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O sufoco do feirense em bancos e lotéricas

– O dinheiro acabô e eu tive que voltá a trabaiá...
A voz metálica reverberou pela Praça Bernardino Bahia estilhaçando um dos múltiplos silêncios curtos, precários, naquele logradouro. Dois feirantes dialogavam, aos berros, à distância. Era início de tarde da Semana Santa. O calor era intenso e, no céu, densas nuvens encardidas encobriam o azul. Tabuleiros com frutas, verduras, legumes e hortaliças se sucediam, mas sem a variedade habitual. Os consumidores, ariscos, paravam pouco, compravam menos ainda.
A gente que mercadejava por ali sustentava dois argumentos. Era a falta de dinheiro que os levava à aventura de tentar vender seus produtos no meio da pandemia de coronavírus. O problema é que a clientela anda reticente, temerosa de contrair a doença. As vendas são, portanto, frustrantes. A frase reproduzida acima resume, com perfeição, o sufoco enfrentado pelo brasileiro pobre.
Defronte aos bancos, filas se encorpavam. Muitos se acotovelavam para sacar o benefício de R$ 600 aprovado pelo Congresso e pago pelo governo. A ansiedade e a desinformação produziam cenas alarmantes: gente aglomerada, sem máscara, conversando, rindo, gesticulando, numa lufa-lufa que só favorece a disseminação do vírus. As reações são compreensíveis: como o governo perdeu muito tempo com “mimimi”, o dinheiro só começou a sair semana passada, causando tumultos.
As lotéricas também andam lotadas. Alguns frequentadores – cuidadosos – ostentam máscaras e buscam conservar a distância prudente de 1,5 metro recomendada pelos especialistas. Outros, impacientes, castigam com pisadas a calçada áspera, tentam um avanço impossível e expiram com força nos cangotes mais à frente.
Pode-se afirmar que as ruas da Feira de Santana, nos últimos dias, têm sido dessa gente que, desesperada, sai em busca da subsistência: vendendo o que é possível a clientes incertos ou sacando o modesto auxílio governamental. É aí que surgem os espertalhões usando a dura situação de parte da população como pretexto para exigir a reabertura do comércio porque, afinal, “o Brasil não pode parar”.
A decisão do prefeito Colbert Filho (MDB) de adiar a reabertura do comércio foi, mais uma vez, acertada. É claro que a situação econômica preocupa. Mas vai preocupar muito mais caso se retome de maneira precipitada as atividades econômicas, favorecendo a proliferação do novo coronavírus.
Nessa situação, doentes vão se acumular nos corredores dos hospitais e mortos à espera de sepultamento nos cemitérios. Basta ver o que está ocorrendo mundo afora. Caso prospere essa pressão insana, novas – e mais prolongadas – paralisações serão inevitáveis lá adiante.
Por mais que o “mito”, o infectologista Jair Bolsonaro, diga o contrário acenando com sua cloroquina.

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