Confesso
que pretendia, nesta sexta-feira de tempo instável, escrever sobre a Micareta
feirense. Ou sobre a não-micareta, já que a festa foi adiada em função da
pandemia do novo coronavírus. Forjara, até, um título ambicioso: “Crônica da
Micareta que não aconteceu”. Remoía a dúvida se, em algum momento, no passado, a
Micareta chegou a ser adiada. E até já acalentava ambições históricas: figurar
como o primeiro cronista a destrinchar o fato sob uma ótica que não cheguei a
definir. Fui, porém, atropelado por fatos mais candentes.
Como
todo mundo sabe, não há nenhuma novidade relacionada à pandemia de Covid-19 no
Brasil. Os hospitais das grandes metrópoles já estão superlotados, os mortos
somam-se às centenas a cada dia desde o começo da semana e o brasileiro insiste
em retomar a rotina como se nada estivesse acontecendo: nada disso é novidade
nos últimos tempos.
A
grande novidade do dia foi o desembarque do ministro da Justiça, Sérgio Moro –
o ex-todo-poderoso que detinha carta branca – do governo de Jair Bolsonaro, o
“mito”. Em pronunciamento pela manhã, o agora ex-ministro fustigou o ex-chefe e
confessou um pecadilho: requisitara ao chefe uma “pensão” para sua família,
caso morresse em função do exercício do cargo. Afinal, deixaria para trás 22
anos de magistratura.
À
tarde, na réplica, o “mito” foi o “mito”: gaguejou, divagou, errático, repisou
chavões, foi vago e confuso como sempre e, por fim, reiterou suas surradas
disposições patrióticas. Não deixou de desfechar ataques rasteiros contra o
ex-ministro. Mas disso todo mundo já desconfiava. Ladeando o “mito”, os ministros
com feições taciturnas, olhares compridos e, obviamente, nenhum sorriso. Aqueles
semblantes atestavam a gravidade da crise.
Sérgio
Moro é – visivelmente – pré-candidato à presidência da República. O “mito”, por
sua vez, quer preservar o butim, que é bojudo. A convivência conveniente entre
“moristas” – a turma do ex-ministro – e bolsonaristas – os acólitos do “mito” –
acabou. Os entusiastas do primeiro saíram atirando via mídias sociais e, pelo
que percebi, os adeptos da seita herética do “mito” estão catatônicos.
Mantiveram o silêncio o dia inteiro, talvez aguardando orientação do afamado
“gabinete do ódio”.
Imagino
que, a essas alturas, o leitor talvez julgue que os três parágrafos anteriores
foram desperdiçados: as notícias correram feito rastilho de pólvora e todo
mundo já está sabendo do sururu. Talvez fosse mais útil tentar cavoucar
novidades da pandemia na Feira de Santana ou – quem sabe? – ir forjando as
frases da crônica sobre a não-micareta. Até fico inclinado a concordar.
Mas
não contenho o impulso de inspecionar os escombros do governo do “mito”, que se
avolumam a cada dia. Parece que a deplorável era Jair Bolsonaro viveu, hoje, um
capítulo decisivo. O ex-capitão, a cada dia, está mais isolado. Resta, a seu
lado, só aquela claque, patética, que foi às ruas domingo. Só que, enquanto não
cai, o “mito” contribui, decisivamente, para o avanço do Covid-19 no País.
É bom não se entusiasmar
com a conflagração nas facções de extrema-direita que sustentam o “mito”.
Primeiro porque, nesse arranca-rabo, não existem mocinhos. Segundo porque,
enquanto eles se digladiam, o novo coronavírus avança matando gente Brasil
afora, sob a indiferença dessas pretensas autoridades...
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