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A crônica do excesso de assunto

 

É recorrente no jornalismo a crônica sobre a falta de assunto. Muita gente já escreveu sobre o tema, explorando crises passageiras de criatividade. Rubem Braga, por exemplo, notabilizou a falta de assunto num dos seus textos imortais. Outros tantos tentaram, com variados graus de sucesso. Por outro lado, não sei se já circulam por aí crônicas sobre o excesso de assunto. Os últimos dias, por exemplo, tem sido prenhes de grandes novidades. Está difícil abordar uma questão de cada vez.

Neste cardápio amplo dos últimos dias, escolher um assunto só, investir nele e dele extrair um texto pode gerar mais frustração que, propriamente, contentamento, sensação de dever cumprido. Afinal, o que não falta é assunto. O cronista local, por exemplo, pode esmiuçar inúmeros tons da infindável peleja entre o Executivo e o Legislativo feirenses. Matéria-prima não falta, Deus seja servido.

Caso expanda os horizontes, conectando-se a Salvador – imagino o mar belíssimo nesses dias que antecedem o Carnaval –, a peleja política, então, assume proporções homéricas. No que é que vai dar esse arranca-rabo da tríade PT-PSD-PP? Que cenário vai se desenhar na sucessão estadual? Assunto, como se vê, não falta. Sobretudo para quem investe no fuxico, na fofoca, no disse-me-disse.

Que dizer, então, do Brasil conflagrado, flertando com a barbárie, padecendo sob um desgoverno que só a morte move? Ontem mesmo os deputados pisaram no acelerador, liberaram geral: vamos nos converter no paraíso da jogatina, quiçá da lavagem de dinheiro. Projeto escancarando o jogo foi aprovado na Câmara dos Deputados, logo segue para o Senado. Mas esse é só um sintoma da decomposição. Há muitos outros.

Por fim, houve a invasão da Ucrânia pela Rússia. Coisa séria: analistas avaliam que é o maior conflito em solo europeu desde o pós-guerra. A manhã foi recheada de comentários nervosos, buscando-se entender os desdobramentos. Por cá, já há quem tema a rebordosa, pode sobrar para os brasileiros também porque, afinal, estamos numa tremenda maré de azar.

Enfim, o que não falta é assunto, más notícias. Desses horrores é possível extrair lições, aprender muita coisa. Porém, sossegando o espírito por alguns instantes – nem todo mundo consegue ou pode fazer isso – é possível prestar atenção na natureza, absorver um pouco da sua sabedoria e enxergar com alguma serenidade essas lutas fraticidas por poder, por dinheiro.

Lá fora um sabiá canta, insistente. Trinados curtos de outros pássaros completam a orquestra. Ao fundo, cigarras reforçam a trilha sonora. Tudo isso invoca uma sensação de eternidade – embora tudo seja impermanência – que ajuda a suportar esses tempos aziagos de pandemia, de desatinos e, agora, de guerra...

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