Pular para o conteúdo principal

O armistício mercantil do domingo

Domingo é dia de armistício mercantil no centro da Feira de Santana. Tudo é quietude e prevalecem, nele, o silêncio e a solidão. As avenidas congestionadas, os becos apinhados, as praças prenhes do ir-e-vir, os disputados calçadões, neste dia tudo repousa numa trégua frágil. Sim, porque mesmo aos domingos o ambiente recende a comércio, à irreprimível necessidade de circulação do capital. Mesmo que o movimento se limite às farmácias abertas, aos botecos eventuais que abrigam os beberrões que desejam aproveitar o domingo.

Não é incomum ver gente atarefada, entretida arrumando a fachada de uma loja qualquer. Ouve-se, então, o grito escandaloso da lixadeira ajustando um painel metálico, um eletricista labutando com fios, corrigindo iluminação, alguém se dedicando a uma tarefa dentro da semiobscuridade de uma loja. Quando falam, o vento propaga o som das vozes, ferindo o silêncio.

Pelas esquinas, seguranças examinam os escassos passantes, bocejam, aporrinham-se com a quietude. O voo constante dos pombos – às vezes há verdadeiras revoadas – é o que empresta alguma animação ao ambiente. Isso quando o vento não sacode o plástico e o papel que repousam nas sarjetas. Quem costuma quebrar o silêncio são os pardais, com seus pios animados, quase incessantes.

Mas essa é a rotina das artérias comerciais, abarrotadas de lojas, de comércio. Nas cercanias do centro da cidade – longas vias que se veem com perfeição nas manhãs de luz irretocável e pouco tráfego – verifica-se aquela simbiose entre comércio e residências particulares. Nelas, habitam tipos que movimentam as manhãs de domingo, espantando um pouco a solidão e o silêncio. Entre eles está o frequentador de botequim.

Ouço o comentário, desde a minha infância, que a única diversão na Feira de Santana são os bares. O feirense bebe bastante, portanto, porque não tem alternativas melhores – e mais saudáveis – de lazer. Não sei até onde isto é verdade, mas já ouvi o mesmo comentário sobre outras cidades. Mas o fato é que os poucos bares que resistem abertos no centro da Princesa do Sertão aos domingos têm clientela.

Muitos frequentadores vão encontrar o grupo de sempre, trocar dois dedos de prosa antes do almoço; outros dedicam-se com entusiasmo à cerveja domingueira, relaxam relembrando histórias e estórias antigas; não faltam os saudosistas militantes para desancar os dias atuais, recordar como tudo era melhor no passado remoto; os mais exaltados falam alto, gesticulam – mesmo com a pandemia aí na praça – apoderando-se gulosamente da palavra.

Boa parte é idosa. As rugas, os cabelos brancos, um certo desencanto no olhar, os gestos vacilantes, tudo evidencia as longas jornadas, incontáveis experiências acumuladas. Talvez espantem um pouco a solidão naqueles encontros constantes; talvez vendo gente de sua faixa etária, consigam despertar lembranças, encontrar conforto para enfrentar as agruras do presente.

No começo da tarde desaparecem. A rotina familiar, o sol inclemente – os começos de tarde aqui na Feira de Santana têm sido incandescentes – e a própria melancolia do fim de semana que finda esvaziam as ruas. Com pouco, vem a noite de domingo que exige, sempre, uma crônica à parte...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

O futuro das feiras-livres

Os rumos das atividades comerciais são ditados pelos hábitos dos consumidores. A constatação, que é óbvia, se aplica até mesmo aos gêneros de primeira necessidade, como os alimentos. As mudanças no comportamento dos indivíduos favorecem o surgimento de novas atividades comerciais, assim como põem em xeque antigas estratégias de comercialização. A maioria dessas mudanças, porém, ocorre de forma lenta, diluindo a percepção sobre a profundidade e a extensão. Atualmente, por exemplo, vivemos a prolongada transição que tirou as feiras-livres do centro das atividades comerciais. A origem das feiras-livres como estratégia de comercialização surgiu na Idade Média, quando as cidades começavam a florescer. Algumas das maiores cidades européias modernas são frutos das feiras que se organizavam com o propósito de permitir que produtores de distintas localidades comercializassem seus produtos. As distâncias, as dificuldades de locomoção e a intermitência das safras exigiam uma solução que as feiras...