Quando
os historiadores do futuro se debruçarem para tentar entender o Brasil da
pandemia do novo coronavírus, eles terão nas fervilhantes mídias sociais
excepcional matéria-prima. No Facebook – temível cemitério de ideias e de
qualquer sensatez – o conteúdo é farto e mais acessível. No Whastsapp também,
mas é necessário conectar-se em rede com a militância milenarista. Nem todo
mundo tem estômago para a empreitada.
Acólitos
de Jair Bolsonaro, o “mito” – e também de outras clivagens da fauna de
extrema-direita –, asseguram que os chineses forjaram o coronavírus em
laboratório e lançaram uma modalidade inédita de guerra: o conflito biológico. O
objetivo? Aí eles apresentam um cipoal de supostas razões que exige muito
preparo intelectual para dissecar. Provas que sustentem a exótica teoria são
dispensáveis: basta ter fé. E acreditar.
Dedicam
muita munição – por enquanto virtual, felizmente – à defenestração dos “inimigos
internos”: os comunistas, para se empregar um conceito elástico, que vão dos
partidos cartoriais da esquerda à comunidade LGBT, passando pelos indígenas e
alcançando até os católicos progressistas. Estes seriam os sócios da terrível
conspiração costurada em Pequim que visa, como sempre, dominar o mundo.
E
o que tem feito esses monstruosos conspiradores? Repassado a degenerada
ideologia de gênero adiante; plantado a discórdia na saudável relação de classes;
fustigado a inabalável fé do brasileiro; sacralizado o dízimo. Enfim, cultivado
a divergência, instilado o ódio, vergastado os pilares da sábia civilização
brasileira. Crimes imperdoáveis que, antes do fogo do inferno, devem ser
punidos com rigor, aqui mesmo, no plano terreno.
Resolvi
investir preciosos minutos investigando quem são os portadores destas verdades
insofismáveis. Visitei muitos perfis e constatei: gente simples, sem qualquer
sofisticação intelectual, que se dedica a ocupações modestas. Muitos são aquilo
que se convencionou chamar de empreendedores. Pelo jeito, esfalfam-se para
garantir o sustento e, insatisfeitos com a vida que levam, buscam refúgio nestas
teorias conspiratórias.
Nos
Estados Unidos e na Inglaterra – cujo debate acadêmico se processa sem os melindres
tropicais – seriam classificados como os “derrotados da globalização” e –
sobretudo – pela crise de 2008. No Brasil, que sentiu menos os efeitos da crise
dos subprimes, a hecatombe veio a
partir de 2015, quando o soluço de prosperidade se exauriu e muitos acabaram
violentamente fustigados pela crise e pela exaustão daquela lógica de consumo.
É
essa gente que se apega à seita profana do “mito”, tomando seus impropérios
como iluminação divina. Sopros – vômitos? – de uma suposta vontade do Eterno.
Domingo (05), pelo que se vê no noticiário, farão jejum. É o que recomenda o
“mito”, para combater o mal do coronavírus.
Soube que já tem gente
preparando fotos de pantagruélicos almoços para compartilhar...
Comentários
Postar um comentário