atendimento, exposto ao sol, à chuva e a uma humilhação injustificável.
Adepto
moderado das novas tecnologias – e de um mínimo de comodidade – tento, há
semanas, agendar o bendito atendimento, sem sucesso. Invariavelmente, as vagas
são todas preenchidas em alguns poucos minutos: nunca consegui, sequer, esboçar
a marcação. Ou enxergar, sequer, a mínima disponibilidade. É irritante embora,
contraditoriamente, fique comovido – quase às lágrimas – com a demonstração de
civismo do feirense.
Pretendo
seguir tentando mais algum tempo. Quando vier a desilusão de que não
conseguirei reservar uma mísera vaga, vou começar a acumular coragem para
enfrentar uma madrugada em claro, ali nas imediações da avenida José Falcão,
cercado por desafortunados iguais a mim, com olhos arregalados pela noite
insone.
Imagino
que, antes, será necessária toda uma preparação espiritual – com rezas,
mandingas e promessas – para atravessar extensas horas ao relento, na insegura
madrugada feirense. Mas esse será o lado emocionante do infortúnio. Há, também,
o tédio da longa espera, sem ter o que fazer, com o hálito gelado do fim da
noite soprando no rosto e, mais tarde, com o sol abrasador esquentando a cabeça,
fazendo-a ferver. Com sorte, pode-se até tomar uma chuva.
Autoritarismo
Para
atenuar o tédio, pretendo escrever uma extensa reportagem. A luz opaca do poste
de iluminação, o silêncio da madrugada rompido pelo ruído de um motor distante,
o canto onipresente dos grilos, o eventual brilho das estrelas indiferentes, tudo
isso vai para o bloco de notas.
Depois,
a escuridão da madrugada que se dilui com as primeiras cores da manhã, a luz do
sol iluminando o céu, o próprio astro dourado emergindo, castigando os
infelizes à espera na fila. Mas pretendo me concentrar, sobretudo, na fauna
enfileirada, exposta à humilhação que desavisados classificam como exercício de
cidadania. Quem serão? O que terão para contar? Lá, na longa espera, saberei.
Engraçado
é o contraste com a propaganda intimidadora que a televisão veiculou no início
do ano. Quem não realizar o recadastramento perderá uma série de direitos,
adverte a publicidade autoritária, em tom ameaçador. E lá vão os eleitores
infelizes, amargar intensos constrangimentos em filas quilométricas.
Tudo isso para votar nas
excelências que nos governam, essas mesmas que figuram no noticiário com suas
malas de dinheiro, com suas justificativas vergonhosas, com suas negociatas,
com seus discursos rasteiros, com seu empenho para não mudar nada. Vendo o
feirense ali, de pé, estoico, sob o sereno, a chuva e o sol, tenho certeza que
vou coletar conteúdo para uma excelente reportagem.
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