No
começo da tarde de hoje (20) nuvens azuladas cobriam o céu feirense. Sob elas,
corriam fiapos esbranquiçados de nuvens curtas. Quem observava tinha
dificuldade de prever se choveria ou não. Aquela densa camada encobria o sol e
filtrava uma luz baça, estranha, quase cinematográfica. Só que o calor se
mantinha rijo e, nas têmporas dos escassos transeuntes, adivinhavam-se
gotículas de suor. O cenário de fim de verão, porém, não era o mais importante
naquele início de tarde.
Os
fenômenos climáticos assumem tons até ordinários nos dias tormentosos que
correm. Assim, mais importante foi observar o que se desenrolava pelas ruas,
com toda a sua intensa dramaticidade. Nelas, se via que muita gente se
antecipou ao fechamento do comércio e cerrou as portas desde já. A medida,
adotada pela prefeitura, se deve à epidemia de coronavírus e estima-se que vá
se estender por, pelo menos, uma semana.
Aquele
ar libertário das tardes de sexta-feira não se notava pelo centro da cidade.
Ali na Senhor dos Passos, por exemplo, algumas lojas já tinham fechado. Os
transeuntes eram poucos e os consumidores, raríssimos. Muitos camelôs nem
desperdiçaram energia montando barraca e anteciparam o forçoso recesso. As
aglomerações de pedestres – aquela agonia de gente tentando passar – dissiparam-se.
Praças e Mercado de Arte
Na
Praça Bernardino Bahia havia uma quietude incomum. Feirantes apressados
recolhiam frutas, verduras, legumes; alguns atendiam os raros clientes; muitos
papeavam. O trânsito fluido naquelas cercanias lembrava outras épocas, que hoje
só estão vivas na memória dos mais velhos. Até os fervorosos pregadores cristãos
desertaram, mostrando que sua fé estridente não é assim tão inabalável. Era
denso o silêncio em maio às sombras.
As
mesas dos restaurantes do Mercado de Arte Popular estavam desertas. Um cliente
retardava-se bebendo a saideira. Espichava o olhar, perdido, talvez tentando descortinar
o futuro incerto, os dias que se avizinham. A luminosidade opaca tornava o
ambiente sombrio. Havia sombras, também, nos semblantes de comerciantes e
trabalhadores que se moviam com lentidão.
Nos
corredores que abrigam os boxes, desolação total: quase todos já estavam
fechados e um ou outro retardatário recolhia a mercadoria em exposição,
preparando-se para antecipar o recesso. Não havia, óbvio, a animação típica que
antecede os feriadões. O palco de tantas apresentações musicais, deserto,
melancólico, refletia a luz plúmbea do início da tarde. É raro ver aquele
mercado tão silencioso.
Efeitos
O
fechamento do comércio – doloroso, mas indispensável para ajudar a conter a
epidemia de coronavírus – vai repercutir sobre a já combalida economia
feirense. Quem mais vai sofrer é justamente aquela multidão de trabalhadores
informais, camelôs e ambulantes – sem direitos trabalhistas ou previdenciários
– que cria o próprio trabalho. Esses não ganham o suficiente para acumular uma
poupança, mesmo módica, que os ajude a enfrentar os imprevistos.
Que
medidas serão adotadas para mitigar as agruras desses milhões de trabalhadores?
Anunciaram uma ajuda ínfima: 200 reais. É com essa quantia que eles terão que
virar num cenário de retração brutal da atividade econômica. Afinal, a turma
encarapitada no Planalto começou a se aproximar da realidade e fareja que o
Produto Interno Bruto, o PIB, vai patinar em torno de 0% em 2020. Isso se não
houver retração semelhante àquela que se observou no biênio 2015/2016.
Embora tudo seja ainda mera
previsão – natural em algo incerto como uma epidemia – já há preocupação com os
efeitos bem lá adiante, durante os festejos juninos. Prevê-se que, à época, a
epidemia alcance o seu auge e já há prefeitura cancelando a festa. Serão tempos
ásperos. E é necessário governo para articular ações que mitiguem esses
monumentais problemas. Não é, infelizmente, o que se tem hoje em Brasília.
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