Aqui
da janela é possível ver, à distância, o declive que conduz ao rio Jacuípe e à
BR 116 Sul. Ontem (03), o sol radioso – manhãs e tardes de abril são de uma
luminosidade festiva aqui na Feira de Santana – e o céu claro permitiam ver as
colinas suaves, verdejantes depois dos meses de chuvas regulares. Aqui ou ali
se sobressaem os tons marrons do solo rugoso, pedregoso, típico daquelas
cercanias. Forçando a vista – e a imaginação – o observador intui até mesmo a
vegetação espinhosa, avara, da caatinga.
Mais
além, contrastando com o azul esbranquiçado do céu, bem na linha do horizonte,
as formas azuladas, arredondadas, de montanhas longínquas. Serão montanhas? Diluem-se
um pouco no horizonte, é preciso atenção para vê-las. Onde ficam? Ipuaçu? Mais
além em Antônio Cardoso, Santo Estêvão? Quem olha de longe e não é íntimo
daquela região não consegue identificar.
À
noite, a escuridão engole tudo. Então surgem as luzes distantes, que tremulam
e, por instantes, se apagam. Mas logo ressurgem, ampliando a confusão do
observador. São alaranjadas, amareladas; misturam-se, condensam-se, num jogo
que prende a atenção por longos instantes. Com elas, alguns pensamentos sempre
afloram.
Um
deles é uma lembrança antiga. Quem vem à noite pela Estrada do Feijão desbrava
longos quilômetros de escuridão profunda, quase indevassável. Lá adiante, na
curva ampla de um aclive – subitamente – a Feira de Santana aparece
espetacularmente como um imenso, multicolorido e vibrante tapete de luzes. É
comum a sensação de conforto de quem, finalmente, chega.
À
distância intui-se que o fluxo de veículos se reduziu com a pandemia do novo
coronavírus. Sim, porque no horizonte viam-se fugazes, mas intensos focos de
luz deslocando-se. Eram os faróis dos veículos que chegavam à Feira de Santana.
Agora se intui apenas um movimento espasmódico, monótono para quem observa.
Essas
observações lentas, cuidadosas, seriam impossíveis antes da pandemia do
coronavírus. Há o trabalho, a rotina, aporrinhações miúdas, o acúmulo de
tarefas que inibem a contemplação. Hoje o texto aflorou em meio à descoberta do
céu azul, limpo de nuvens, da luz alaranjada do outono e dos voos graciosos de
pássaros – sabiás, bem-te-vis, beija-flores, mesmo os pardais – nos intervalos
do trabalho remoto.
A pandemia assusta,
desconforta, amedronta. E o isolamento – que não se confunde com o ócio – é um
incômodo suceder de expectativas. Mesmo assim, oferece algumas oportunidades.
Uma delas é observar o que se passa à volta e até se encantar e se enternecer.
A outra – mais desafiadora – é olhar para dentro de si mesmo.
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