Recebeu
a oferta numa tarde de quinta-feira: o vereador escalado para a viagem teve um
imprevisto, um problema familiar qualquer. Aí ofereceram a vaga ao Bom Pastor:
viagem a um país chamado Uruguai, Montevidéu o nome da cidade, segundo lhe
disseram. Coisa urgente, para o sábado seguinte, dali a dois dias. Encantou-se
com o valor das diárias, gordas; mas preocupou-se com esse negócio de viajar
para o estrangeiro, avexou-se pensando que não sabia falar língua do exterior.
–
É lugar de cristão? E essa língua lá?
Sim,
a população era cristã. Majoritariamente católica. Torceu a boca, mas topou,
antegozando aquelas diárias. Aperreou-se com a viagem urgente, um curso
qualquer num parlamento ou algo assim, conforme explicaram. Nunca ouvira falar,
farejou negócio de comunismo. Mas esclareceram que era só um curso, desses em que
o sujeito embolsa as diárias, não se aporrinha e ainda passeia.
–
Ah!
Mesmo
assim, ficou tristonho, não gostava de se afastar da sua cidade sertaneja,
febril entreposto comercial. Pensava nisto na tarde de sexta, enquanto o
motorista o conduzia a um compromisso. Espichou o olhar aflito para o casario
erguido sobre a campina plana, agreste. Desde já sentiu saudades da rotina, do
comércio pulsante, da poeira às margens da BR 116, da lufa-lufa dos mecânicos
mexendo em motores de automóveis, até dos urubus que intuíam carniça sobrevoando
uma feira-livre.
Na
manhã seguinte desembarcou, atarantado, no Aeroporto Internacional de Guarulhos.
Luzes, painéis coloridos, vitrines e muita gente circulando para lá e para cá,
arrastando malas. Foi requisitar a sua mala de volta. Rebateram com uma
resposta que não entendeu bem, depois dele estender, humilde, os bilhetes
aéreos:
–
O senhor não precisa despachar novamente sua bagagem!
Ficou
abobalhado com aquela resposta enigmática. Mas não contestou. A interlocutora
tinha maquiagem excessiva, era desembaraçada. Temia confrontá-la, não era como
as mulheres com as quais lidava. Aquelas sabiam seu lugar: o coque, a saia
comprida, o silêncio obediente, o respeito reverente. Aquela ali à sua frente
devia ser perigosa. Mulher pintada! Se vacilasse, era comunista. Provavelmente
era comunista.
–
O mundo está perdido!
Mergulhou
em iracundas reflexões sobre a degeneração dos costumes, essas coisas de
comunismo. Tanto que quase perde o voo: quando se deu conta, a fila de embarque
estendia-se, comprida. Espichou-a mantendo distância prudente de um grupo à
frente: mulheres afetadas com óculos que ocupavam a terça parte da cara;
sujeitos afeminados – tudo indicava que eram afeminados – com casacos de couro,
calças apertadas; estrangeiros falando aquela língua embolada. Espanhol,
disseram que era espanhol.
No
voo, náuseas, pesar de afastar-se tanto de casa. Depois, já chegando, viu a
aeronave fazendo uma curva extensa sobre um mar avermelhado, acobreado. Era o
Mar Vermelho? Não, aquilo era um rio largo, o Rio do Prata. Rio, daquela
largura? Estranhou, mas não alimentou conversa, porque o sujeito, com jeito de
professor, na poltrona do lado, parecia divertir-se com sua ignorância.
Na
imigração, nova fila. Era autoridade. Não podia mostrar sua carteira? Era
vereador! Autoridade pegando uma fila daquelas. Mas foi orientado por um
branquelo – enérgico e educado – que deveria aguardar sua vez. E lá fora?
Disseram que haveria gente esperando, gente que falava português, não aquela
língua esquisita.
Lá
fora tomou o rumo errado e vagou durante muito tempo. Longos espaços, gente
circulando, sossegada, à vontade. Ofereciam táxis, moeda local, roteiros
turísticos. Nada do diabo da pessoa que o esperava! Começou a imaginar que
aquilo era galhofa, desanimou pensando nos milhares de quilômetros que o
separavam de casa. Que desgraça! Para completar, intuiu o frio lá fora, mesmo
sendo novembro.
–
Aguardei o senhor do desembarque com um cartaz com seu nome!
Era
uma mulher de novo. E ele lá sabia que aquilo era assim? Achou que tinha gente
para informar, talvez fosse reconhecido. Mas não disse nada. Queria era descansar,
chegar no hotel. Então seguiu a moça, espantando-se com o vento gelado que
fustigava seu agasalho fino.
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