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Aula de jornalismo na praça Froes da Mota

 

– Vocês ficam só criticando o governo!

O “vocês”abarcava toda a imprensa – não apenas aqui da Feira de Santana – que não bate palmas para Jair Bolsonaro, o “mito”, dançar.Foi numa destas tardes escaldantes da primavera feirense. Ali na Praça Froes da Mota. Pardais piando alegremente, o vento quente balançando suavemente as copas dos oitis.

Fiquei aguardando. Mas o diálogo expirou. Sentando num banco da praça, lançava olhares desolados em direção às vans de transporte, ao coreto malcuidado, aos transeuntes que circulavam pelo calçadão. Por fim, inclinou o corpo, estirou o beiço e esticou as pernas, num gesto de quem encerra a discussão.

Nem é preciso mencionar que se trata de mais um acólito do “mito”. É iracundo, assertivo e brande convicções inabaláveis. Crítico ácido, implacável com a imprensa. Dois minutos de conversa permitem deduzir que não consegue distinguir informação de opinião, fato de anseio, desejo ou expectativa. Mesmo assim, assume ar doutoral para criticar os jornalistas, lançá-los no balaio genérico do “comunismo”.

Durante a conversa, fustiguei-o: os acólitos do “mito” sempre cultivam teorias conspiratórias, farejam intenções ocultas, intuem ardis. Queria flagrá-lo aferrado a uma bizarrice qualquer para ampliar meu repertório de conhecimentos, forjar convicções mais sólidas sobre estes tipos. Mas o homem se limitava a desancar o petê, contraindo as feições, com ódio. Investia nos escândalos de corrupção. E as denúncias que alvejaram o bolsonarismo?

– Ba-le-la! Ba-le-la! Ba-le-la! – devolveu, escandindo cada sílaba.

Enquanto seguia adiante, lembrei-me do escritor – e jornalista – Antônio de Alcântara Machado. Em “Brás, Bexiga e Barra Funda”, ele fixou alguns tipos da São Paulo dos anos 1920. Gaetaninho, Carmela, Lisetta e outras personagens. Não enveredou pela literatura, conforme advertiu no prefácio, que chamou de artigo de fundo: “É um jornal. Mais nada. Notícia. Só. Não tem partido nem ideal. Não comenta. Não discute. Não aprofunda”.

Posteriormente, o autor repetiu a dose em “Laranja da China”. Lá são retratados alguns tipos impagáveis, que refletem bem aqueles tempos. Pena que, hoje, não dispomos de alguém com o talento de Alcântara Machado.Afinal, há aí à disposição vasta matéria-prima para textos incontáveis. O esforço ficcional é desnecessário: basta ler o noticiário.

A aula de jornalismo sob as árvores da Froes da Mota, por exemplo, renderia notável episódio literário. O livro, a propósito, poderia ser dividido por profissões, distribuídas por capítulos independentes. Além dos jornalistas, há quem dê lições aos economistas, aos professores, aos historiadores, aos pedagogos e – suprema desgraça em tempos de pandemia! – aos médicos.

Por ora, faltam-nos talentos como Alcântara Machado. Ou, quem sabe, Lima Barreto, também agudo observador do seu tempo. Mas, matéria-prima, essa não falta.

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