O
isolamento social imposto pelo novo coronavírus trouxe algumas novidades que
foram pouco percebidas até aqui. Uma delas se refere à qualidade do ar que se
respira na Feira de Santana. Melhorou, porque a quantidade de automóveis em
circulação caiu, mesmo com muita gente desdenhando do isolamento. Visualmente é
fácil constatar o fenômeno: das janelas dos prédios se vê que os horizontes
estão mais límpidos, sem aquela névoa de poluição que embaça tudo.
À
noite, ao longo das últimas semanas, foi possível observar uma mudança sutil.
Antes – nas noites de céu sem nuvens – o tom era esverdeado, limoso. Ao fundo,
estrelas piscavam, brumosas, mesmo quando tudo era limpidez. Hoje a amplidão
ganhou um tom azulado, que evoca antigas recordações. A luz das estrelas é mais
firme. Com atenção, é possível distinguir até aquela alternância de cores que
encanta as crianças.
Os
crepúsculos curtos de outono também se coloriram. Mesmo nas tardes de nuvens
pesadas e céu encoberto. Nelas, alternam-se tons de chumbo, prata e cobre. Só
que muito mais vivos, compondo um inesperado mosaico para o observador. Isso
para não mencionar as tardes de céu limpo que insinuam infinitos tons de
vermelho e amarelo durante o breve mergulho do sol detrás dos morros azuis,
arredondados.
Abril
trouxe também outra novidade. As chuvas densas, intensas, típicas do verão, que
foi chuvoso, começaram a escassear. E aquela garoa tênue, prateada e fria,
melancólica nos finais de tarde, traz a lembrança de que o inverno feirense se
aproxima. Bom para quem lida com a terra. Mas também para quem vê o calor
insano que se retarda desde dezembro se reduzir.
Na
faina diária há margem diminuta para acompanhar o suceder das estações. Os
deslocamentos consomem tempo, os compromissos se avolumam, há tarefas
domésticas e aporrinhações que absorvem até os parcos minutos disponíveis.
Pouca gente também cultiva o hábito de sentir a natureza, com sua lógica própria
e suas leis inexoráveis. O longo isolamento talvez ajuda a despertar para essa
dimensão da vida que foi sendo abandonada.
É
melhor enfronhar-se nisto que entornar o veneno das mídias sociais, dos
aplicativos de celular. Com eles, mesmo quem está só em casa não consegue se
afastar do turbilhão dos conflitos políticos, da luta sem trégua à beira do
abismo. Como evitar o pânico e a vertigem, a sensação de que se despenca
despenhadeiro abaixo? É o que muitos se perguntam, atônitos.
As noites na Feira de
Santana e, certamente, em muitas partes do mundo, tem sido mais silenciosas. É
preferível se dedicar a elas, à profundidade de seus silêncios e aos mistérios
das estrelas que, distantes, testemunham as atribulações dos humanos no remoto
planeta terra, que encarar o horror estampado nas telas luminosas dos celulares.
Comentários
Postar um comentário