Pular para o conteúdo principal

Visita a São Roque do Paraguaçu

 

O silêncio é eloquente em São Roque do Paraguaçu na manhã de domingo. Nas cercanias da igreja de São Roque – o templo, azul e branco, sóbrio de detalhes, fica no alto de uma ladeira de pedras, íngreme – só há animação nos botecos que atraem uns poucos biriteiros nativos. Enxugam litrinhos e litrões e espicham olhares tristonhos para a estrada estreita, castigada pelo sol abrasador. O lamento do arrocha – fenômeno musical imbatível no Recôncavo – soa como perfeita trilha sonora para aquela desolação.

À primeira vista, o distrito – que integra o município de Maragogipe – é semelhante a milhares espalhados pelo Brasil. A diferença é que, em São Roque, as lembranças da febril prosperidade recente estão ali, muito vivas. Apesar do silêncio, o clima de entusiasmo de apenas uma década atrás parece ainda impregnar o ar.

Não são poucas as construções abandonadas, algumas delas já se decompondo pela ação do tempo; também não são raros os prédios que foram sendo erguidos, mas que, com a eclosão da crise, estão abandonados, aguardando novo eldorado para sua conclusão. Onde há telhado, faltam portas, janelas, piso, o acabamento definitivo. Projetos de restaurantes, hotéis e pousadas ficaram pelo caminho.

O estaleiro na enseada do rio Paraguaçu – bem no fundo calmo da Baía de Todos os Santos – viveu seu ápice a partir da segunda metade da década de 2000. A crise econômica que eclodiu em 2015/2016 e os desdobramentos da operação Lava Jato fizeram o projeto arrefecer. Ali nas cercanias do Recôncavo não faltou quem apostasse numa prosperidade permanente, infindável.

Em Salinas da Margarida é possível ouvir relatos de comerciantes sobre a época. Restaurantes vendiam centenas de refeições todos os dias, hotéis eram contratados por empreiteiras para abrigar só seus funcionários, vindos de São Paulo, do Rio de Janeiro, até do Maranhão. Os preços dos alugueis foram às nuvens: imóveis alugados por R$ 300 passaram a valer R$ 2,5 mil.

Movidos pelo frenesi, empreendedores endividaram-se com bancos, obtiveram empréstimos para investir em imóveis. Houve quem assumisse R$ 1,5 milhão, R$ 2 milhões em dívidas. Quem conta são os comerciantes locais, ainda pasmos com aqueles tempos.

De qualquer maneira, o guindaste e imensas estruturas metálicas do estaleiro permanecem lá, como símbolo daqueles tempos. São visíveis em São Roque do Paraguaçu, mas, sobretudo, na rodovia esburacada que liga a localidade a Salinas da Margarida. Veem-se trabalhadores no estaleiro, algum movimento, mas nada que lembre aqueles tempos febris.

A estrada sinuosa permite notar toneladas de minério de ferro aguardando embarque. Notícias recentes indicam a pretensão de se investir num porto, no escoamento do minério extraído de jazidas na Bahia. Essa atividade vai se somar à vocação inicial do estaleiro, de construção de navios e plataformas para o setor petrolífero.

Ninguém sabe se futuro reserva uma retomada daquele ritmo frenético de anos atrás. Dado o desmonte do setor petrolífero no Brasil, tudo indica que não. Por enquanto, naquela região, o que há são lembranças dos bons tempos, evidentes nos olhares nostálgicos de muitas pessoas...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da